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Contos-->Carta ao florido Juvenal -- 27/11/2001 - 11:42 (Odir Ramos da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Carta ao florido Juvenal




Juvenal:

Disponho só do tempo destas mal-traçadas para decidir o cogitado e relutado desde meus anos de mocinha: viro ou não viro devota de Santo Antônio? O prazo é curto, já escuto a cantoria, não tarda a procissão dobra a Luís Barata, não suporto mais penar estes momentos finais de indecisão. Viro, não viro? Sou franca, vacilo.
Sofro na dúvida faz trinta e oito cartas - provo, guardei-as - e é padecimento impertinente, cada época se apresentando duma forma, sempre me consumindo. Mocinha, pelos quinze, penei de melancolia e dor de dentes; num dia de procissão, no instante da passagem pela minha porta, me roía tanta consumição, confesso, cheguei a rogar meu desenlace, ali, no portão e à vista de todos. Me vi feliz, morta que nem estrela de cinema americano, mal comparando.
Garanto-lhe não fosse demais reclamos do corpo - o primeiro, sangrando-me sagrando-me mulher - de horinha antes, dou fé, morria. Ao voltar dos meus aprontos, lá se iam os fiéis quebrando a Estrada do Monteiro, Santo Antônio passara, morrer, pra quê? Se recorda quando você me reencontrou, no ano seguinte, caçoando de mim: rolinha jururu, larga o ninho e vem mariscar. Entendi o bilhete.
Cresci, bordei, bordei, bordei, bordei, engordei.
Gemi de enxaqueca, não entreguei os pontos. Desaforo barganhar com santo, trocar fé por solidão. Se sempre me considerei meia hereje, então prossigo sendo. Se deixo de ser, se viro devota um dia, devo-lo-ei à fé, que ainda não me chegou, plena. Parece.
Como ia relatando, sofro. Ultimamente, duns calorões, dumas insônias, duns mal-dormires inquietos, capaz de dar o que falar se cai na boca dessas aí. Maldariam logo: não é fé coisíssima nenhuma. Falam mesmo. Linguarudas.
E é fé, talvez. O caso é minha cisma com o santo, achando-o debochado e senhor de si demais. Logo comigo que se não acendo vela, nem pratico promessa, tampouco abuso. Se lembra, Juvenal? A Luís Barata ainda não conhecia asfalto, as folhagens de mangueira cobriam o pé com tapete verde, nosso manto estendido para passagem do andor. Donde vinham as ramagens? Quê quintal cedia as palmas de coqueiro pros arranjos nas cercas (antes da luz, dos postes espetadinhos pro alto? ). Quem ofertava ? Nunca neguei, sempre compareci com o óbolo pras bandeirinhas e pros fogos.
Bato no peito: oferto com desinteresse, minha boca não profere pedidos mundanos a santo. Nenhuns.
Se sou ausente às novenas e trezenas e às festas do segundo domingo de junho se deve ao meu feitio, arredio.Não vou, nunca fui, nem pretendo. Possa ser defeito de formação, admito. Meu pai - Deus o guarde - detestava padraria e igrejeiros. Mas, opine, careço ir à festa, se respeito quem vai - e todo ano à meia-noite espreito pelo vidro quebrado da janela da cozinha os foguetes subirem, numa chiadeira satisfeita em levar a festa pros altos? Enxergo perfeitamente à esquerda da mangueira (é dali que permito podar os galhos pra procissão. De noite, aproveito a visão descampada. E eu sou boba?). Acaba o foguetório, explode o petardo da bomba, estremecendo o Campo Grande. É o anúncio de que o melhor da festa está próximo, sei a sequência: vêm os sinos, badalam, badalam, badalam, quem é de reza, se concentra e puxa o terço. Estronda o maior petardo. É hora dos artifícios no chão, apresentando a lindeza das três estampas dos santos amigos de pólvora: São Pedro, São João e, por último, a Dele, o capricho do retrato iluminado pela girândola, girando, girando, girando, sem queimar, garboso, escritinho você, Juvenal. Ouço as palmas, e soluço.
Que é fé se não sofrida contenção dos próprios arroubos? Arrepio-me.
Quer mais respeito? Apenas, não vou lá, fico em casa. Me conservo. Detesto aproximação com pirotecnia e outras espécies de fogo (cruzes).
Por tudo isso, me diga, Juvenal, é justa a desconsideração ? Mereço Santo Antônio me negar cumprimento e passarem, você e ele, emproados e senhores de sis, você soprando o saxofone tenor, sibemol, galasso; ele, no alto do andor, os olhinhos brilhando de deboche? Vocês se julgam quem, Juvenal ? Ih... tenho que me apressar, me decidir, evem o andor, me arrepio com o Queremos Deus é nosso Rei, este hino mexe com meus nervos, vou pôr esta carta debaixo dos Seus pés, Juvenal - este ano você evem lindo enfeitado de sempre-vivas, de farda nova, deixou crescer o bigode - acabo me decidindo ser Sua devota... sempre sua, sempre sua. Desinteressada, ressalvo.
Você sabe quem.

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