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Cronicas-->O Mundo em torno do Flamengo -- 02/03/2022 - 06:50 (AROLDO A MEDEIROS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

     O Mundo em torno do Flamengo

Aroldo Arão de Medeiros 

 

     Voltaire, escritor e pensador que viveu na Paris do século XVIII, certa vez teria dito que “quando o fanatismo gangrena o cérebro a enfermidade é incurável”. Eu concordo com Voltaire. Aliás, jamais me atreveria a discordar de um sujeito que assombrou o mundo com a inteligência, influenciou inclusive a Revolução Francesa e publicou mais de setenta livros. Quem me dera! Mas meu irmão, o Adriano, um fanático por futebol e, mais ainda, pelo Flamengo, talvez discorde do filósofo francês. E é pela ousadia de divergir do filósofo que o Adriano merece que esta crônica seja dedicada a ele.

     Afinal, meu irmão estava com apenas oito anos de idade quando o Flamengo foi campeão mundial e, naquele time, estava o Lico, nosso primo, craque de bola. Mas, não apenas o Adriano sofre desse fanatismo. A calamidade se espalhou por nossos descendentes.   Vejam.

     Não faz muito tempo eu voei com meu filho mais velho, Rafael, para a Europa. Um passeio de 10 dias conhecendo a cultura de algumas cidades do Velho Mundo: Bruxelas, Amsterdam e Londres. Dias maravilhosos vivenciando situações bem diferentes do nosso querido país. O lugar que mais marcou meu filho, foi Londres. Não só pelas imperdíveis paisagens à beira do Tâmisa ou as sonoras badaladas do Big Bem ou ainda o inacreditável acervo do Museu Britânico. Mas, principalmente, pelo Flamengo.

     Mas como, Flamengo em Londres? Vocês, na certa perguntarão.  Respondo: na época de nossa viagem realizava-se, no Catar, a final do mundial interclubes de futebol e essa decisão seria transmitida para todo o planeta. Apesar do jogo não contar com uma equipe londrina, havia um dos protagonistas da cidade de Liverpool (homônimo da cidade), que dista menos de 4 horas de onde estávamos. Não há necessidade de dizer que a torcida, em Londres, era majoritariamente contra, pela rivalidade entre as cidades. Pois o outro postulante ao título máximo do futebol era ninguém menos que o brasileiríssimo Flamengo.

     Meu filho, que também torce o nariz para aquela frase do Voltaire, e que também é obcecado pelo Mengão, procurou na internet qual o pub mais próximo de nosso hotel em que passaria o jogo pela televisão. Como todo torcedor determinado, encontrou. Fomos, ele animado, eu em seu encalço, sentir a companhia da urubuzada. Quase não conseguimos entrar no recinto. Estava super, hiper, mega, lotado. Meu filho quase chorou para convencer o porteiro, implorando pelo pai, alegando que o velho estava cansado e com muita dor nas pernas. Tudo mentira, mas para um flamenguista ver o jogo da final, vale.

     No local, dois ambientes: o térreo sem mesas e o andar superior algumas mesas, todas lotadas, e uma onde jazia um torcedor solitário que aceitou a minha companhia. Depois até cedeu o lugar para meu filho, pois estava muito nervoso e não conseguia ficar parado. Apesar de ter pago caro para assistir sentado, preferiu andar de um lado para o outro enquanto sofria com a falta de gol do Flamengo. É o que eu digo, esses maníacos pelo rubro-negro fazem coisas que até Voltaire duvida.

     Havia três ou quatro aparelhos de TV e todo tipo de torcedores.  Um brasileiro que não torcia pelo Flamengo, mas como estava há dez anos em Londres, às vezes era golpeado pelo Liverpool, rival do seu time preferido, o Manchester United e, naquele dia abraçava o Mengo. Sofreu junto com os quase duzentos alegres e descontraídos jovens brasileiros, desculpem eu me incluir nos jovens, mas quem faz a idade é a gente e o nosso espírito.

     Perto de nós, uma moça que chorava em demasia, para não dizer que as lágrimas jorravam aos borbotões, depois da final do jogo. Ela era da turma dos maníacos pelo time da Gávea. O Liverpool ganhou por 1 a 0 e sagrou-se campeão mundial.

     Bem diferente de trinta e oito anos antes, quando o Flamengo foi campeão no Japão contra o próprio Liverpool. Assisti a essa primeira final em minha casa, rodeado por meus amigos, comendo churrasco, bebendo cerveja e eu, particularmente, torcendo para um jogador, meu primo, Lico, titular daquele time de feras que venceu por 3 a 0, sem piedade. Rafael, na época, estava com apenas três anos e não havia escolhido ainda o time favorito. Mas, com certeza, o vírus estava por ali naquela roda de cerveja e risadas e o pequenino Rafael foi inoculado: estava fadado a ser mais um incansável torcedor do Flamengo.

     No retorno ao Brasil, dia 24 de dezembro, partíamos felizes pois, apesar do Urubu ser derrotado, havíamos realizado passeios maravilhosos. No voo São Paulo-Florianópolis encontramos lugar vago junto à janela e corri a ocupá-lo, a fim de poder usufruir a paisagem sem ser incomodado.

     Ledo engano, apareceu um jovem que colocou a esposa e um filho de uns três anos (certamente futuro maníaco pelo Mengão), duas fileiras atrás de nós e veio sentar-se ao lado da janela. Apresentamo-nos e fiquei sabendo que o nome dele era Mozer. Homenagem ao jogador do Flamengo, já que o pai trazia a sina da família, torcer para o rubro-negro. Imitando o pai, batizou o filho como Arthur, o nome do Zico.

     Conversamos bastante e descobrimos coincidências que jamais esperaria. Na sabatina imposta por mim, fiquei sabendo que ele trabalhava na Lufthansa e ganhara as passagens aéreas. Esperto, conseguiu embarcar naquele horário, porque no aeroporto ficou conversando com um amigo que não via há bastante tempo e perdera o anterior. Eis o diálogo, já que meu filho não participou do colóquio.

     - Vais ficar em Floripa?

     - Não, vou para Laguna.

     - Que coincidência. Eu nasci lá.

     Vi que ele ficou envergonhado quando perguntei de que bairro era.

     - Não é bem na área urbana da cidade. É no Bananal.

     - Isso é incrível. Meus pais e minha irmã mais velha nasceram lá. 

     De novo, ele parece que sentia vergonha de onde vinha. Sem necessidade alguma, falou:

     - Não é bem no Bananal. Sou da Pontinha das Laranjeiras.

     - Eu tenho uma prima que mora lá. Por acaso conheces a Jusânia?

     - Foi a melhor professora que eu tive.

     - Saiba que ela, assim como eu, é prima do Lico.

     O papo continuou até o fim da viagem. Descobrimos que frequentávamos o mesmo bar em Siderópolis. Ele nos finais de semana, eu nos outros dias. Isso acontecia porque eu nas sextas-feiras ia para casa enquanto ele continuava na cidade, trabalhando. Em Orleans, conheceu a esposa e foram para Londres. Uma vez por ano retornam a Laguna para visitar os parentes dele e da esposa.

     Contei a ele nossa aventura futebolística em Londres. Ele me garantiu que, não raro, faz o mesmo: invade um pub qualquer, apodera-se de um banco, sorve alguns copos de beer e torce. Seja lá quem esteja jogando, ele torce, sempre, para o time que estiver com o uniforme mais parecido com o do Flamengo. Vá entender este mundo! Só Voltaire, mesmo.

 

 

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