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cronicas-->ADRENALINA POUCA É BOBAGEM -- 04/09/2001 - 21:31 (Marco Aurélio Bocaccio Piscitelli) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ADRENALINA POUCA É BOBAGEM



Diversões há muitas. Desde aquelas voltadas para o conforto da alma e à paz do espírito até as que mexem com o funcionamento intestinal do organismo. As primeiras promovem um efeito agradável de relaxamento, harmonia e reposição de energias. Instauram o cenário de lazer na vida atribulada e de estresse inevitável das aporrinhações diárias. Afrouxam a competitividade e o nó na gravata das apresentações oficiais. As últimas buscam sensações inauditas, no extremo da escala das emoções possíveis. É o caso dos dependentes químicos, que aplacam a ànsia de suas fissuras - craving - com homéricas libações, cheirações e picos. Pode-se também visitar um desses parques de diversões espalhados pelas cidades para conviver com experiências radicais. