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Contos-->Sonho de Pedra - Parte 3 -- 29/11/2001 - 18:38 (ANGEL DRAVEN) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

SONHO DE PEDRA - Parte III

A primeira sensação

‘Não existe propriamente História:
apenas biografia.’
(Ralph W. Emerson)

Lembro-me muito bem quando tudo começou. É como se tivesse sido hoje. A primeira vez que tive a estranha sensação da ‘perfeita lembrança’.
Costumo tirar férias todos os anos. Algumas mais longas e outras curtas, mas sempre com minha esposa. Em maio de 1995 resolvi fazer um ‘fly and drive’ pela costa oeste dos Estados Unidos com um casal de amigos. Era uma programação excitante, com praticamente um dia em cada cidade, passando por 7 estados do oeste americano e conhecendo mais de 25 das principais cidades e pontos turísticos. Começamos a viagem de férias em Los Angeles, rumo a Las Vegas em Nevada. No caminho, atravessando parte do deserto de Mojave, uma primeira sensação de familiaridade me ocorreu. Lembro que não dei muita atenção, afinal, já havia visto aquelas paisagens em inúmeros filmes. Alguns dias depois, atravessamos a represa de Hoover Dam em direção ao Arizona. Numa manhã de muito frio, chegamos ao alto do Grand Canyon, que realmente faz justiça ao nome. Formações que se perdem no horizonte e vistas que beiram o infinito.
Novamente a sensação de ‘déjà vu’, só que mais intensa, a ponto de me incomodar por alguns instantes. Mais uma vez, o racional me dizia que eram lembranças da TV, cinema ou das inúmeras estórias em quadrinhos ou livros de faroeste que li.
No dia seguinte, seguimos pela 89 atravessando a reserva dos indios Navajo em direção a alguns parques que o guia descrevia e resolvemos pernoitar numa cidade chamada Page.
No hotel que ficamos, descobrimos que em Page havia um grande lago artificial , fruto da famosa Glen Canyon Dan, uma das inúmeras centrais elétricas para fornecimento de energia para o estado. Resolvemos ficar um dia a mais e fazer um passeio de barco pelos canais inundados formados pelos vários canyons.
A manhã seguinte, ensolarada, contrastava com o frio do dia anterior, excelente para o passeio de barco até uma curiosa formação rochosa chamada “Rainbow Bridge ” devido ao gigantesco formato de arco.
O barco seguia por entre os labirintos formados pelo que um dia foi um outro ‘grande canyon’. Após mais de uma hora aportamos na entrada de um pequeno vale que dava acesso ao ponto turístico, após uma breve caminhada. Estava descontraído, pois o barulho suave do barco nas águas da represa trouxe-me grande paz e uma sensação de serenidade.
Caminhava sorrindo por entre as rochas na trilha de levava a ‘ponte de pedra’. E após uma curva ela repentinamente ficava totalmente visível.
Senti um choque, como um estalo. Meu coração disparou e os pêlos do corpo se arrepiaram. Comecei a suar e imaginar estar tendo algum tipo de ataque. Os arrepios se tornavam intensos a medida que fixava o olhar na formação rochosa. A sensação, embora sem sentido e confusa, foi muito forte. O racional apenas me dizia: você não está se sentindo bem! Confuso, não comentei nada com ninguém.
Só me acalmei quando o batimento cardíaco diminuiu um pouco e notei que minha garganta estava totalmente seca. Parei de olhar para a rocha ao fundo do vale e me sentei para esperar os demais. Lembro que alguém comentou se eu estava me sentindo bem, pois estava branco.
— Acho que foi muito sol e vento. – comentei – Ainda tem água?
Tomei um gole e criei coragem para chegar próximo da formação. A sensação ainda vinha e voltava, mas já conseguia controlar o medo. Fui me aproximado da rocha avermelhada em formato de uma ponte ou arco-íris. Era gigantesca e imponente.
Foi quando, num distraído gesto de me encostar para descansar que, com a mão direita, toquei uma das bases da rocha.
