Esta é mais uma carta escrita para preencher este instante de significação. É uma carta fraudulenta como todas as que eu tenho escrito. Queria reunir todas as cartas e todos os sentimentos de tédio, de medo, de covardia, de aspiração numa única carta, talvez esta, talvez aquela que vou escrever quando então eu me suicidar. Ou então quando inventar a idéia de suicídio para preencher o tempo. Assim como esta carta: um suicídio premeditado.
Todas as cartas servindo para me matar, mas mentindo todas elas, porque o desespero sobre um papel é menor do que qualquer outro desespero. Estas cartas são a renúncia da Morte.
Eu leio todas as minhas cartas, eu vejo todas as minhas fotos e não sou eu em todos estes objetos? E não sou eu sempre em tudo que manifesto o viver?
Não sei mais como continuar, não sei mais como ligar um ponto a outro de vida. Estou cansado da fragmentação, da decomposição do corpo, da memória, da vida, que um dia planejei como se dela estivesse fora.
Ouço os telefonemas e antigas sombras me ligam. Me pedem companhia e tento de forma trágica, de forma tola informa-lhes que estou morto, que estou mal. Mas as sombras não entendem. E estou novamente devendo às sombras, mas preciso delas. Assim como preciso da solidão, uma solidão como uma sombra que se acentua nos dias de sol e distância acumulada. Uma solidão como uma sombra que se afasta e se acovarda à noite.
Nesta viagem que fiz, nestas viagens que faço sob o manto da esperança, descubro que estou em todos os lugares. Não há um eu diferente, não há uma vida diferente. Estou em todos os lugares e isto me dói como se eu fosse um outro.
Ah, recolho do chão latas e imagens. Recolho papéis antigos, sempre presentes; recolho fotos sorridentes, fotos inocentes que nunca me ampliaram. Recolho cada vez mais o medo de viver.
"O medo de amar é o medo
de ser tudo o que a gente quiser..."
Me desculpe, não sei se é vaidade, mas eu não suporto.
Juro que não suporto.