Usina de Letras
Usina de Letras
13 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10388)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->A IRA DE THOMÉ MANSUETO -- 28/11/2001 - 20:50 (JEFFERSON PEIXOTO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O VELHO THOMÉ MANSUETO ERA muito, mas muito malquisto por toda a vizinhança, na verdade muitos chegavam à odiá-lo. Não que o velho sexagenário tivesse sido autor de alguma malfeitoria imperdoável, o fato é que ele era um sujeito muito antipático e ranzinza, um indivíduo anti-social, que reclamava de tudo e de todos. Malfazejo talvez não fosse, mas que era insuportável, isso era. Mal-encarado, “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite” eram expressões que não faziam parte do seu vocabulário, e “por favor”, essa é que lhe era totalmente estranha. Não se sabia qual era o seu real problema, as maledicências buscavam um diagnóstico, que sempre partia sem muito fundamento, indo da religião, à química, à psicologia, à astrologia... mas não se sabia qual, de fato, era o seu problema, o que motivava tanta rudez.
Mansueto descarregava um pouco — mas só mesmo um pouco — de sua energia negativa, sobre uma sucateada bicicleta. Pedalava aparentemente sem direção, ia à praça, depois circulava pelo mercado, passava várias vezes pelas mesmas ruas, como um cão que persegue o próprio rabo. Esse passeio ciclístico era iniciado logo bem cedo da manhã e só finalizado próximo à hora do almoço, quando se enclausurava em sua casa para só sair no fim da tarde, com sua antiga cadeira de balanço, acompanhado de sua esposa — a quem se encaixa o mesmo adjetivo que dá uma idéia cronológica de sua cadeira — e sentar na calçada para apreciar, mais para depreciar, o movimento na rua.
Sua esposa destoava a sua personalidade, Maria Laurinda, uma dócil senhora, simpática e benquista por todos. Solidária, tranqüila e generosa, compartilhava sempre suas delícias culinárias com os vizinhos. Laurinda era daquelas que são capaz de se esticar de uma margem a outra de um rio, fazendo-se de ponte, só para que as pessoas não se molhem ao passar ¾ exagerado o exemplo para descrever a personalidade da ilustre senhora ¾, bem diferente do rude cônjuge, que certamente passaria por este mesmo rio e derrubaria a ponte, só para que ninguém mais passasse. Todos se questionavam como tão boa senhora poderia viver ao lado de um sujeito tão asqueroso.
Mas foi em uma sexta-feira, que toda a antipatia das pessoas sobre o velho Mansueto tornou-se ainda mais justificável e explícita. Acordou cedo, trivialmente, mas neste dia abdicou de seu desorientado passeio ciclístico e saiu a pé mesmo, andou só um pouco, um único quarteirão, até chegar ao botequim do Prudente, que era “de Moraes”, assim como o primeiro presidente civil da república no Brasil, no ano de 1884 e que... Deixando de lado nossa história política, mal Prudente levantou as portas de seu estabelecimento e o senhor ranzinza já estava lá, sedento por uma boa dose de aguardente. O dono de botequim estranhou sua presença, afinal Mansueto nunca fôra de beber, no seu bar nunca havia dado o ar da graça, pelo menos não constava esse detalhe nas maledicências, aquele era um fato novo.
O mais recente cliente do xará de presidente da república passou a manhã inteira no botequim, sentado em um banquinho de madeira na ponta do balcão, acompanhado de uma garrafa de aguardente e um pratinho com rodelas de caju para amenizar o forte gosto daquela bebida, normalmente não se servia tal fruta ali, os “cachaceiros” tinham que se contentar com reles limões, mas como Thomé Mansueto era uma novidade, Prudente tratou de providenciar os cajus. Lá pelas dez horas, tendo bebido já quase meia garrafa, começou falar alto. Às dez e meia a bater no balcão. Às onze suas palavras pareciam ser provenientes de um novo idioma, como sendo uma mistura de russo e árabe ainda sendo falado de boca cheia. Às onze e meia se debruçou no balcão completamente bêbado.
— Senhor Mansueto, é hora de acordar! Vou fechar para o almoço. — falou o comerciante sacolejando o velho ébrio.
Depois das “sutis” sacolejadas do dono do estabelecimento, Thomé saiu em direção a sua casa — não sem antes ofender Prudente de Moraes — cambaleando sob aquele sol escaldante do meio-dia, cerrando os punhos e estranhamente esbravejando: “Eu vou matá-la, hoje ela morre, eu vou matar!”
Chegou e violentamente foi logo esmurrando a porta exigindo que ela fosse rapidamente aberta. Não se sabe por qual motivo, mas Maria Laurinda demorou a abri-la, o que deixou o marido irritadíssimo, seus seguidos socos contra a madeira foram chamando a atenção dos vizinhos, que aos poucos iam se apresentando nas calçadas, “aborrecendo o velho aborrecido” ainda mais. — percebam o tamanho de seu aborrecimento.
