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Artigos-->Entrevista com o Escritor Ademir Assunção -- 06/04/2004 - 13:11 (Márcio Scheel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“A Literatura Inconformista e Polimorfa de Adorável Criatura Frankenstein, de Ademir Assunção”



Por Márcio Scheel



Ademir Assunção, jornalista, poeta, e escritor araraquarense, acaba de publicar, pela Ateliê Editorial, Adorável Criatura Frankenstein, seu quinto livro e primeiro romance. Aos quarenta e três anos, o escritor chega a uma invejável maturidade literária, lançando um livro desafiador, que rompe com todas as estruturas da representação e transforma a narrativa em um mosaico de imagens, fragmentos e referências que vão do pensamento zen oriental às formas e modelos discursivos da indústria cultural, da arte pop e da propaganda.

Tendo publicado LSD Nô (poesia, ed. Iluminuras, 1994), A Máquina Peluda (prosa, Ateliê Editorial, 1997), Cinemitologias (prosa poética, Ciência do Acidente, 1998) e Zona Branca (poesia, ed. Altana, 2001), além de editar, juntamente com os poetas paranaenses Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes, a revista Coyote, Ademir Assunção faz parte de uma geração de autores surgida na última década do século passado. Livre de propostas ou conteúdos programáticos, que caracterizam os grandes movimentos literários, essa geração representa um ponto alto na produção literária contemporânea, cujo traço distintivo é a extrema originalidade com a qual transita entre os mais diferentes gêneros, temas, formas ou estruturas, rompendo com os limites da linguagem.

Na entrevista que segue, concedida por e-mail, o escritor fala de seu novo romance, da vida fora de Araraquara, de literatura, música e cinema, das influências que determinaram sua própria obra, de jornalismo e criação, além de como se vê dentro dessa nova geração surgida em fins do século passado e que já deixa suas marcas características na literatura brasileira.





Ademir, você nasceu em Araraquara, passou alguns anos em Londrina e agora está radicado em São Paulo. Como se deu essa saída, ainda bastante jovem, quando decidiu ir embora? Quer dizer, o que o motivou a partir? A literatura teve alguma coisa a ver com isso?

Ademir Assunção: Eu me mudei de Araraquara para Londrina aos 18 anos e a literatura teve tudo a ver com isso. Mais do que uma mudança de cidade, foi uma mudança radical na minha vida. Eu ia fazer engenharia elétrica em Uberlândia. Na hora h, decidi mudar tudo e prestar vestibular para jornalismo em Londrina. Isso porque conheci um cara que era poeta, o Anael Aquino, e ele começou a me mostrar uns livros de poesia: Robert Frost, Drummond, Bandeira, o de praxe. Um dia ele me falou de um lançamento de vários livros da editora Pindaíba, em Ribeirão Preto, e resolvemos ir até lá. Fiquei impressionadíssimo com aqueles caras cabeludos, subindo nas mesas do bar, falando poesia e encarando as pessoas. Um dos livros era uma antologia chamada Tempos, com cinco poetas, dois de Londrina: o Nilson Monteiro e o Domingos Pellegrini Jr. Naquele momento despertou a fagulha. De repente, três coisas se juntaram na minha cabeça: descobri que havia o curso de jornalismo em Londrina. Uma irmã da minha mãe, minha Tia Nica, morava lá. E ainda existiam poetas na cidade! Pensei: é pra lá que eu vou. O que é curioso é que até os 15 anos eu não me interessava por literatura. Gostava de gibi, filme de terror e futebol. A poesia surgiu por acaso na minha vida. Não fui eu que fui atrás dela. Ela que veio atrás de mim.



Além de escritor e poeta, você também é jornalista, trabalhou na Folha de Londrina e chegou a publicar alguns autores da geração beat norte-americana, como Ginsberg, por exemplo, que tem uma poesia forte, que contraria o tom ameno dos grandes veículos de imprensa; alguns poetas e escritores locais, um pessoal que ficou conhecido como a vanguarda poética de Londrina; assim como Gregório de Mattos, Augusto de Campos, entre outros. Assim, quais são suas referências diretas, Ademir, que autores fizeram a sua cabeça, qual a importância e a influência do jornalismo em sua literatura – ou da sua literatura no jornalismo?

Ademir Assunção: São tantos os criadores que fizeram e continuam fazendo a minha cabeça. Posso listar aqui aqueles que apareceram em momentos decisivos e me jogaram de vez para a poesia: Jimi Hendrix, Paulo Leminski, Torquato Neto, Friedrich Nietzsche, Jorge Luis Borges, Ezra Pound, James Joyce, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Samuel Beckett, Franz Kafka, Anton Tchecov, Augusto de Campos, Frank Zappa, John Fante, William Burroughs, Arthur Rimbaud, Antonin Artaud, Van Gogh, Akira Kurosawa. Cada um teve um impacto diferente no momento em que estava formando minhas percepções, minhas preferências. Mas a lista é muito maior. Vai de histórias em quadrinhos ao zen, outra influência muito forte na minha vida. E o jornalismo foi uma paixão fulminante. Eu adorava pensar a totalidade de uma página de jornal, com texto, foto, projeto gráfico. Pra mim, era uma tela de cinema, onde eu podia experimentar as maiores maluquices, uma explosão de significados juntando todas essas linguagens. O jornalismo foi muito importante para eu desenvolver uma disciplina de escrita. Testei muitas idéias nas páginas dos jornais, antes de levá-las para meus livros.



A sua poesia, desde LSD NÔ, de 1994, até Zona Branca, de 2001, vive sobre o fio da navalha de uma poética que transita livremente entre os signos da comunicação de massa, da indústria cultural e um certo espiritualismo de matiz oriental, tomado ao zen-budismo, à poesia japonesa, como o hai-kai, por exemplo, ou aos ideogramas poéticos da China. Como você chegou a esse equilíbrio difícil e delicado entre a arte pop, que alguns caracterizam como resultado direto dessa sociedade de consumo, massificada, em que vivemos, e o ideal transcendente de uma poesia que, muitas vezes, se aproxima do pensamento filosófico-religioso, da antiga busca da verdade pelo espírito?

Ademir Assunção: Não é uma questão de equilíbrio, é formação, mesmo. O rock’n roll foi tão importante na minha formação quanto as traduções do poeta chinês Wang Wei, feitas por Haroldo de Campos. Veja bem: estou falando de rock’n roll, não das merdas que fazem por aí e os garotos pensam que é rock’n roll. Há uma passagem reveladora naquele filme do Bertolucci sobre o Buda (não lembro o nome do filme). Quando o budismo começa a se espalhar pela China, o próprio Buda encontra um grupo de discípulos magricelas, ascetas, que passam o tempo todo meditando e não fazem mais nada. Então ele diz: como vocês querem atingir a iluminação se estão renunciando à própria vida? Eu não tenho nenhuma dificuldade em ler Niezstche e depois ouvir um blues de Robert Johnson. São manifestações culturais diferentes. Mas ambos foram fundo no pensamento e na vida. Talvez os acadêmicos tenham essa dificuldade. Eu não. Eu vivo na era da reprodutibilidade técnica, como já avisou Walter Benjamim, há mais de meio século.



Você acaba de lançar seu primeiro romance, Adorável Criatura Frankenstein, um livro radicalmente novo, fragmentário, em que esse universo da comunicação de massa, da indústria cultural, da arte pop e da sociedade de consumo, esvaziada de sentidos, valores ou conteúdos, transparece numa crítica irônica, ácida e mordaz. Como você classificaria Adorável Criatura Frankenstein: uma fábula cínica e realista ou uma fantasmagoria assustadora, um pesadelo que se confirma diariamente quando saímos à rua ou ligamos a TV?

Ademir Assunção: Eu penso que o Frankenstein é uma fábula muito mais realista do que a literatura que se diz “realista” e ainda utiliza um modelo narrativo do século retrasado. O livro ironiza não apenas a idéia de “realidade”, mas a própria representação da “realidade” através da literatura. Quem é o narrador dessa história toda? Quem é o chefão que sabe tudo o que vai acontecer e manipula o destino dos personagens? O que é mais real, Caetano Veloso beijando a Sandy num show do Pacaembu transmitido pela TV ou a barata sendo devorada pelas formigas no meu quintal? Eu simplesmente explicitei, através de uma narrativa fragmentária, caótica, e desnorteante, as estranhas dessa máquina de manipulação da realidade que é o mundo da comunicação de massas. Tudo se transforma numa grande alucinação, na qual o senador Antonio Carlos Magalhães é tão real ou tão fictício quanto Pernalonga. Juntando as duas idéias que você mencionou, pode-se dizer que o livro é uma fábula cínica sobre uma fantasmagoria assustadora.



