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Artigos-->Devagar com o andor, que o santo é de barro. -- 13/03/2004 - 09:33 (Raul Pinto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Os princípios servem para tiranizar os próprios hábitos, a justificá-los, honrá-los, vituperá-los ou escondê-los — dois homens de princípios iguais desejam alcançar, provavelmente, coisas fundamentalmente diferentes.

[Nietzsche]



“Roraima é terra boa para cultivo de corrupção”, disse-o com todas as letras, na breve estada entre os roraimenses, Dom Geraldo Majella Agnelo, presidente da CNBB, suscitando ‘indignadas’ reações daqueles — é o que parece —, seus destinatários (ou não), mas não da patuléia, sua maior vítima.

A corrupção morre de morte natural ou violenta, com um suspiro ou arfante, patética, grotesca... Todo o homem — independente de sua posição social, cor e credo, de pregador a arrebanhado; de político corruptor (que corrompe: políticos corruptores – in Aurélio, 486), a eleitor corrompido; de sábio a ignorante... Enfim, este que é o único animal que pensa (ou não) —, levará para o silêncio e solidão perpétuos da tumba miasmática a devassidão, a perversão, o suborno e a peita.

Nos verões, ao sabor de paradisíacas praias e bancos de areais, sinuosas, as águas claras do Rio Branco acariciam suas margens quase sempre ermas, atravessam a bela cidade de Boa Vista, a teimosia do velho e marginalizado povoado de Caracarai e a inconstância de pequenas vilas mais ao sul. Seguem, pachorrentas, ao longo do seu maior percurso, na calha espraiada de pouco desnível e, nervosas e rápidas, nas corredeiras do Cojubim e Bem-Querer, sob o olhar preguiçoso do ribeirinho, até se dar, brancas e sem preconceitos, ao exuberante príncipe ébano, o rio Negro, que não se entrega fácil, senão resistindo, aos braços do rei dos rios, o Amazonas, que cumpre o seu destino de impor-se, quilômetros adentro, ao Atlântico sul, desafiando-o há tantos séculos.

Pelos mesmos caminhos dessas e outras águas que crescem e ficam imensas, quando mais se aproximam do oceano, de 1615 a 1780, Portugal inicia a expansão de seus territórios na grande Amazônia. Para garantir-lhe as posses, estabelecem-se povoações permanentes, que significam colônias agrícolas, que demandam braço escravo. Inicia-se, dessa forma, o que seria o maior genocídio da história do Brasil, um dos maiores do planeta: em pouco menos de quatro decênios (de 1615 a 1652), afirma o Padre Vieira, tinham os portugueses mortos com morte violenta para cima de dois milhões de índios. Combatê-los e preá-los ou escravizá-los era tarefa das armadas e dos colonos respectivamente, mas “domesticar-lhes” a alma cabia à eficiente máquina de conversão montada pela Igreja Católica, desenvolvida e testada com êxito na África e Ásia. Em querendo a Coroa, vieram as ordens religiosas para abrir caminho à ocupação, apaziguando tribos belicosas, esvaziando o território de seus moradores, preparando a mão-de-obra para a escravidão em seus inúmeros aldeamentos, os quais, para o cientista Antonio Porro, funcionavam como currais de mão-de-obra destinados a abastecer as fazendas do baixo Amazonas. Nessas concentrações de nativos propagaram-se doenças, contra as quais não tinham resistência natural. Dizimaram-se, em questões de meses, nações inteiras.

O moralismo religioso europeu consegue em poucas décadas destruir milhares de anos de desenvolvimento cultural. Cabendo da parte dos missionários católicos, segundo Adélia Engrácia de Oliveira, a responsabilidade, embora tenham ‘salvo’ fisicamente os índios, pelo desaparecimento da sua cultura.

Como se percebe, o santo é de barro. Mesmo assim, o porta-voz do bispo de Roma disse a que veio. Primeiro, dando um chega pra lá nas nossas ‘lideranças’ atordoadas em pragas; depois — o ponto maior da sua missão a Roraima —, reforçando o posicionamento das entidades favoráveis (CIMI, FUNAI etc.) à demarcação em área contínua da reserva Raposa/Serra do Sol. Esquecendo a história, afirmou aquela autoridade eclesiástica que “viemos (a CNBB) somar com os indígenas que querem as suas terras de volta”. Mais: “é preciso que a sociedade respeite as diferenças culturais”. E mais: “que a Igreja, ao contrário do difundido, não interfere na questão cultural dos índios... Que os missionários cristãos que atuam nas comunidades indígenas não impõem a fé, mas colocam o Evangelho como ‘opção’. Por isso, acreditar (a CNBB?) que não há interferência da Igreja na cultura indígena. Que a ‘fé não é cultura’, mas fermento da vida espiritual de cada ser humano”.

Ao refinado leitor, parece-me, bastar. A mim me cabem as questões: (1) Uma cultura só pode ser dominada por outra, mediante a violência física? Se não, entre esta e a sutileza oculta de determinadas ‘opções’, qual é mais deletéria à cultura inferior? (2) A fé é ou não uma manifestação cultural? O que dizer da crença (fé) dos gregos nos seus deuses? (3) À luz da história, a Igreja é ou não é responsável direta ou indiretamente pelo genocídio perpetrado aos nativos do continente Brasil, que na época pré-cabraliana eram em mais de mil etnias e línguas diferentes e que, só nas margens do rio Amazonas, eram mais de um milhão de almas? (4) A corrupção só se adstringe a desvios de recursos públicos?

À certeza, a conclusão: ao fim e a cabo, sobrará para o mais fraco, o índio, a tarefa de carregar o pesadíssimo fardo dos princípios inalienáveis, do retoricismo e das vaidades dos ‘civilizados’.





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