Usina de Letras
Usina de Letras
111 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62295 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10391)

Erótico (13574)

Frases (50680)

Humor (20041)

Infantil (5461)

Infanto Juvenil (4783)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140824)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6211)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->AMANHECER EM CAÇANDOCA -- 22/03/2000 - 19:46 (Mario Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Pois é.
Uma das coisas que ninguém deve tentar é repetir um momento maravilhoso do passado, acreditando que tudo vá acontecer da mesma maneira que da vez anterior.
É como se você, depois de crescido, graúdo e sisudo, imaginasse entrar no cinema para ver de novo Branca de Neve e os Sete Anões.
Óbvio que não vai acontecer aquele mesmo encantamento do tempo em que você tinha 8 anos e foi ver o desenho de Disney, levado pelas mãos da irmã mais velha.
Isso acontece com tudo o que queremos repetir, de uma forma que nos desaponta muito.
Eu por exemplo, uma certa ocasião, num verão de minha vida que nem bem me lembro direito qual, fui pescar com dois amigos na praia de Caçandoca, em Ubatuba, litoral norte pauista. Naquela época, a Caçandoca era uma praia selvagem, quase inacessível, situada numa ponta de terra que avança sobre o mar e que a faz ficar em uma posição tal que o Sol nasce de frente para você. Na posição em que ficou nossa barraca, armada em meio à vegetação baixa,pudemos contemplar, ao amanhecer, um dos mais belos espetáculos que já pude assistir em minha vida. Naquela manhã, Deus estava inspirado. A luz do amanhecer, já bem antes do Sol aparecer sobre o Atlàntico, pintou o céu com as aquarelas mais incríveis, tingindo nuvens esparsas, a superfície do mar e tudo mais que havia na paisagem, com as mais inverossímeis cores, do violeta ao dourado. Quando o Sol finalmente surgiu, diante dos três pescadores quase boquiabertos perante tanta beleza, uma pequena canoa cruzou o mar, bem na nossa frente, diminuta silhueta negra, dando um toque mágico à paisagem maravilhosa. Ficamos ali, os três, parados, extasiados, respeitosos, a assistir a uma sequência de golpes de pincel do Criador, rivalizando com qualquer Michelangelo, com maestria capaz de deixar toda a plêiade de artistas da Renascença com cara de reles amadores.
Resultado. Nunca mais me esqueci daquela cena e sempre que alguém dizia que tinha visto um cenário de rara beleza, em viagens por plagas distantes, eu afirmava, ou, no mínimo, pensava com meus botões:"- Nada se compara com um amanhecer na Caçandoca."
Pois bem. Anos depois, casei-me pela segunda vez. Um casamento que coroava uma paixão de anos, recolhida, finalmente realizando uma união que,para acontecer, fora obrigada a vencer muitos problemas.
Logo que ficamos juntos, comecei a afirmar a minha nova companheira que, em não sendo milionário, certamente não lhe poderia proporcionar grandes acontecimentos, mas que um, extraordinário, tinha certeza que lhe garantia: ela poderia assistir comigo um amanhecer em Caçandoca. Muitas vezes prometi, muitas vezes combinamos, mas sempre a ida de madrugada para Ubatuba ficava para amanhã ou depois.
Até que, numa primeira crise, achei que chegada era a hora de maravilhá-la com espetáculo de tal magnitude. Certamente, ela se convenceria de vez de que tinha juntado o seu destino ao de um homem definitivamente ímpar, capaz de levá-la a conhecer o oitavo grande encanto do mundo.
Estávamos em Ilha Bela, distante mais ou menos, afora a travessia da Balsa, cerca de 50 quilómetros da paradisíaca Caçandoca.
Pois não é que eu sacudi minha mulher às três da manhã, obriguei-a, aturdida, a entrar no carro e atravessamos a balsa rumo ao continente, tocando direto para a praia da Caçandoca, a tempo de assistir o nascer do Sol?
Chegamos. Ainda estava escuro. Eu fiquei ali, vigilante, pronto a acordá-la, assim que o Sol começasse a nos presentear com as maravilhas da primeira vez.
Que nada! O tempo estava meio encoberto e o Sol, naquela época do ano, estava totalmente chinfrim, safado e sem-vergonha, preguiçoso de merda. Não deu as caras. Pior ainda. À medida que o dia foi clareando, fui vendo o local todo cheio de barracas e carros velhos, fuscas, chevetes e até velhos DKW Vemags, imaginem, atestando que de deserta, Caçandoca não tinha mais nada, tendo virado reduto de "farofeiros". A Sybill, minha mulher, acordou ao som de Amado Batista, vociferando letras bregas, horrorizada, sem ainda entender muito bem para que diabos de lugar eu a tinha carregado. "É isso aqui a tal de Caçandoca maravilhosa?" Famintos, estremunhados, sem lugar para tomar banho, fomos tentar achar um café com leite num buteco que se erguia mais ou menos no mesmo ponto da praia em que eu e meus três colegas havíamos armado uma barraca anos atrás. Para se ter uma idéia da frequência do local, já havia três bêbados encostados no balcão sujo do barzinho. Entretanto, entramos correndo, para nos proteger da chuva em que se havia transformado a garoinha que começara cair há pouco. Minha mulher não conseguiu tomar o "pingado" nem comer o pão amanhecido com manteiga rançosa. Percebendo a minha mancada, arrastei-a pela mão em direção ao Santana, tentando sair dali o mais rápido possível. Pois não é que, bem na frente do carro, pastava uma cabrita, provavelmente do dono do bar, arrastando uma corda suja e mal-cheirosa. Minha mulher, que é louca por bichos, tentou afagar a cabritinha. Não pude evitar. Foi uma marrada daquelas na coxa, deixando uma enorme mancha negra-roxa, na hora: paft!
O casamento quase acabou. Nunca tivemos uma briga tão feia como a da volta para casa, minha mulher com a perna doendo horrores e execrando minhas estórias, desacreditada de tudo, de todas as minhas qualidades incríveis e do amanhecer da Caçandoca.
Devia ter ficado mesmo somente com a primeira vez..

Mário Galvão
Jornalista e Profissional de RP
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui