Trinta de janeiro de mil novecentos e setenta e um, eis me aqui na Praça Tenente Urias e acabei de chegar. Melhor me sentar e procurar saber por que estou de volta neste ano, cinquenta anos atrás do meu tempo de pandemia. Não sei como voltei a este ano específico, dos meus quase dezessete anos. Poderia ter voltado mais cedo, ou mais tarde, mas a explicação que devo acreditar é por ser um ano emblemático, de mudanças em minha vida, quando estava de saída de São Miguel.
Sentado na Praça mais simples, com o cinema funcionando, com as ruas lajotadas e não asfaltadas, com a padaria ainda vendendo pãozinho pela janela, nas madrugadas de baile no clube e nas saídas do cinema. Com a igreja sempre majestosa, mas não basílica; com a pastelaria do Jorge, com a falta de trânsito já que carros eram raros e olhando um ônibus da VISMA, com destino Itapetininga, via Gramadinho e sem asfalto, mas com o bar do bolinho do Odilon funcionando.
Não sei como, mas voltei a mil novecentos e setenta e um, só que não aquele moleque magro e sem saber o que fazer. Voltei como eu mesmo de dois mil e vinte e um; barba branca, careca e barriga aparecendo, com pressão alta e outros problemas afins. Desse jeito, agora sou um ilustre desconhecido e como me aproximar das pessoas e de mim mesmo, para uma conversa, ou troca de ideias.
Sabendo do risco que tenho em falar de acontecimentos futuros, vou continuar sentado mais um pouco neste banco em frente à Igreja e pensar o que dizer. O que dizer?
O que dizer para mim mesmo, nos meus dezessete anos. Para os meus amigos de idades parecidas, para os meus irmãos, para os futuros políticos, se bem que a maioria de hoje ainda não tinha nascido e eu não poderia dizer nada mesmo.
Olha lá eu mesmo, o adolescente magro e cabeludo, com a mesma calça Kone, camiseta e tênis Bamba. Ei Jairinho, venha cá. Quem é você, me perguntou. Sou de São Paulo e estou passeando aqui na sua cidade. Cidade pequena e pacata, começando a ter uvas e já estou gostando. Escute aqui, você me chamou de Jairinho, como sabe o meu nome? Olha, sei tantas coisas e estou pensando o que lhe dizer. Você está querendo deixar a sua cidade, se transferindo para estudar em Itapetininga, não é? É, vou fazer o terceiro colegial lá no Colégio Modesto, já me matriculei.
Um parêntese para uma reflexão se valerá a pena eu dizer para ele não ir, ele não deixar a sua cidade e terminar o colegial por aqui mesmo e se fixar cada vez mais na sua cidade natal, viajando para estudar em Itapê, uma faculdade de direito, ou nenhuma; será que eu deveria dizer para ele investir na lida com os caminhões e caminhar pelo agronegócio.
Fechando a reflexão, não posso dizer, por ser a minha vontade do futuro e não a dele de agora. A vontade dele é sair, é conhecer o mundo e estudar fora parece ser tudo de bom, principalmente se for para Curitiba. O que dizer para esse moleque, que vá para o Paraná e não para São Paulo, como já estou antevendo. No entanto, ele ainda não sabe que vai parar na casa do seu tio na Vila Mariana e depois em São Bernardo do Campo.
Toca o sino da igreja e me chama a mim mesmo, devendo deixar o Jairinho seguir o seu caminho, se não como eu seria eu mesmo, dos meus quase sessenta e sete. Como seria a minha história, se eu me intrometesse com aquele menino, como seriam esses cinquenta anos de diferença entre nós. Estendi a mão a ele e disse: Vá em paz, menino bonito, siga a sua sina! Ele sorriu e saiu no caminho da padaria, para comprar uma bomba de creme.
Fiquei olhando seu caminhar, torcendo por ele e desejando sorte, muita sorte, que Deus o ajude, porque não será fácil. Como não disse nada a ele, também não tenho o que dizer aos demais, que surgiram ruidosos na praça. Melhor só vê-los e deixa-los viver o que cada um tem que viver. Um aceno não é demais e assim me despedi deles, voltando não sei como a este dia trinta de um de vinte e um, com a dúvida de o que dizer?