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Humor-->UM MINEIRINHO NO MAR -- 11/06/2000 - 21:37 (Mario Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Pois é. O mar é uma obsessão no imaginário dos mineiros, justamente porque Minas não o tem.
Por isso, todos eles adoram a possibilidade de um contato mais íntimo com essa imensidão de água, lençol azul a sumir no horizonte, ondas enormes a erguer barreiras imensas de espuma, tudo isso impossível de se ver e de se ter na vastidão da morraria verde das Gerais.
Foi um tanto quanto desapontado, portanto, que o seu Salustiano, mineiro da gema, de Ituiutaba, pai de um dos mais destacados executivos da Embraer, ficou ao se ver hospedado, no litoral norte paulista, na casa do engenheiro José Antonio dos Reis.
Cada vez que ele saia na janela da casa de praia, ao invés de se deparar com a espuma de ondas e o oceano azul prolongando-se ao infinito, dava de frente com as montanhas de Ilha Bela, logo ali, do outro lado do Canal de São Sebastião.
Saía do outro lado e dava de cara com mais montanhas, a prumo, da Serra do Mar.
"--Lugarzinho mais feio e sem graça" - pensava, enrolando o cigarro de palha, enquanto esperava o almoço e as mulheres voltarem da praia, onde a esposa se encantava catando conchas e caramujos, colocando para secar ao sol, preparando-os para levar para os amigos, de lembrança.
Claro que, muito educado, ele jamais ia confessar ao anfitrião que os rios que desembocavam no lago de Furnas eram mais bonitos do que aquele braço de mar sem graça, azul chumbo, sem ondas, aquela prainha mirrada, sem mais que cinco metros de areia, da linha do mar ao calçadão.
Perguntado se satisfeito e maravilhado, educadamente sacudia a cabeça, afirmativo, fingindo-se deslumbrado com o panorama excessivamente limitado para as expectativas que tinha desenvolvido nas últimas semanas, antes de fazer a sua primeira viagem de sua vida para o litoral.
Reis, sabedor do gosto do pai do amigo e patrão pelas pescarias de piabas, piaus e que outros peixes, não tardou a convidar, logo no final do segundo dia de temporada na praia, procurando animar o velho mineiro, que pressentia um tanto quanto desenxabido e intimidado, talvez por estar em um lugar tão distante de suas plagas.
"--Seu Salustiano, consegui de um amigo, emprestada, uma lancha. Amanhã, bem cedinho, vamos sair para pescar no canal. Quer vir conosco?"
O velho Salustiano ainda ponderou, encabulado, que nunca tinha pescado no mar, que não havia trazido as tralhas de Ituiutaba, que...
Reis não permitiu recusa ou desfeita:
"Não se preocupe, seu Salustiano, que aqui tem de tudo. Varas, chumbadas, iscas...e tudo mais. O senhor só não pode esquecer é da palha do cigarro e do fumo. O resto, deixa com a gente."
O sol despontando lá para o lado do mar aberto, defronte a baía de Caraguatatuba, e a lancha já estava sendo levada, sobre roletes, da garagem da casa visinha para o quebra-mar.
Embarcaram, o motor pipocando animado, rumando rápido para o meio do canal.
Pó, pó, pó, pó, pó.....
O mar, calmo, calmíssimo, parecia um espelho, refletindo, dourados, os raios do sol que nascia.
Apoitaram ali perto do molhe do terminal da Petrobrás, o Reis querendo maravilhar o mineiro com a fartura de peixes do lugar.
Explicou-lhe detalhadamente, como deveria enroscar os camarões e corruptos no anzol, enrodilhá-lo cuidadosamente com a fina linha elástica e colocar a chumbada, muito diferentemente da pesca em rios, na ponta da linha e não alguns palmos acima, como na pesca fluvial.
Seu Salustiano contemplava, meio que enojado, aquela bicharada horrorosa, nadando viva na água de dentro do balde colocado no fundo da lancha: as iscas.
"Que bichos mais esquesitos a servir de isca,sô!" - pensou, mas nada falou.
Os tais de corruptos então, nem se fala: escorregosos, horrendos, molengas.
Passou a mão na testa, enxugando o suor que já começava a escorrer, com o sol batendo de cheio nos dois pescadores que se equilibravam na lancha, fustigada pelas pequenas ondas que, naquela manhã, mostravam o canal cheio de franjinhas prateadas, ao longo de toda sua extensão, que ventava bastante.
Não reclamou, que não queria decepcionar o anfitrião.
Ajeitou, finalmente, uma primeira leva de duas iscas nos anzóis que, gentilmente, Reis lhe enroscara na linha comprida e, com um meneio, atirou a linha do molinete nas profundezas do Canal.
Eram dois camarões, que naquelas coisas molengas, os corruptos, não conseguira ter coragem de colocar os dedos, apesar de ter sido avisado que eram a melhor isca para os peixes do mar.
Reis ria à socapa, percebendo o nojo do mineiro.
Bem, se uma coisa que a gente de Minas Gerais tem é sorte em pescaria.
Não deu um minuto e a linha do molinete do Seu Salustiano esticava. Um bicho de bom tamanho fazia encurvar a ponta da vara.
"Recolhe, homem, recolhe que o senhor já pegou o seu primeiro peixe do mar. Sapateiro não volta mais" - proclamava Reis, animado, certo de que assim o hóspede ia ficar mais alegre e animado.
Cigarro de palha já aceso, pendurado no canto da boca, Seu Salustiano comprovou que era bom de manejo. O peixe era grande realmente e veio, rabeando na água azul escura, puxado logo para dentro do barco, num repelão, que era prá não escapar do anzol, na chegada.
O belo linguado, de uns dois quilos, pulava agora no fundo da lancha, inconformado por ter sido arrancado de seu mundo.
Seu Salustiano contemplou sua presa, incrédulo.
Os dois olhos do bicho estavam de um lado só da cara do peixe!
Percebendo a surpresa um tanto quanto assustada do mineiro com o aspecto estranho do peixe que havia pescado, o Reis explicou que era assim mesmo, que aquela espécie tinha ficado daquele jeito "por ter ridicularizado Nossa Senhora, que condenou-os a ficar com uma careta torta para o resto de suas vidas."
Os avós daquele linguado haviam imitado a mãe de Jesus, que chorava a perda do divino filho,no Mar da Judéia e, castigados, ficaram com a cara torta. Pelo menos era a história que lera em um livro infantil a respeito de linguados e solhas.
"--O sô, mas que bicharoco esquisito!" - não conseguiu deixar de comentar, Seu Salustiano, não obstante orgulhoso de sua primeira vitória a bordo.
A pescaria continuou.
Mais alguns minutos, e a linha da vara do seu Salustiano estava tinindo novamente, zunindo com o peso do bicharoco que, lá no fundo, arrastava para longe isca e anzol.
O mineiro trava o molinete e, encurvado pelo peso do peixe que luta denodadamente, vem conseguindo trazê-lo para perto do barco. Mais um repelão, e lá está mais um troféu no fundo da lancha.
Um bruta cação-martelo.
A visão daquele extranho peixe de couro, com os olhos parecendo azeitonas, salientes e pendurados nas pontas de uma espécie de apêndices, faz Seu Salustiano se persignar, desta vez mais assustado ainda:
"--Homessa, esse é deformado, sô! Olha o cabeção e os zóio arrevezado nas ponta dos chifre."
Reis acalma o mineiro, explicando-lhe que, apesar do aspecto assustador, o cação é um dos peixes mais saborosos e que, certamente, depois de cozido na panela de barro, ninguém vai nem se lembrar do aspecto estranho do bicho.
Agora, Seu Salustiano já hesita em lançar novamente a linha. O anfitrião o tranquiliza e anima.
O mineiro resolve arriscar mais uma vez, esperando que não lhe caia na linha nenhum outro monstrengo arrevezado.
Pela terceira vez, a linha se retesa e um outro peixe é apanhado pelo sortudo pescador de piabas e piaparas.
Dessa vez é demais para Seu Salustiano.
Puxado para dentro do barco, ou melhor, pulando de moto próprio, da água azul cobalto para dentro da lancha, cai no fundo, contorcendo-se todo, um enorme peixe voador.
Todo colorido, bate asas como uma borboleta apanhada em teia de aranha traiçoeira:
Plá, plá, plápápápá!
Enrola na linha, faz um esparramo, derruba o balde com as iscas e fica pulando, arranhando uma das pernas nuas do mineiro, que quase despenca para fora do barco, tentando fugir daquela aparição endemoniada.
Seu Salustiano se obriga a se esquecer da educação para com o dono da casa:
"-- Seu Reis, me adiscurpe, mas num dá mais. Pescaria é mesmo no meu rio, lá em Minas. Lá num tem esses tipo de peixe que ofende não só Nossa Senhora, mas até Deus Nosso Senhor Jesus Cristo com tanta esquisitice e feiúra. Me leva imbora daqui.Peixe que avoa, com asa de borboleta! Pode uma coisa dessa, cruiz credo, credo in cruiz! Nesse rio não vorto nunca mais!"

Mário Galvão é jornalista e profissional de RP



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