— O que vocês estão olhando, por acaso não tem o que fazer? Vão cuidar da vida de vocês! — Mansueto partia contra os espectadores. Soluçando em meio ao sotaque estranho, fruto da embriaguez.
Maria Laurinda enfim abriu a porta e ele entrou rápido, a dócil senhora ao perceber a presença das pessoas nas calçadas, simpaticamente deu-se ao trabalho de ainda justificar a grosseria do cônjuge:
— Desculpem o Thomé, parece que ele está bêbado. Desculpem-me também... — pobre Laurinda.
Logo que o casal se fechou em sua casa, os vizinhos retornaram para as suas também, a maioria de volta à mesa para finalizar o abençoado almoço. Mas muitos sequer tiveram o sossego de sentar e tocar o prato, uma gritaria vindo da casa de Thomé Mansueto fez com que todos voltassem às calçadas.
— Eu vou te matar sua desgraçada! Cansei de você, hoje você morre, hoje você morre! — esbravejava o velho enfurecido, deixando os espectadores — já às portas de sua casa — aflitos. Preocuparam-se, ora, se naquele lar só moravam duas pessoas, Maria Laurinda e o marido, então Thomé Mansueto só poderia estar a um passo de tirar a vida da própria esposa. Pobre Laurinda, tão inofensiva, nas garras daquele monstro enfurecido. Os espectadores foram se aglomerando, cada vez mais gente, colocavam os ouvidos à porta e assustavam-se ao ouvirem o som de móveis sendo arrastados, de vidro se espatifando pelo chão e as ameaças que o velho anunciava colérico. Pobre Laurinda, nem se ouvia sua voz, nem um único grito de socorro, morreria pelas mãos daquele velho asqueroso certamente sem esboçar nenhuma reação.
“Vamos chamar a polícia!”, gritavam as mulheres angustiadas, compartilhando em seus íntimos a dor da fragilidade feminina nesses casos. Mas os homens não quiseram esperar a chegada dos policiais, quando surgissem com suas sirenes barulhentas a pobre mulher já estaria morta. Uniram suas forças, uns cinco ou seis mais ousados, e se propuseram a arrombar a porta, deram com os ombros, três golpes foram suficientes para colocá-la abaixo. Invadiram a casa munidos de um espírito heróico. Olhares rápidos e circulares vasculharam todos os compartimentos, até chegarem à cozinha, onde avistaram a sombria silhueta de Thomé Mansueto com um objeto na mão, que empunhava como uma arma. Os corajosos — e heróicos — homens habilmente trataram de desarmar o velho ameaçador. O agarraram, um pelo pescoço, outros nos braços, houve um que ousou agarrá-lo pelas pernas — chega ser intrigante se toda aquela força era realmente necessária para imobilizar um velho sexagenário e ainda bêbado.
— O que é isso? Me larguem seus idiotas! O que estão fazendo na minha casa? — Mansueto repudiava a ação dos invasores.
Toda aquela balbúrdia atraiu a atenção de Maria Laurinda, que repousava em seu quarto. Surgiu trêmula na cozinha e assustou-se a ver o marido sendo seguro por vários homens.
— O que está acontecendo aqui? Soltem o meu marido agora!
Analisaram a dócil senhora, “Velha ingrata!” ¾ houve quem murmurasse ¾, e perceberam que nada havia acontecido com ela.
— A senhora está bem, Dona Laurinda? — preocupou-se um dos homens. Heróico homem.
Ela então atestou que estava bem, exigindo em seguida uma explicação para aquela invasão à sua casa. Logo teve tal explicação. Disseram ter arrombado a porta por terem ouvido ela ser ameaçada de morte pelo marido e entraram na boa intenção de salvá-la. Laurinda deu uma larga gargalhada, os homens então soltaram o velho que há pouco tempo haviam acabado de desarmar. Um chinelo! Sua tão ameaçadora arma que empunhava, nada mais era que um chinelo, um simples chinelo de couro, sem calibre, balas ou lâmina. Thomé Mansueto foi imediatamente tratando de expulsar todos de sua casa — com sua trivial grosseria — lembrando-os quanto ao prejuízo da porta. Maria Laurinda acompanhou os heróis equivocados, explicando-lhes o motivo da ira de Thomé Mansueto... Ele há muito tempo travava uma batalha psicológica com uma simples lagartixa, que se alojava atrás do armário da cozinha, ele temia aos extremos o pequeno e inofensivo réptil, mas não admitia isso de forma alguma. Entrar na cozinha para ele era uma verdadeira tortura. Era apavorante para ele a idéia do bicho se reproduzir, talvez isso até já tivese acontecido e nem se dera conta, sua guerra fria já poderia estar sendo travada com uma nova geração da lagartixa. Naquela manhã então havia decidido que colocaria um fim em sua angustiante situação, por isso foi ao bar e bebeu toda aquela aguardente, para tomar coragem e enfrentar sua maior inimiga. Estava decidido a matá-la naquela sexta-feira e até teria conseguido, não fosse a intromissão dos vizinhos, que acabaram adiando a mortal batalha entre Thomé Mansueto e o pequeno réptil.






Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui