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Artigos-->A morte do dentista negro e o racismo dissimulado no Brasil -- 16/02/2004 - 00:55 (Rogério Beier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


É tragicamente curioso perceber quão manipulada é a reação de nossa sociedade diante de situações semelhantes.



Há uns dois meses atrás, a sociedade inteira se chocou com um crime bárbaro, ocorrido nas cercanias da cidade de São Paulo, que vitimou dois jovens que tinham ido acampar em um sítio abandonado. A repercussão do caso foi enorme e longamente explorado por toda a mídia. Durante algumas semanas foi comum ver os pais das vítimas, principalmente o da menina, dando entrevistas em todos os canais e aparecendo em programas de auditório encampando campanhas para mudança da legislação penal brasileira. Basicamente encampava duas mudanças: uma pela diminuição da maioridade penal e outra a favor da pena de morte. Todos os telejornais, especialmente os mais sensacionalistas, abordaram o tema e instilavam no povo um desejo enorme de vingança, pedindo realmente a revisão do código penal brasileiro. Membros de comunidades religiosas davam suas opiniões sobre o tema e houve aqueles que, mesmo contra sua própria religião, apoiavam a pena de morte para os culpados desse bárbaro crime. Uma passeata foi organizada, com apoio e divulgação de alguns programas de TV, onde os manifestantes clamavam por justiça e reivindicavam a revisão de nossa legislação penal. Crimes hediondos como esse deveriam ser punidos com a morte, não havia dúvida.



Pois bem, esta semana, um jovem recém formado da faculdade de odontologia, também foi brutalmente assassinado quando voltava para sua casa após deixar sua namorada no aeroporto de São Paulo. Ele dirigia seu carro no momento em que foi abordado por 5 policiais que, ali, naquele exato momento, fizeram o papel do judiciário e fizeram um julgamento sumário, dando ao rapaz o veredicto de culpado sentenciando-o com a morte. Na rua mesmo executaram o rapaz que sequer teve a chance de se defender. Prontamente os policiais tentaram incrimina-lo, dizendo que estava armado e que tinha reagido à voz de prisão. Mas a estória não colou. Depois contaram outra versão, a de que haviam confundido o rapaz com um assaltante que estavam perseguindo por um delito que havia cometido nas cercanias. Que triste o fim do rapaz, ser confundido com um assaltante apenas pela cor de sua pele.



Esse último caso também ganhou a mídia, mas com outra conotação e a mídia assumindo uma postura totalmente diferente. Pede-se a averiguação dos fatos e a punição dos culpados. Não se vê, em momento algum, alguém clamando por vingança. Não se vê uma só pessoa pedindo a morte sumária dos culpados desse hediondo crime. Os apresentadores de telejornais sensacionalistas não gritam e babam movendo os ânimos da população contra os criminosos e justificando a pena de morte. Os pais do jovem rapaz não mobilizaram apresentadoras de TV, rabinos, padres ou pastores a fim de pressionar a sociedade e os políticos pedindo a vingança dos algozes de seus filhos. Em suma, a população não saiu em marcha pedindo pela justiça do rapaz assassinado e os políticos não se sentiram pressionados a mudar uma só vírgula do código penal.



Comparando esses dois casos, você poderia deduzir que, de dois meses para cá, a sociedade brasileira repensou sua posição e viu que a pena de morte não condizia com os nossos valores e que não era aplicável no Brasil, mas estaria totalmente equivocado em sua dedução. Então, você poderia perguntar, o que fez a sociedade brasileira mudar sua opinião drasticamente a ponto de sequer pensar em pena de morte para os culpados pelo assassinato do jovem dentista? Eu te diria de cabeça baixa e envergonhado que, mesmo depois de 116 anos da assinatura da lei áurea, os negros não são considerados tão seres humanos quanto os brancos ricos no Brasil. Pior ainda, esse preconceito se estende aos pobres, índios e outras minorias, como homossexuais. É triste, mas é a pura realidade vivida em nosso cotidiano. Quando um branco rico é morto, é uma calamidade. Vão à televisão, movimentam celebridades e toda a sociedade para vingar a morte do seu ente querido, pedindo a pena capital para o culpado. Mas quando matam um negro pobre ou queimam um índio, a pena de morte não é cabível. Não falam em diminuição da maioridade penal, os culpados até cumprem pena em liberdade, como no caso do índio Gaudino Pataxó. É simplesmente lamentável!



Continuamos vivendo em uma sociedade hipócrita que se diz livre de preconceitos por ser miscigenada, mas que na verdade, discrimina as pessoas da maneira mais cruel, que é a discriminação dissimulada. As pessoas fingem que não são preconceituosas, mas não querem que seus filhos se casem com uma negra. Fingem que não discriminam os pobres, mas repudiariam suas filhas se estas se casassem com um pipoqueiro. Oras, quem quer se casar com o pipoqueiro? Para essas pessoas, a vida de um negro, de um pobre ou de um índio vale menos que a de um branco rico. Se alguém as matam, provavelmente estavam envolvidos com tráfico de drogas, eram bandidos, mendigos ou, acontece, afinal de contas, vivemos em uma sociedade violenta e ninguém está livre disso.



Não defendo a pena de morte nem para os policiais, nem para os rapazes que mataram o casal de namorados. Muito pelo contrário, acho que a morte não faz justiça a ninguém, apenas liberta o culpado de cumprir a pena por seu crime. Apenas faço aqui a constatação crua, a exposição do nervo dessa sociedade racista e preconceituosa em que vivemos e de que, em certos momentos, tenho vergonha de fazer parte dela.



Rogério Beier – FEV/2004
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