A sensação foi imediata. Não chocante como a primeira, mas suave, como lembrando das cenas de um filme que tivesse assistido alguns dias antes. Imagens, sons, aromas, cenas e sentimentos desfilaram por minha mente como recordações de um dia anterior, como de um mês ou ano antes. Como num trailler de filme. Desconexas, mas vivas.
Via aquelas paisagens áridas, aquela ‘ponte de pedra’, outras pessoas.
Era índios, todos e somente índios. Falavam em sua língua, mas eu compreendia o significado do que estava sendo dito. Estavam contentes, celebravam, riam. Havia homens, mulheres e crianças. E éramos todos índios.
Num ímpeto de reflexo, retirei a mão da rocha. E as imagens e sons cessaram, como se desligassem um vídeo. Mas as lembranças das cenas assistidas permaneceram.
Tentei me lembrar que filme era esse ou onde tinha lido alguma estória similar. De onde lembrava dessas cenas? Não encontrei nenhuma referência.
Como um novo brinquedo, curioso, toquei novamente a rocha vermelha, desta vez com as duas mãos. Lentamente as imagens foram voltando, agora mais nítidas, os sons mais altos e intelegíveis, e os aromas mais pronunciados. Fiquei saboreando, totalmente absorto, por minutos.
Fui tirado deste ‘transe’ pela voz do guia dizendo que estava na hora de voltarmos. Tirei as mãos da parede rochosa e balancei a cabeça, como que para ‘voltar’ ao controle da situação. Estava maravilhado. Lembrei que não havia batido nenhuma foto e precisava registrar essa rocha. Corri pelas trilhas batendo fotos e mais fotos, praticamente um filme inteiro. O grupo já se afastava quando minha esposa gritou meu nome me chamando. Fiz um sinal de que já ia e corri para o ponto onde havia tocado a rocha.
Coloquei minhas duas mãos mais uma última vez em contato com aquele Monumento atemporal criado pela natureza e me deliciei novamente com algumas cenas, por vezes repetidas, mas fantásticas. Não queria mais me ‘desgrudar’ do meu achado. Repentinamente uma idéia me ocorreu. Será que um pedaço, um fragmento, uma pedrinha... de forma que a levasse comigo! Funcionaria?
Procurei uma que me agradasse e a peguei. Para intensificar o ‘efeito’ a fechei entre as duas mãos e cerrei também os olhos.
Nada ocorreu, para minha frustração. Escolhi outra... e outra... e também nada.
Agora era a guia que me chamava, pois todos me esperavam...
Desespero! Queria levar aquela sensação comigo. Continuei escolhendo outra e outra pedra, cada vez maior, mas nada.
Toquei novamente a rocha, então.
E para meu espanto e total frustração... nada senti desta vez. Tocava novamente, e tirava as mãos, fechava os olhos, abria e voltava a tocar. Mas nada aconteceu.
A guia berrou novamente e resolvi correr em sua direção. Frustrado, confuso e desanimado. Cheguei de volta no barco com algumas lágrimas nos olhos.
— O que aconteceu? O que você tem?
— Nada! É o vento... na verdade, foi a rocha...
Minha esposa deu de ombros, sem entender nada. Eu sentei-me num canto, abraçado a mochila, desconsolado. Pensativo. Que foi tudo aquilo? As lembranças permaneciam comigo, as cenas. Mas a ‘mágica’ tinha acabado. Tão misteriosamente como começou, terminou. Somente restaram as lembranças, como num filme assistido...
Mais a diante, me dei conta que tinha trazido uma das pedrinhas. A primeira que tinha escolhido e pego. Atribuí a ela o culpa de ter estragado aquele fenômeno. Fiz menção de atirá-la na represa. Mas contive o gesto na última hora e a guardei no bolso.
Realmente, não entendi nada. Confuso e envergonhado, nada comentei com ninguém. Somente eu e a pedra sabíamos do que tinha ocorrido, durante aqueles instantes, na “Rainbow Bridge” do Glen Canyon, as margens do Lake Powell no Arizona.

(continua...)

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