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Artigos-->CRÍTICA AO MUSICAL LES MISERABLES -- 29/08/2001 - 01:46 (denison souza borges) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Se estivesse em Londres, Paris ou Nova York, certamente teria me aborrecido com Les Miserables. Não gosto de Cats, Evita, Miss Saigon e demais musicais que fazem a festa dos turistas e novos ricos nessas cidades. Lembro do suplício que foi assistir O Fantasma da Ópera. Meu pai havia comprado ingressos e fui obrigado a acompanhá-lo. Ele gosta de gostar do que "todo mundo" gosta, e julgava antinatural, uma vez estando em Nova York, deixar de ir à Broadway. Tentei dizer que preferia assistir tevê no hotel, mas ante seu olhar nervoso, interrompi a frase e cedi ao seu desejo. Era meu dever, como turista brasileiro e filho de meu pai, suportar Andrew Lloyd Weber. Suportei estoicamente. Nem um minuto de desatenção. Nem quando uma melodia me lembrou um concerto de Mozart da maneira como um cadáver lembra uma pessoa viva, deixei minha atenção fugir. Devia aquilo ao meu pai. Quando as luzes se acenderam, suspirei de alívio - enfim alforriado! - e olhei para o lado. Lá estava o meu velho, dormindo o mais justo dos sonos. Cutuquei-lhe. Ele abriu os olhos e perguntou: "Ainda falta muito?". Não tinha visto nem ouvido nada, o desgraçado. Era a prova irrefutável: ele também detesta esses musicais, mas não ousava confessar.



Pois bem. Estando no teatro Abril, quase no centro de São Paulo, sem a companhia do meu pai, sem nenhuma obrigação turística ou coisa que o valha, ao lado de minha namorada, que já sabe que sou um cara chato e extravagante, que não se importaria nem um pouco se eu cochilasse ou mesmo saísse da sala para caminhar pelo saguão do teatro e esperar o fim do espetáculo na companhia de um amigável copo de uísque, devo dizer que devotei a mesma atenção que havia devotado ao Fantasma da Ópera americano.



O motivo é que fiquei impressionado. Não, esperançoso leitor, eu não gostei e nem gosto de Les Miserables. A música não é boa, as letras são banais, as rimas óbvias e os cantores ficam sempre naquele detestável meio termo entre o lírico e o pop. Saí de lá cantando, com a mesma melodia que percorre quase todo o espetáculo: "Não é que nos musicais / as canções são sempre iguais?".



Calma lá, leitor. Já lhe digo por que fiquei impressionado. Apesar de repudiar qualquer tipo de patriotismo, tenho cá meu amor ao Brasil (essa, juro-lhe, é uma das confissões mais difíceis que já fiz). Como Gilberto Amado, "sou um detrator público e um admirador secreto do Brasil" (agora não tão secreto assim, todos os meus três leitores já sabem disso - prometam silêncio!). Por muito tempo colocava uma capa de chuva, um chapéu para esconder minha louca cabeleira, forjava um bigode e tacava uns óculos sobre o nariz. Sorrateiramente, entrava em teatros e cinemas, para espiar, disfarçadamente, peças e filmes nacionais. Ah! Via a arte e o entretenimento serem mortos, mas como um bandido de livro policial barato, não conseguia deixar de voltar ao local do crime. As peças péssimas, os filmes fétidos. Depois passei a frequentar, já sem o capote, o bigode e os óculos, as orquestras nacionais. Vi executarem, com a frieza de um terrorista, Bach, Mozart, Beethoven, Wagner. Observava meus compatriotas, os instrumentos como armas em punho, a apunhalar mortalmente as maiores obras de arte que o homem (esse gorila embrutecido!) já foi capaz de criar. E eu pensava: deus, que criou as flores, o céu e as estrelas, que desenhou o raro sorriso no rosto de Greta Garbo, que deu a Bach a capacidade de compor e a Michelangelo a habilidade em esculpir, esse mesmo deus, para compensar tanta beleza, para restituir um certo equilíbrio universal, deu de inventar os artistas nacionais.



Eu não me conformava: não fazíamos nada direito! Imitávamos o rock, mas nosso rock era ruim. Copiávamos os filmes franceses, e quebrávamos a cara (pelo menos os produtores e diretores quebravam a cara em apartamentos na Viera Souto).



Não pedia originalidade. Pedia algo bem feito. A mediocridade trabalhada com competência. Um ruim bom. E foi exatamente isso que vi em Les Miserables. Um ruim bom. Cenário, figurino, orquestra, direção, luzes, elenco. Tudo tão ruim como se estivéssemos em Londres, Paris ou Nova York. Tudo, absolutamente tudo, a milhas e milhas de distância da maioria das produções culturais que infestam o país.



Assim que o espetáculo acabou, eu me levantei. Os brasileiros, como bem notou meu amigo e guru Salvador McNamara, só aplaudem de pé, o que costuma muito me constranger. Desta vez não me constrangi. Levantei e aplaudi. Aplaudi fervorosamente. Estamos aprendendo a fazer porcaria com esmero. A copiar com precisão. A ser competentes na incompetência. É um avanço e tanto. Talvez seja um indício de que estamos, finalmente, saindo da miséria.

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