Em princípio, claro, não me apercebi. Quem é que em plena fruição da juventude se apercebe? Sucessivamente, no decurso de cada ano, Natal, Fim-de-Ano, Carnaval, Páscoa, tudo-tudo era festa, melhor mesa, melhores roupas, convívio aberto e diversão.
Só depois dos 30 anos de idade comecei a aquilatar o significado do ciclo, relacionando-o nos mais diversos sentidos e situações: na madrugada, senti o Carnaval, de manhã, o Natal, à tarde, o Fim-de-Ano e, ao cair da noite, a Páscoa.
A sequência inexorável dos ciclos, ora curtos, ora longos, começou enfim a solicitar-me a percepção. Num ápice captei o busílis global e disse para o meu primeiro fecho de correr: - Apre, mas, tudo-tudo tende a ser bola e bolinha!
Entendi então porque os fetos se desenvolvem em bola, porque as pedras soltas tendem a arredondar-se, porque a água dispersa fica em gotas, porque os astros são gigantescas esferas: tudo se está defendendo para sobreviver, em bolas, em arcos, em ciclos e, por aí, um desconhecido chinês descobriu a roda.
Assim, Natal, Fim-de-Ano, Carnaval e Páscoa são essencialmente uma espécie de partes que constituem uma bola espiritual que roda, rola e rebola para nos levar o corpo ao mesmo exacto sítio donde veio.
E as outras festinhas que promovemos, os baptizados, os aniversários, os casamentos e os funerais? Isso, são os momentos em que a bola pincha para contornarmos o inevitável tédio da existência.
Os funerais uma festa?!... Sim, uma festa triste assaz conveniente, quer queiramos, quer não, e que é uma importantíssima parte da bola que ninguém conhece...
António Torre da Guia |