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Artigos-->MEIO POETA -- 15/02/2004 - 01:33 (Don Cuervo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






MEIO POETA




No dia em que Mônica e Otávio voltaram da lua-de-mel, Mônica chegou na casa dos pais e se trancou no quarto com a mãe. Precisava contar uma coisa e não queria que o pai ouvisse.

- O Otávio é poeta, mamãe.

A mãe levou as mãos à boca.

- Minha Virgem Santíssima!

Depois perguntou:

- Como você descobriu?

- Na primeira noite. A lua estava cheia. Ele fez umas frases sobre a luz da lua no meu corpo.

- Mas você tem certeza que era poesia? Rimava?

- Não rimava, mas era poesia. Ele mesmo disse, mamãe! Eu perguntei "O que é isso?" e ele respondeu "Eu sou meio poeta".

- Bem que seu pai desconfiou...

- Você acha que devemos contar ao papai?

- É claro. E agora.

O pai disse "Eu sabia" e determinou que chamassem Otávio para se explicar. Mônica disse que Otávio ficara de buscá-la ali depois do trabalho. Os três esperaram a chegada de Otávio. A mãe, temendo algum excesso do pai, tentou amenizar a situação:

- Ele disse que é só "meio" poeta...

O pai não disse nada. Quando soou a campainha da porta, mandou que a filha fosse para o quarto. Otávio cumprimentou os sogros efusivamente - era a primeira vez que os via depois da festa do casamento - , mas logo percebeu a frieza deles.

- O que foi? - perguntou.

- Você não nos contou que era poeta - disse o pai.

- Mas eu não...

- Não adianta negar. A Mônica nos contou. Você pensou que ela não nos contaria?

- Mas foi só um...

- Sei. Um poeminha. É assim que começa. Um versinho hoje, um versinho amanhã. Não demora você estará fazendo poemas épicos, odes a qualquer coisa, diariamente. Já vi acontecer. Acabará abandonando o emprego, roubando a mesada da minha filha, para sustentar o hábito.

- Mas eu...

- Você vai dizer que pode parar quando quiser. É o que todos dizem.

- Meu filho - interveio a mãe, aflita -, você não se dá conta do mal que a poesia pode fazer? Há quanto tempo você...

- Não interessa - interrompeu o pai - O que ele fez antes não nos interessa. Mas agora está casado. Tem responsabilidades, tem que trabalhar para manter a família. Está num ramo competitivo, não pode facilitar. Eu sei, eu sei. A poesia é tentadora. Eu mesmo, na mocidade, fiz meus sonetos...

- Eurico!

- Nunca lhe contei isto, Marta, mas fiz. Felizmente tive um pai que me orientou e parei a tempo. A Mônica foi criada sem qualquer poesia. Qualquer sugestão de métrica, nós reprimíamos. E sempre a alertamos contra os poetas.

- Será - sugeriu a mãe - que não existe um programa de reabilitação? Alguém com quem você possa se aconselhar... Mais uma vez o pai a interrompeu.

- A decisão tem que ser sua, Otávio. E tem que ser agora. Você compreende que não podemos deixar a Mônica sair desta casa, onde sempre teve toda a segurança, para viver com um poeta. Não nos dias de hoje. Faça a sua escolha. A Mônica, uma família, uma vida normal... ou a poesia.

Otávio jurou que abandonaria a poesia para sempre, a Mônica foi chamada, os dois foram para o apartamento novo, Mônica um pouco desconfiada. Otávio ouvindo a advertência, na saída: "Olhe lá, hein?"

Hoje, sempre que fala com Mônica pelo telefone, a mãe pergunta:

- E o Otávio?

- Está bem, mamãe.

- Nunca mais...

- Nunca.

Às vezes, quando a família está toda reunida, Otávio diz umas coisas que provocam troca de olhares entre os outros e a suspeita de uma recaída. Depois a Mônica assegura que aquilo não é poesia, é só o jeito dele. Mas seu Eurico e dona Marta vivem preocupados com a filha. Nas noites de lua cheia, então, dona Marta nem consegue dormir direito.



Luís Fernando Veríssimo

Jornal do Brasil, 25/04/93

















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