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Contos-->Janeiro -- 27/11/2001 - 00:55 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nunca gostei da noite de reveillon. Sempre a mesma coisa. Os abraços e sorrisos forçados, as festas com peru e pernil. Odeio aves e o barulho ensurdecedor dos rojões anunciando a entrada de um novo ano. Que merda! O novo ano e suas expectativas malditas. Vai ser melhor? Vai ser pior? A maioria acha que pior é impossível. Mas quase sempre o é. Menos grana, menos saúde pra dar – imagine, então pra vender – porque nosso corpo é igual a carro: as peças vão envelhecendo e chega uma hora que não dá sequer para trocar. Menos tudo. Menos tudo não, mais idade. É por isso que eu detesto janeiro. Janeiro foi o mês em que nasci. Sou do mesmo signo de Cristo, mas isso não importa. Os apóstolos não tinham pretensão de se tornarem historiadores e, portanto, não deixaram registrada a data certa do nascimento do Filho de Deus. Uma distração imperdoável. Então não posso fazer uma afirmação tola dessas – de que Cristo também é capricorniano. E, mesmo que pudesse, seria uma heresia. Imagine, astrologia para o Rei do Universo! Certamente me crucificariam, como fizeram com Ele. Janeiro é aniversário de São Paulo. Mas São Paulo é aquariana, como minha irmã Leonor. Não sei por que estou falando sobre essas coisas. Não leio horóscopo. Leio todas as outras amenidades dos jornais, menos os signos. Acho que é porque eu temo o futuro. E janeiro me faz pensar nele e nas suas incertezas.

Elisabete ligou para o meu celular antes do almoço. Não atendo celular no escritório. Se pudesse nem teria uma merda dessas. Mas é que preciso do danado quando saio visitando clientes. Ela deixou um recado. “Me liga, Edu! Me liga!” Tum, tum, tum... Havia algo diferente na voz de Bete. Pressenti que era algo incomum. No sábado anterior tínhamos brigado. Feio. Pela primeira vez eu a tinha ofendido. Ela queria ir ao cinema. Eu queria deitar no sofá do seu apartamento, tomar um suco gelado, deitar em seu colo e dormir. Além do mais era um filme polonês. Bete adora filmes europeus e cubanos. Eu me contento com uma fita policial no videocassete. Até pipoca eu como, não ligo. Ela insistiu. Falei para que fosse sozinha. Ela pegou a bolsa e se mandou. Eu a mandei para aquele lugar. Falei que ela era uma egoísta fdp, que não respeitava meu cansaço. Não quis saber. Foi embora. Apenas recomendou-me que deixasse a cópia da minha chave com o porteiro. Dormi. Acordei e Bete não tinha chegado. Entreguei as chaves para o seu Juca.

Liguei às duas da tarde. Ela me perguntou se podíamos tomar um café depois do expediente. “Aonde? – perguntei.” Deixou-me à vontade para escolher o lugar. Sete horas e eu a esperava no Café Tomorow. Pedi um expresso. Bete estava atrasada, mais uma vez. Seus atrasos me irritavam. Parecia fazer de propósito. Mas eu estava disposto a relevar. Afinal, tinha sido muito grosso. Um atraso a mais, um a menos, não iria fazer diferença. Tinha a impressão de que ela se atrasaria pelo resto da vida. Um garoto quis engraxar meus sapatos. “Não!” Ele insistiu. Duas, três, quatro vezes “Pra me ajudar, tio!” Ajudar o c... Dia desses um pivete igual a ele tentou roubar o relógio da Bete, na esquina da Rebouças com a Brasil. Sob o pretexto de vender chicletes, aproximou-se da janela do carro, sacou um canivete e agarrou-lhe o braço. Sorte estar passando um motoboy que deu um pontapé na bunda do moleque. Chamei o garçon e pedi para tirar aquele pequeno vagabundo dali. Minha relação com crianças nunca foi muito amistosa. Ainda mais sendo garotos de rua. Não bastassem meus sobrinhos infernizando minha vida, agora a cada esquina uma criança pedindo alguma coisa. Elisabete chegou. Seus olhos estavam vermelhos, parecia ter chorado. Deu-me um beijo leve no rosto e se sentou. Relatei o episódio do pequeno engraxate que me importunava há pouco. Ela nada comentou. Pedi para o garçon trazer café com leite – era o que sempre tomava. “Não. Puro. Hoje quero um café puro. Precisamos conversar.”

Quase respondi que sabia que ela queria conversar. Afinal, foi o que ela disse quando falamos pelo telefone. Mas preferi não provocar. Achei melhor ela conduzir nosso papo. De certo queria extravasar a mágoa que estava sentindo. Começou dizendo que emendaria o feriado de 25 de janeiro e que talvez fosse para a cidade da mãe. Esperei ela me convidar, mas parou por aí.

- Sei que não fui legal, Bete. Só queria descansar um pouco, e você foi meio intransigente.

- Tudo bem.

Tudo bem? Aquele tudo bem soou como um “e precisava ser um cavalo estúpido como foi?” Estranhei. Parecia que o motivo daquela tristeza sincera em seus olhos não era, como eu pensava no início, por causa da nossa discussão do final de semana. Bete fazia suspense e isso me incomodava ainda mais. Eu queria dizer para ela ir direto ao assunto, mas aquela sua revelação me deixou apreensivo e fez com que eu não tivesse coragem de incentivá-la a falar. O atrevido garoto engraxate voltou, só que dessa vez se dirigiu à Elisabete. Ameacei levantar e lhe dar um safanão. Porém, ela permitiu que o menino se aproximasse. Tirou de sua bolsa uma nota de cinco reais e deu para o vagabundo.

- Você está louca?

Deixei toda minha diplomacia de lado e desferi todo o meu repertório de palavrões para cima de Elisabete. Acusei-a de estar me provocando, porque ela sabia que eu detestava esse tipo de ajuda. Já não éramos voluntários num asilo de Santo Amaro? Que droga era aquela de estimular um pivete a ficar pedindo dinheiro na rua? Elisabete começou a chorar. As pessoas do café passaram a nos olhar. Abaixei a voz. Quase sussurrei ao seu ouvido para parar com aquela cena. Eu detesto chamar a atenção. Pedi encarecidamente que enxugasse as lágrimas. Ofereci-lhe outro café.

- O que está acontecendo, Bete?

Ela me olhou timidamente. Havia um sentimento de dor e ternura em seus olhos claros. Nunca a tinha visto daquele jeito. Outra vez me arrependi da minha grosseria. Mas que diabos estava acontecendo com aquela mulher? Tomei um largo gole de café. Naquele momento quis voltar a fumar. O cigarro, nessas horas, ajuda a conter a ansiedade.

- Estou esperando um filho, Edu.

Uma tempestade desabou sobre a minha cabeça. Em questão de segundos, todo o filme da minha vida passou pelos meus pensamentos. E um futuro complexo também se projetou na minha mente.

- É pra janeiro. Nosso filho nascerá em janeiro. Capricórnio, como você.


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