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Cronicas-->26. UM COPO D´ÁGUA -- 03/08/2001 - 07:06 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Neguei, sistematicamente, a todos os que vinham pedir-me qualquer coisa, mesmo simples copo d´água, pois me julgava no direito de fazê-lo, já que não tinha de meu coisa alguma. Era paupérrimo e achava que o trabalho deveria ser o apanágio dos honestos, tanto que prestei serviços em vários setores, sem reclamar jamais contra a sorte. Mas não dava nada a ninguém.

O incrível é que morri tão pobre quanto sempre vivi, não tendo conseguido arrecadar nada mais do que o sustento e o agasalho da filharada. Mas trabalhei muito, puxando o cabo da enxada, empilhando tijolo e misturando areia com cal e cimento, para o reboco protetor. Todavia, nada dei de graça a quem quer que fosse.

Oportunidades tive muitas, pois eram vizinhos, com xícaras, a pedir açúcar ou remédios. Eu ali, firme na negativa, como se qualquer coisa que se desviasse fosse fazer falta a mim ou aos pimpolhos.

Sabia que a esposa, às escondidas, passava uma ou outra mercadoria e até mesmo dinheiro aos pedintes mais próximos, como meus cunhados e sogros, mas não dava importància ao fato, apenas a atemorizava com advertências suaves e enérgicas.

Não era mau dessa malvadez que prejudica as pessoas. No trabalho, se precisassem de mim, cobria as faltas dos que adoeciam, sem requisitar qualquer ganho extraordinário. Não era mesquinho. O que considerava como o mais verdadeiro era o poder de superação das péssimas condições pelo trabalho.

Quando morri, não caí diretamente no báratro. Fui recolhido pelos instrutores e levado à presença daquelas mesmas pessoas a quem recusara ajuda. Era inteligente e pude compreender que as necessidades nem sempre são resolvidas pelo trabalho, pois muitos não tinham condições intelectuais, emocionais ou cármicas, para suportarem a pesada carga de um serviço contínuo. Eram peças de porcelana arremessadas no bulício da vida.

Está claro que os malandros, os hipócritas, os preguiçosos e demais componentes da caterva de desocupados crónicos também me foram mostrados, mas custei para entender que estes também dependiam de minha ajuda para a melhoria do procedimento, através de alguma palavra de alerta ou de despertar.

Fiquei tão aborrecido com a notícia de incompetência que me constrangeu o fato de ter de seguir com os orientadores para as càmaras de recomposição, pretendendo iniciar imediatamente o trabalho de recuperação dos aspectos perdidos, demonstrando o desejo de me inscrever em algum grupo socorrista.

Foi impossível o atendimento de tais reivindicações. Antes de mais nada, haveria de reequilibrar-me, para estar apto às atividades que exigem prudência, ponderação, respeito pela humanidade e pelas leis cósmicas. Senti-me fortemente frustrado e só não caí para as profundezas do Hades, porque fui amparado vigorosamente pelos fluidos regeneradores e pelos medicamentos sedativos que me administraram.

Desacordado, fui conduzido a hospital desta instituição, onde me recuperei das lesões graves com que o excesso de atividades me brindou.

Aí foi outra fase duríssima para minha compreensão. Se errara profundamente por recusar-me à doação de artefatos materiais, errei duplamente ao considerar o trabalho panacéia para todos os males. Não só o organismo se afetou irreversivelmente, como a convivência no lar se ressentiu da falta de presença mais atuante na formação moral dos filhos.

Julgava que o exemplo do trabalhador seria facilmente compreendido, como se executar tarefas pesadas fizesse parte da natureza essencial do homem. Acreditava nessa simbiose educacional, como se os pequenos tivessem o discernimento dos adultos, e não me preocupei em dar amparo afetivo a ninguém. Caso algum filho demonstrasse necessidade emocional, punha a esposa como responsável pelos esclarecimentos cabíveis e jamais me dei conta de que estava negando ajuda espiritual, da mesma forma que não distribuía qualquer benefício material. Usava como desculpa o cansaço e a necessidade de levantar cedo no dia seguinte e nunca dediquei uma horinha que fosse ao atendimento afetivo da criançada.

Não preciso dizer que alguns de meus filhos desviaram da rota que, subjetivamente, lhes traçara, desandando na vida.

Por sorte, tive esposa compreensível e pacienciosa, que não conseguia ver a vida que não fosse através de meus olhos. Era sagaz o bastante para perdoar-me a rudeza intelectual e se refugiava na religião, sempre que idéias lhe vinham à cabeça de que eu poderia estar agindo errado. Conformava-se com a sorte e, tal como eu, jamais emitiu queixa alguma.

Estou retratando a psique de muitas pessoas apegadas a estes princípios de dedicação exclusiva ao trabalho remunerado, como forma de fuga da complexidade da vida. São pessoas esforçadas no campo que adotaram para desgaste energético, mas atrasadíssimas no desforço intelectual. Se estão pensando que isso é forma de preguiça, podem rejubilar-se, pois acertaram.

Se me pedissem para escrever uma linha que fosse a respeito de qualquer assunto que exigisse reflexão a respeito de alguma idéia ou conceito, iria ver-me em palpos de aranha, pois até analfabeto era. Mas isto não impediria o ditado de algum pensamento, o que jamais eu faria espontaneamente. As vezes em que estive diante de pessoas conhecedoras da escrita, para registro do que quer que fosse, via-me atarantado, incomodado, ansiado por me livrar dessa penosa condição de inferioridade. Mas nada fiz para melhorar as reações de angústia.

Nesse aspecto, até que fui sábio, pois recomendei à mulher que colocasse os filhos na escola. Talvez, se pensar bem a respeito, tenha sido ela quem sugeriu a alternativa. De qualquer modo, não coloquei obstáculo.

Hão de perguntar agora como é que ser tão bronco esteja capacitado a demonstrar conhecimentos que não adquiri em vida.

É perquirição imprópria para quem sabe que o etéreo possibilita, melhor que na Terra, os estudos e os trabalhos compensadores das falhas e vícios adquiridos durante a encarnação.

Eu fora levado àquela vida simples, porém, honesta, por razões específicas, oriundas das necessidades da formação moral anterior. Requeri tal predestinação e fui atendido, embora me fosse facultado escolher outra sina melhor adaptada à minha sensibilidade. Entretanto, agi em consonància com certo orgulho e me submeti livremente às grosserias de cérebro tacanho, na expectativa de melhorar o relacionamento com as pessoas,

Não me dei de todo mal, mas poderia ter sido bem melhor aproveitado o encarne, se tivesse percebido que, naquele copo d´água que neguei, estava concentrada a virtude que me faltava.

Eis-me agora tentando reavaliar todos os aspectos da vida, na companhia destes parceiros de turma, sob orientação do Professor Álvaro.

Amadeu.

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