Não deis aos cães coisas sagradas, nem lanceis pérolas aos porcos, para não acontecer que após pisá-las, voltem-se contra vós. (Palavras de Jesus em Mat. 7,6)
Somos tentados constantemente a dar conselhos e expor aos outros alguma opinião ou ponto de vista que temos como de grande utilidade, porém não raro vimo-nos frustrados ao não sermos ouvidos, quando não até criticados ou ironizados, justamente por aqueles a quem queríamos ajudar.
Se não comportarmos como muitos de nossos interlocutores, talvez não mereçamos ser chamados de cães ou porcos, mas certamente é preciso ser mais que humanos para nos calarmos e, em silêncio, deixarmos cada um com sua verdade.
Assim sendo, não gastemos mais salivas, esqueçamos cães e porcos e passemos a ouvir o que os anfíbios têm a nos dizer, nas palavras de HUBERTO ROHDEN, escritor brasileiro já falecido, em texto extraído de seu Livro intitulado De Alma para Alma.
DOIS SAPOS
"Vivia um sapo – no fundo dum poço.
Lá nascera, lá vivera, de lá nunca saíra – e lá esperava morrer.
O seu horizonte era de um metro e meio de largura – o diâmetro do poço.
A profundidade de sua vida era de três palmos – como as águas do poço.
Para além da borda do poço – nada mais existia para ele...
Certo dia, tombou no fundo do poço – um sapo de outras regiões...
Vinha de longe, de muito longe – das praias do mar...
Com secreto rancor, viu o primeiro invadido pelo segundo o seu espaço vital.
Mas como o segundo era mais forte, resolveu o primeiro não o guerrear – e limitar-se à defesa passiva.
Depois de três dias de silêncio recíproco, travou-se entre os dois batráquios o diálogo seguinte:
- Donde vens tu, estranho invasor?
- Das praias do mar, ignoto ermitão.
- Que coisa é o mar?
- O mar?... O mar é uma grande planície d’água.
- Tão grande como esta pedra em que pousam minhas pernas gentis?
- Muito maior.
- Tão grande como esta água que reflete o meu corpo esbelto?
- Maior, muitíssimo maior.
- Tão grande como este poço, minha casa?
- Mil vezes maior. Milhares de poços destes caberiam no mar que eu vi. O mar é tão grande que sempre começa lá onde acaba. É tão grande que todo o céu cabe nele, e ainda sobra mar. Todos os sapos do mundo, pulando a vida inteira, não chegariam ao outro lado – tão grande é o mar à cuja margem nasci e vivi.
- Safa-te daqui, mentiroso! – exclamou o batráquio do poço. – Coisa maior que este poço não pode haver! Mais água que esta água é mentira!...
* * *
Desde então viviam os dois em pé de guerra, no fundo do poço.
Não diz a história se algum deles, super-sapo, venceu nessa luta feroz...
Nem diz se um deles, batráquio genial, convenceu o outro da verdade das suas idéias...
Consta apenas que, desde esse tempo, vivem no mundo seres que só crêem em si mesmos...
Seres que sabem tudo o que os outros ignoram...
Seres que tacham de loucos os que afirmam o que eles não compreendem...
Seres de tão vasto saber que consideram desdouro aprender...
Não fales, meu amigo (minha amiga) em mares – a quem mares não viu!
Deixa viver no poço – quem no poço nasceu!
Horizonte de metro e meio, água de três palmos de fundo, pedra de meio palmo – que mais quer o batráquio dum poço?