Usina de Letras
Usina de Letras
64 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62201 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10353)

Erótico (13567)

Frases (50601)

Humor (20029)

Infantil (5428)

Infanto Juvenil (4762)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Humor-->OS MINEIRINHOS - NO MAR -- 02/06/2000 - 19:50 (Mario Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Paraisópolis, no Sul de Minas, reflete bem o que o nome indica:um paraíso.
Emoldurada pela silhueta ondulada aqui, um pouco mais aguda ali, da Mantiqueira, vista de seu lado mineiro, a cidade e o campo convivem numa calma aguda, repleta de silêncio, daquelas que você só imagina existir realmente nas plagas onde os anjos e os santos fazem plantão ao lado do Criador.
Nas fazendas, então, completamente longe do ruído constante do trânsito que polui, maltrata e atravessa a janela do meu prédio, nesta Paulicéia imensa, um ou outro mugido das vacas leiteiras, um trinar de um passarinho, ou o balir de uma ovelha no gramado verde sem fim, quebram, de quando em vez, o silêncio gostoso e infindável, que se prolonga pela noite a dentro, onde só os grilos persistem em fazer ouvir suas orquestras cricrilantes.
Para ser mesmo um paraíso na Terra, Paraisópolis só precisava ter algo que é lhe é impossível ter: o mar.
Ah, o mar!
Sua completa ausência cria no imaginário dos mineiros, do sul ou do norte, quase que uma obsessão: conhecê-lo. Ao menos uma vez na vida.
Foi por isso, sequiosos de verem de perto o tão falado oceano, que os dois fazendeiros de leite, Seu Tonho e o Compadre Belarmino, aceitaram, finalmente, a insistência do sobrinho, que tinha ido estudar engenharia em São José dos Campos e que trabalhava na Embraer, para um passeio até Caraguatatuba.
E desceu a caminhonete de cabine dupla, rosnando seu motorzão fogoso, pelas curvas da estrada, Mantiqueira abaixo, em direção ao Vale do Paraíba.
Os dois fazendeiros ali, firmes, a vertigem virando o estômago no avesso, o café tomado na manhãzinha fria da serra querendo voltar todinho.
Nem almoço quiseram em São José, na parada na casa do sobrinho.
E toca para nova etapa de sofrimento na estrada da Serra do Mar
Adiante de Paraibuna, as curvas eram tantas que Seu Tonho não suportou. Veio para fora, cabeça colocada pela borda da porta do veículo, botando prá fora tudo o que tinha e o que não tinha. Seu Belarmino, fazendo somente sinal com a mão, logo depois, também pediu para parar.
Pernas abertas, para não sujar o par de botinas ringideiras novas, desabou no mato na beira da rodovia dos Tamoios, pão com manteiga, queijo fresco e tudo mais que andava virando no avesso nas tripas revoltadas.
Tudo isso estoicamente vivido no mais absoluto silêncio, este que constitui o modo de ser e de viver da gente nobre das alterosas.
Foi um alívio imenso quando o sobrinho anunciou que logo mais adiante iria parar a caminhonete para mostrar-lhes, desde já, a imensidão do Oceano Atlântico.
Desceram os dois, entontecidos ainda pelo enjôo, vísceras queimando, boca amargosa, tentando firmar os pés no betume negro da beirada da rodovia, aproximando-se da cerquinha de metal que guardava a beira do precipício.
A vista era maravilhosa, que o dia estava, em maio, sem um pingo de nuvens no céu. Aquele sol, píntando de verde vivo a Mata Atlântica, que terminava quase que na beirada do Mar, onde areias eram fitinhas creme, enfeitadas pela renda das ondas que desenhava o contorno de cada praia. O imenso mar estendia-se até o horizonte, somente quebrado um pouquinho pela sombra verde da Ilha Bela, no Canal de São Sebastião. Quem conhede aquele mirante, sabe do que estou falando. Uma das paisagens mais lindas do litoral brasileiro!
Os dois compadres permaneceram em silêncio, olhando aquela beleza implantada ali pelo Criador, que seria tão virgem como no tempo dos Bandeirantes, não fora a fita preta do asfalto da estrada a descer serra abaixo e os edifícios de Caraguatatuba.
O sobrinho, atento, esperava a reação dos dois.
Teve que esperar muito.
Passou um tempão e Seu Tonho e Seu Belarmino permaneciam calados. Só olhavam.
Mais um tempo e Belarmino tirou a palha do bolso, o canivete, o rolo de fumo e começou a enrolar um cigarrinho.
Tonho cerrou os sobrecenho, debruçou-se apoiando as mãos no gradil. Olhava aquela imensidão e matutava.
Custou mais um pouco, o sobrinho já impaciente, pensando em chamá-los para voltar à caminhonete e prosseguir viagem, quando um deles, finalmente, arresolveu-se a falar:
"-- Eta, Belarmino, que marzão filhodaputa de grande, né sô!? Já pensô, cumpadre, se esse marzão todo fosse leite?"
O outro, ainda mais debruçado, os olhos quase completamenete cerrados, ofuscado pelo sol que batia bem de frente, pensou um bocado e, respondeu a resposta, para sempre preciosamente memorizada e contada pelo sobrinho engenheiro, em toda roda de amigos em São José dos Campos:
"--Magine, compadre Tonho. Num sei não... Se esse marzão tudo fosse leite, ond´é qui nóis ia arranjá uma imensidão de água prá "batizá" essa leitaiada toda?!?"

Mário Galvão é jornalista e profissional de RP
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui