A estrela cadente
Ubiratan Iorio
Economista
O saudoso Roberto Campos referia-se, com sábia ironia, ao PT como o partido dos trabalhadores que não trabalhavam, dos estudantes que não estudavam e dos intelectuais que não pensavam. Com 15 meses de poder, o partido da estrela parece ser, também, o dos governantes que não governam... Com efeito, o governo Lula tem se limitado a encenar uma ópera-bufa em três atos: embrulhada política, plagiato econômico e embustice ética.
No plano político, as trapalhadas começam com os 35 ministros e secretários, batendo cabeça nos corredores palacianos - um grotesco desafio à velha lei dos rendimentos marginais decrescentes -, passa pelo fracasso total das chamadas ações sociais, a começar por seu carro-chefe, o programa Fome Zero. e culmina com o recente manifesto - elaborado pelo próprio governo! - contra a política econômica... do próprio governo.
O plágio econômico, perpetrado não propriamente pela política de Palocci, mas pela ausência de coordenação - tal como no tucanato -, entre os regimes monetário e fiscal, levou o PIB a encolher 0,2% no primeiro ano. Para quem anunciou um espetáculo de crescimento digno de um Carnegie Hall lotado, o que se vê é um vaudeville de terceira categoria, ao ar livre e com meia dúzia de gatos pingados na platéia. E, ironia das ironias!, os setores que impediram que o desastre fosse maior foram justamente a agropecuária, com crescimento de 5% e as exportações, que subiram 14,2%, resultados bons para o país, mas, no mínimo, desconcertantes, para quem passou mais de 20 anos falando em reforma agrária e mercado interno .
O conto-do-vigário ético, que já se desenhara em episódios esparsos, foi enfim desnudado pela atitude do partido e de seus aliados de sufocar a CPI dos Bingos, contrariando mais de 80% da opinião pública, o que a levou a deixar de vê-lo como o guardião da correção moral, para encará-lo com a mesma desconfiança reservada aos demais partidos. Quanto mais fatos novos tentar gerar para fugir do escândalo e mais tramóias políticas continuar arquitetando - sob o manto interesseiro de velhas e requentadas figuras do cenário político -, para impedir a CPI, a estrela que um dia pretendeu simbolizar a esperança, mais irá afundar na areia movediça da desconfiança.
A tese dos petistas mais radicais, de que o governo Lula se moveu para a direita, ou que aderiu ao neoliberalismo , beira a histrionice! Que governo liberal criaria, em um Estado já paquidérmico, mais de 40 mil vagas no serviço público e quase 3.000 novos cargos gratificados apenas em 1 ano? Ou que sugaria 40% de impostos de quem trabalha e produz? Ou que governaria com medidas provisórias? Ou que, freqüentemente, tentaria desmoralizar o Poder Judiciário; ou acreditaria, no plano externo, que o somatório das pobrezas (Brasil, Argentina, Venezuela, Índia, Líbia, Síria e Cuba) é igual a riqueza? Ou proporia estatizar as universidades privadas e o setor elétrico; ou, ainda, inventaria, em pleno século 21, novas estatais, além de ressuscitar velhos dinossauros devoradores de Orçamentos, como a Sudene? O PT sempre foi, ainda é, e vai continuar, durante muito tempo, a ser um partido de esquerda, que ainda crê na caquética utopia socialista, sob o disfarce de uma sociedade justa e igual para todos .
Cai a estrela, sobem o desemprego e a corrupção. Diminui a esperança, aumentam a frustração e o sentimento de que os eleitores foram vítimas, em 2002, de uma grande ilusão de ótica e de ética.
Obs.: artigo publicado no Jornal do Brasil, 16/03/2004.
|