"Fugir do egocentrismo, do egoísmo, dos ísmos, enfim.; e parar de fugir de mim.., melhor primeiro me encontrar.; e assim..."
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Do outro lado da rua,
o décimo andar iluminado,
altas horas iluminado certa noite,
outra noite, e outra noite.
Todas as noites iluminado.
As pessoas circulam e sentam,
levantam e andam.;
andam e se movimentam na varanda.
Do outro lado da rua,
o décimo andar parece sempre festivo.;
sempre festivo é o que parece.
Deste lado da rua,
o décimo andar na penumbra,
na parca luz do abajur uma noite,
outra noite, e outra noite.
Tentei descrever os convivas,
das noites, do outro lado da rua,
imaginando suas vidas boas e fartas.
Incontável número de papéis amassei,
sentindo o amargor de amassar vidas.
Noutra noite acendi as luzes,
fui até a varanda,
e da outra varanda alguém me acenou.
Acatei o convite.
Descendo o elevador, pensei .;
vou conhecer os desocupados.
Atravessando a rua, pensei .;
vou gostar de uns e de outros não.
Subindo o elevador, indaguei-me .;
por quê me convidaram ?
Tarde demais. A porta se abriu.
Amáveis e cordiais.;
com amabilidade ímpar me receberam.
Dentro já estava e resolvi ficar.
Muitos conhecidos e muitos desconhecidos.;
todos já falecidos.
Suave música de harpa,
soava de lugar nenhum.
Todos de branco e semblante ameno,
nenhum deles se agitava.
Olhavam, apenas olhavam.
Senti que, serenamente, me estudavam.
Tive receio de fazer gestos bruscos,
e ser avaliado como afoito.
Tive receio de pensar maldades,
e ser tomado por vilão.
Não pronunciei palavra,
para não interromper a fina melodia.
Não pronunciei palavra,
conquanto era, apenas, um convidado.
Aos poucos, um a um, de mim se aproximaram,
e depois saíram para a varanda.
Notei que cada um trazia um broche,
intitulado por cada trecho da minha vida.
Por fim, o último deles,
o mais conhecido dos homens se aproximou.;
acompanhou-me até a porta,
e com a mão em meu ombro, disse :
—Sempre que olhares para os outros,
antes, porém,
procures olhar para dentro de ti mesmo.
O estado prodigioso,
seguido de grande sensação de paz,
fizeram-se-me esquecidas as despedidas.
Descendo o elevador, pensei .;
por quê fui convidado ?
Atravessando a rua, pensei .;
por quê fui o escolhido ?
Subindo o elevador, pensei .;
Por quê nada perguntei ?
Acordei sentado ao lado do abajur,
e num repente,
respondi minhas próprias indagações .;
— Porque precisava saber quem sou.
AdeGa/98
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