A crítica contemporânea, dos últimos vinte anos, afirma que toda a obra literária que lança mão dos modelos discursivos da comunicação de massa para enfeixar uma crítica a essa mesma sociedade pode ser situada dentro dos limites da pós-modernidade, que tem como característica marcante a descrença absoluta nos grandes modelos discursivos. Em que medida Adorável Criatura Frankenstein pode ser entendida como uma obra tipicamente pós-moderna?

Ademir Assunção: Dante Alighieri escreveu com as ferramentas do seu tempo. Homero, Goethe, Joyce, idem. Não estou me comparando a eles, só quero dizer que escrevo com as ferramentas do meu tempo. Eu viajo de avião (de vez em quando), subo e desço de elevador, vejo televisão (muito pouco), enfrento trânsito engarrafado, encho a cara em botecos com travestis enfiando fichinhas na jukebox. É o meu tempo. É no meio dessa balbúrdia que eu vivo. É claro que sou crítico dessa babel, desse esvaziamento de significados, dessa lavagem cerebral promovida pela comunicação de massas, pela publicidade. Se pós-modernidade é trabalhar com a intertextualidade, com a fragmentação esquizofrênica, com o questionamento da sociedade de simulacros, com o esgotamento dos próprios modelos de representação, então, Frankenstein é um produto típico da pós-modernidade. De alguma forma, hoje em dia, somos todos Criaturas Frankensteins. Agora, eu me pergunto: depois da pós-modernidade o que vem pela frente? O pré-apocalipse?



É possível pensar que Adorável Criatura Frankenstein seja, de alguma forma, o resultado de uma literatura, de um tipo de literatura, de escrita e de estilo que você já ensaiara, com sucesso, em seu livro de contos A Máquina Peluda, de 1997?

Ademir Assunção: Sem dúvida. Narrativas como 15 minutos, em que o Unabomber executa um ataque terrorista pela internet, enquanto o sistema de defesa tenta impedí-lo, ou Zanzando com Zazie no Metrô, em que os piratas do Capitão Gancho invadem o estúdio e seqüestram o diretor Roberto Marinho, ambas do livro A Máquina Peluda têm tudo a ver com o Frankenstein.



Você é um dos autores presentes no livro Geração 90: os transgressores, coletânea de contos organizada por Nelson de Oliveira e que é representativa, ou assim se quer, da produção literária brasileira da última década do século passado. Nelson de Oliveira se envolveu numa polêmica acirrada com o escritor Bernardo Carvalho, que acusou a iniciativa de Nelson, e dos autores presentes na antologia, de propagandística e auto-promocional. Você acredita, Ademir, que ainda seja possível falar em gerações, grupos, tendências ou movimentos, como as histórias da literatura nos habituaram a pensar?

Ademir Assunção: Bernardo Carvalho não precisa se “auto-promover” porque tem a Folha de São Paulo para fazer isso por ele. A posição dele é típica daqueles caras fominhas que querem jogar sozinho. O Nelson de Oliveira, que também é escritor, e dos bons, teve a grandeza de mostrar que há outros escritores com linguagem poderosa, crítica, criativa. É um cara curioso, que lê seus contemporâneos, pesquisa, descobre. Isso é auto-promoção? Não creio que ele teve a intenção de mostrar os autores das duas antologias Geração 90 como os únicos do nosso tempo, ou como uma coisa homogênea, programática. Não existe isso. Mas é fato que ele chamou a atenção para um conjunto de criadores que estavam dispersos, muitas vezes sendo jogados para escanteio pela crítica e pela imprensa. Mostrou que a prosa brasileira vive um momento fértil. E o que há de ruim nisso? Quanto aos movimentos, pode ser que surjam, sim. Por que não? Quem disse que eles estão proibidos? A vida não é tão previsível assim.



Como você se situaria no contexto da produção literária contemporânea?

Ademir Assunção: Como aquele cachorro do poema do Fernando Pessoa: "Deitei fora a máscara e dormi no vestiário/ Como um cão tolerado pela gerência". Mas não me sinto sozinho, não. Há alguns outros viralatas uivando comigo. Aliás, a matilha está crescendo a olhos vistos.



Dos autores em circulação, evidenciados ou não pelos grandes veículos de imprensa, quais você apontaria como verdadeiros transgressores, isto é, responsáveis por uma literatura radicalmente nova, desafiadora?

