Eu peguei o alicate e o cortador de unhas. Sorvi mais um gole de cerveja que apanhei da geladeira; o cigarro esperneava sua fumaça no silêncio da sala cheia de livros de meu apartamentozinho. Volta e meia ouvia um grito surdo, como uma mulher abafando o choro num travesseiro e um cachorro preso uivava ao céu baldio e surdo.
Eu olhei as horas: Quatro horas da manhã, hora de dormir depois de longa jornada insônia a dentro. Não adianta, as têmporas pulsam como sinos de uma igreja sem padre e sem missa. Eu permaneço impunemente acordado, vigiando, porque sei que se dormir, qualquer hora, eles me sonham ao contrário e serão eles os insones da vez, eu sei. Se eu permanecer acordado, mesmo aturdido e esfumaçado, eu posso dar uma fagulha de esperança ao todo e às partes. Não é fácil acordar aqui, nesta lentidão de mar de óleo, nesta piscina de poucos amigos, de peixes desencontrados e caolhos; a escuridão abissal me espreita e a todos, eu sei disso, por isso permaneço fiel ao gênero e espécie humanos. Pensem comigo, aonde vocês vão quando dormem? Tem algum controle? Não têm, e todavia dormem.
Eu prefiro ficar de olhos esbugalhados, vendo a crosta passar, ouvindo os tais ruídos inaudíveis da sismografia e pensando no absurdo que é flutuar numa casquinha de pedra cercada de magma de todos os lados.
Vocês entendem: Ou não?
Daí me forço aqui a deblaterar com meus demônios eternos, intestinos, sombrios, safados e industriosos. Eu me forço a acordar enquanto vocês todos roncam, dormem, babam, remexem, fazem malabares e se executam sumariamente ao jantar. Eu apenas sei o que espero ao dormir, vocês sabem. Daí, olho vivo!
Levo o cortador de unha ao dedão do pé, sempre um drama desde pequenino, cortar o apêndice doloroso que teima em ser grosso e corto fora--a unha-- enquanto a boca está mais afeita à nicotina e aos venenos industrializados. Viram como eu sei de tudo?
Nunca serei Deus, como queiram, mas jamais serei barata como querem.