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Artigos-->A Mínima Palavra (Para viver um pequeno amor ) -- 30/03/2004 - 23:24 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Mínima Palavra

(Para viver um pequeno amor – A Poesia de João Biella)



A poesia, sob muitos aspectos, sempre foi a arte de dobrar as palavras sob o peso das experiências pessoais, das fraturas mais íntimas, dos choques do espírito, ainda que essas mesmas experiências, essas mesmas fraturas e esses mesmos choques não transpareçam ou aflorem na superfície visível do poema, aquela que se dá imediatamente a nossos olhos e através da qual construímos o entendimento: a linguagem. O poeta, uma criatura em constante estado de inadequação, faz da poesia uma forma de expressão que evidencia as angústias, os dramas e os limites que se impõem, diariamente, aos indivíduos, em sua precária e abandonado existência. E os poetas contemporâneos criaram uma poesia em que o tom confessional é parte inseparável da própria expressão poética, mote e justificativa para o verso que resiste à completa dissolução da vida sob as formas radicais do experimentalismo estético. A partir de certas escolhas formais, como uma quase que absoluta negação da antiga retórica romântica; a ironia incisiva, herança do poema piada modernista; o cinismo esperançoso e uma certa desesperança cínica; esses poetas abriram caminho para uma nova maneira de entendermos o fenômeno poético: a poesia deve ser um constante processo de invenção e reinvenção da linguagem poética, o que não quer dizer que deva prescindir das experiências pessoais, do sentimento de inadequação, do inconformismo do poeta diante da própria e inalienável existência, que transcende as fronteiras da individualidade ou do narcisismo e, misteriosamente, se universaliza.



É na esteira dessa poesia irônica, pessoal e intimista, que rejeita a retórica ornamental, que João Biella publica seu “Para viver um pequeno amor”, livro de estréia que revela um poeta consciente de que o verdadeiro lirismo está ligado aos mínimos gestos, aos acontecimentos mais simples, à liberdade absoluta de fazer da linguagem o lugar de todas as vivências, de todas as sensações, de todos os encontros e desencontros que caracterizam e justificam nossa existência. Biella faz um elogio da palavra mínima, em que o sentimento amoroso transparece filtrado pelo travo anti-retórico e pela ironia dessacralizadora, mas também pela contenção e pelo equilíbrio, que impõem limites sutis a voz que se distancia do grito, tendência de uma certa lírica amorosa de lastro romântico, e se aproxima do sussurro. É o caso do poema que abre o livro, “Memória”: “li num travesseiro rosa/ igual ao dos meus pais/ a palavra solidão// não, não era essa a palavra/ bordada a duas mãos/ era a indefinível ninguém// naquele tecido puído/ feito para o repouso meu/ ninguém dormia também”.



A palavra mínima, que desvela os mínimos gestos, é uma forma de transformar o lirismo apaixonado e excessivo da tradição romântica em uma nova maneira de sentir e viver a experiência amorosa. A ironia, sempre ambígua e contundente, se manifesta desde o título do livro, uma referência direta a uma das obras mais conhecidas de Vinícius de Moraes: “Para viver um grande amor”. Livre do sentimentalismo exagerado, do tom classicizante e das formas tradicionais de composição, como o soneto, por exemplo, que se transformaram na marca distintiva da poesia de Vinicius, Biella se permite um diálogo feito de citações interditas que, ao invés de confirmar, rejeitam a influência sofrida por meio de um coloquialismo inesperado, que emerge espontaneamente de dentro do tom solene que se quer firmar. Assim, em “quer saber uma coisa?”, temos: “Eu nem sabia que fazia parte de mim/ te amar de um jeito tão maior que o imperfeito/ de mim/ Pô, fodeu, não há uma verdade disponível num/ tempo tão curto/ Por isso, ah, sei lá, sempre me curvo”.



A ironia dessacralizadora do poeta, além de uma forma ambígua de construir o próprio discurso, é também o traço distintivo de sua originalidade. Se, de acordo com Fernando Pessoa, o poeta é mesmo um fingidor, Biella envereda-se pelos caminhos da dissimulação, dos enganos e da desconversa cínica para fazer de sua experiência pessoal algo menos trágico, amargo ou dramático do que boa parte da lírica amorosa costuma sugerir e experimentar; ou, ao menos, algo mais leve, sutil, engraçado - uma graça irônica, mordaz, que, muitas vezes, não se priva em revelar o desejo estranho e patético de um corpo que se fragmenta e estilhaça assim como o próprio sentimento amoroso: “meu amor, sou prótese total/ coxo femural malposicionado/ espondiloartrose lombar anunciada/ há sinais de fraturas e lises ósseas/ (PUTA QUE O PARIU)/ pode vir sossegada/ afinal, não há mais parte a ser quebrada”.



Entre poemas quase elegíacos e instantâneos poéticos epigramáticos, “Para viver um pequeno amor” permite que se deixe entrever uma obra de rara sensibilidade, que não abre mão do humor, da acidez e do cinismo como força geradora de sentidos, resultando num lirismo que não se rende ao fácil, ao sentimental ou ao piegas. E quando o tom irônico-debochado cede lugar à melancolia, o que fica não é a tristeza vulgar ou desesperada, mas sim uma espécie de sofrimento quase estóico, que não sabe ao certo como romper o abismo de silêncio em que se encontra para, enfim, se comunicar: “Bilhete”: “rosa, precisei sair com urgência/ senhor deolindo morreu/ no momento, não consigo argumentar/ sobre a minha dor/ volto daqui a um ano/ beijos”. Versos cuja essência demonstram uma poesia inquieta, em que a palavra, definitivamente, se dobra sob o peso das experiências pessoais e revelam um entrelaçamento absoluto entre arte e vida, fazendo com que não se possa definir com precisão em que ponto uma termina para que a outra principie.



P.S – Para quem quiser adquirir o livro de Biella, é só enviar um e-mail para jbiella@ig.com.br.

















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