Ademir Assunção: A transgressão, muitas vezes, pode estar num haicai do Bashô, escrito há quatro séculos. Em três linhas ele pode colocar abaixo todo o sistema de percepção calcado no racionalismo aristotélico. Isso muda tudo. Mas vamos falar dos autores que estão despontando cada vez mais e que são desafiadores para mim: Douglas Diegues, Rodrigo Garcia Lopes, Marcos Losnak, Cláudio Daniel, Ricardo Aleixo, Mário Bortolotto, Marcelo Mirisola, Nelson de Oliveira, Joca Terron, Maurício Arruda Mendonça, Micheliny Verunschk. Há muitos outros. Tem gente que está aparecendo e já está dando sinais vigorosos. É chato citar assim porque sempre acaba ficando gente de fora. Mas quem sabe que está fazendo uma literatura desafiadora, pode se sentir incluído.



Sendo de Araraquara, Ademir, como você percebe a produção literária de dois conterrâneos seus – Ignácio de Loyola Brandão e Zé Celso Martinez Corrêa? Como você vê os dois? Em alguma medida, eles também serviram de influência em sua produção literária?

Ademir Assunção: Zé Celso é uma mente vulcânica, daqueles da mesma raça de um Glauber Rocha, Paulo Leminski, Waly Salomão, Roberto Piva. Há poucos espíritos assim no mundo. Ele pensa o teatro como uma coisa dionisíaca, genial. Às vezes me cansa um pouco toda aquela vertigem e a paparicação que existe em torno dele. O Loyola é um puta escritor. Tem livros muito bons, como Dentes ao Sol, Não verás país nenhum. Não li os mais recentes. Não sei o que ele está escrevendo. Preciso ler, pois é um autor que me interessa muito. Mas nenhum dos dois me influenciaram diretamente, não.



Hoje, a internet é uma forma de mídia largamente discutida e cada vez mais presente na vida das pessoas. Você mesmo é autor de um blog bastante visitado, o zonabranca.blog.uol.com.br. Qual é ou ainda pode ser o papel da internet na criação e no desenvolvimento dessa nova produção literária brasileira, já que autores como Mário Bortolotto, Fabrício Carpinejar, Joca Reiners Terron, Ronaldo Bressane, João Paulo Cuenca, entre outros, parecem ter elegido a internet como uma forma possível de veicular, constantemente, uma literatura e um pensamento de resistência, que não se rende à completa anulação promovida pela comunicação de massa, pela sociedade de consumo, pela linguagem cada vez mais manipuladora da propaganda.

Ademir Assunção: Televisões, rádios, jornais, são espaços controlados. A internet não. Pelo menos, não aparentemente. Quem é curioso, pode encontrar muitas coisas instigantes. Muitas pessoas estão se aproximando, afinando idéias pela internet, como aconteceu conosco. Seus textos críticos, publicados no seu blog, são de uma vitalidade, de uma clareza, e de uma radicalidade crítica impressionantes. Não vejo intervenções assim nos jornais. E como eu poderia conhecê-los, se não fosse a internet? Informações preciosas estão circulando nesse fantástico campo de guerrilha. Agora, não gosto de ficar viciado nesse mundo virtual. Os encontros, as conversas, as ações, continuam sendo fundamentais. E não vamos nos iludir em demasia. Tenho uma parceria com o grande Edvaldo Santana, uma canção, que diz assim: “Bill Gates anuncia/ Quem não tem computador não tem sintonia/ Global/ Mas dizem os profetas/ Que vai faltar energia/ Na noite do Juízo Final”.



Para terminar, Ademir, com uma dessas perguntas bastante óbvias, mas inevitáveis, o que significa a literatura para você, em sua vida, na forma como você vê, percebe e compreende o mundo?

Ademir Assunção: Acho que o mesmo papel que as seis patas têm para uma barata. Se arrancar uma delas, a pobre coitada vai continuar sobrevivendo, mas aleijada.



Adorável Criatura Frankenstein

Ateliê Editorial.

Para adquirir o livro basta entrar em contato com a editora ou com o próprio autor: zonabranca@uol.com.br



P.S – Essa entrevista foi publicada no jornal Tribuna Impressa, de Araraquara, em 06/06/2004, a propósito do lançamento do romance “Adorável Criatura Frankenstein”, de Ademir Assunção.











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