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Contos-->Quem sou eu? -- 17/12/2001 - 21:26 (Maria José Limeira Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
QUEM SOU EU?
Maria José Limeira

Quando o dia amanheceu, eu estava em outro lugar.
Ainda meio dormindo, deu para ver que o teto da casa havia sumido.
Não sei por que, no despertar, a primeira coisa que a gente olha é o teto.
Talvez para ter certeza de que o mundo que construímos continua de pé, intacto.
Isento de tempestades, terremotos e outras intempéries da Natureza, que tanto influenciam em nosso humor.
O teto que eu via agora era branco, com um lustre enfeitado, pendurado no meio.
Não gosto de lustres.
São supérfluos.
Inda mais, cheios de detalhes que a gente tenta enxergar, na distância de baixo pra cima, e não consegue.
Quando penso em supérfluos, vem-me a seguinte pergunta:
O mundo seria mais feliz – ou infeliz – com os lustres?
E sem eles, como seria o mundo?
Dá logo para perceber a resposta.
Foi baseado neste pensamento simplório que senti o primeiro desgosto do dia.
Em seguida, olhei o resto do quarto.
Que não era quarto.
Era sala, com uma enorme cama de casal, eu deitada nela.
Outros móveis me olhavam.
Havia um tom de zombaria ao redor, como se alguém estivesse me pregando uma peça, divertindo-se às minhas custas.
Um aparelho de som moderno.
Uma escrivaninha.
Um espelho grande, comprido.
Uma TV, 20 polegadas.
Poltrona de dois lugares...
Nada daquilo fazia parte da minha vida.
Radiolas modernas, cheias de teclas e segredos, são parafernálias que eu jamais compraria.
Tenho minha vitrola em bom estado, para ouvir meus discos “bolachões” fora de moda, mas com músicas de qualidade.
Por sinal, onde estariam meus discos vinil e minha vitrola?
Eu nunca possuí uma escrivaninha completa como aquela que me olhava, grave, num canto de parede.
O pouco texto torto que escrevi foi em cima da mesa da cozinha, quando afastava para os cantos os pratos sujos do jantar, o doce açucareiro, o bule de café, restos de bolacha cream cracker, tão amargos como o momento que eu estava vivendo, num lugar que não era meu.
E essa televisão enorme?
Não era minha.
Num aparelho de TV assim, acredito que os tamanhos das guerras se multiplicam, as dores humanas se aprofundam mais, os rombos das contas públicas vão para o espaço, a dívida externa transforma-se em pesadelo que invade a realidade.
E tudo ao vivo e a cores.
Não, senhores.
Meu aparelho de TV, 14 polegadas, é sonho.
Em preto e branco.
Faz-me companhia, como bom amigo, mostrando, num monitor elegante, cenas memoráveis dos filmes que eu quero ver.
Gene Kelly dançando na chuva.
Alfred Hitchcock, gordo e bonachão, parte integrante dos seus filmes de mistério.
Frederico Fellini.
Antonioni.
O cinema novo novo brasileiro...
Por sinal, cadê meu aparelho de TV?
E o espelho...
Supérfluo também.
Caríssimo.
Pois, olhando de relance, dava para ver que era um espelho de cristal.
Nunca que eu pudesse – nem em pensamento! – adquirir uma peça assim, com meu pouco salário.
O mais que pude ter – e mais não precisava – era o pequeno espelho, no box do banheiro, que cabia apenas meu rosto, para garantir que eu não saísse de casa com o cabelo assanhado, e nem perdesse nunca minha identidade.
E essa poltrona elegante, de dois lugares?
De que me serviria?
Eu sou sozinha no mundo...
Essas coisas mexem com o juízo da gente.
Acabam nos fazendo acreditar que não estamos bem das faculdades mentais.
Foi pensando assim que me levantei depressa da cama, e fui direto me olhar no espelho, quando tive uma enorme surpresa:
Eu era outra pessoa.
Completamente desigual.
Pelo menos fisicamente.
Espelho.
Espelho meu.
Quem sou eu?
(Do livro “Contos da escuridão”).
Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB.

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