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Cronicas-->Nome trocado -- 29/09/2022 - 16:31 (AROLDO A MEDEIROS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Nome trocado

 
Aroldo Arão de Medeiros 


      Ele nasceu e lhe deram um nome que condizia com a aparência e as atitudes. Lindomar Tranquili era um rapaz de olhos verdes, não um verde aguado: duas esmeraldas brilhavam na face. A pele morena era da cor de um jambo bem maduro. Possuía um jeito sereno de conversar, colocando as opiniões de modo claro e convincente. 
     Na infância, jamais brigou com qualquer garoto. Sempre tirava boas notas, sempre entre os três melhores alunos da classe. As roupas impecavelmente limpas: dava gosto vê-las, ou melhor, admirá-las. Paquerava as meninas, que se derretiam e brigavam na disputa por olhares mais “calientes”. 
     O tempo foi passando e o belo menino foi se tornando homem. Os olhos perderam o brilho, tornaram-se tristes. A tez adquiriu uma cor mais escura, sombria. 
     Explicações para tais mudanças aparecem aos borbotões.  

     Tentaremos colocar a que mais se aproxima da realidade. Os olhos passaram a ser tristes desde o dia que perdeu a mãe e o pai foi tangido a ficar acamado, vitimado por um câncer que o prostrou por dois longos anos. Eram as pessoas que mais amava, eram ancoradouros que suportavam quaisquer problemas. 
     A coloração de sua pele deve-se ao trabalho, executado ao ar livre, suportando raios solares que lhe queimavam a epiderme antes aveludada. Com as mudanças no corpo vieram também alterações de comportamentos visíveis a olhos verdes, castanhos, azuis ou pretos, todos nus. 
     O defeito, pelo menos para as pessoas que se consideravam normais, era a sua predisposição para falar em morte. Em uma viagem de oitocentos quilômetros, pelo menos vinte vezes repetia essa palavra ou variante dela. 
     Parecia que não eram somente palavras colocadas a esmo, mas sim uma vontade íntima de que acontecesse um acidente com alguém, desde que não fosse ele. 
     Certa vez, reunido à beira da rodovia com alguns funcionários da empresa onde trabalhava, percebeu um pedaço de pneu de caminhão sobre o asfalto. Não contou tempo e começou um monólogo pessimista e merecedor de registro. 
     - Aquele pneu pode causar um acidente. Um carro pode passar e a velocidade não permitir que ele desvie. 
     Vendo que os peões continuavam sentados sem a menor intenção de se levantar para retirar a borracha, continuou. 
     - É, pode ser que passe um caminhão cheio de cimento, tombe, e toda a carga se espalhe na estrada e o motorista fique preso entre as ferragens. 
     Não foi dessa vez que convenceu os homens cansados e suados da labuta, e nem percebeu os sorrisos contidos de sarcasmo e incredulidade diante do que ouviam. 
     - Já pensaram se passa um ônibus? E se esse monstro de lata virar? Para piorar, se for um ônibus escolar e esteja apinhado de crianças na maior algazarra. Depois não venham me dizer que não avisei que poderemos presenciar anjos espalhados pelo chão. Alguns chorando, outros com os corpos rebentados inertes sobre o asfalto quente. 
     Ao sentir que nem assim convencera os subalternos, dirigiu-se até a pista, com o máximo cuidado e retirou o material feito do látex assassino, jogando-o no mato. 
     Como nem tudo é trabalho, Lindomar, que também é filho de Deus, tinha direito às férias. Nesses dias pegava a mulher, as tralhas e dirigia-se à casa de praia. Os apetrechos que carregava eram badulaques para consertar uma cerca, limpar o piso, ou outros afazeres. O último lugar que metia os pés era nas águas do mar. Comprou aquela casa a pedido da patroa, como gostava de chamar a que fora escolhida para lhe acompanhar por toda a vida. O que mais ajudou na escolha do local, foi o fato de alguns amigos terem casas na mesma rua e ele poder se preocupar menos com segurança. Como nem tudo são flores, mesmo numa freguesia pacata em que todos se conhecem, o inesperado aconteceu. 
     A casa de seu melhor amigo foi assaltada. A residência vazia foi um prato cheio para os bandidos fazerem o que quisessem. Além de levar televisão, talheres e aparelho de som, os malfeitores sujaram os aposentos e beberam a metade de seu melhor uísque e um vinho que ele guardava para abrir na passagem de ano. 
     Lindomar tomou uma atitude, e não um vinho. Comprou uma garrafa da mesma marca, colocou na mesa de centro da sala. Não sem antes inserir, com uma seringa de injeção, estricnina. A sua teoria era de que o bandido iria voltar, escolher sua casa e dar com os burros n’água. Ficou com aquela garrafa mais de um mês exposta. Depois da decepção, abriu-a e escorreu todo o líquido mortífero sobre a grama até então verdejante. 
     Quando não estava na praia, ficava no apartamento, no segundo andar de um prédio situado numa avenida movimentada. Os moradores do edifício costumavam deixar as janelas abertas para se refrescarem sem gastar energia extra com ventilador e condicionador de ar. Azar deles. Um maléfico fez um trabalho digno de Homem-Aranha. Subiu até o terceiro andar, roubou alguns dólares e joias de uma coroa. Só que o cara não se contentou e, ao passar pelo andar do Lindomar, levou uma blusa de seu filho. A mente maligna de Lindomar fez com que ele pegasse um fio, colocasse na tomada e o desencapasse sobre a mureta da varanda. A explicação era de que se o jaguara não morresse eletrocutado, morreria ao cair no chão. Ou como ele dizia, poderia ter sorte e o bandido morrer duas vezes. 
     A esposa ficou uma semana sem dormir com medo de ter um bandido morto ou seu próprio filho que, mesmo avisado, por descuido poderia colocar a mão no fio. 
     Com tanta mudança de comportamento na vida de Lindomar Tranquili o nome já não condizia com a pessoa. O escrivão se soubesse da trajetória que estava reservada àquele rebento de olhos verdes, certamente mudaria na hora o seu nome, sem titubear, para Benvindo Boamorte.

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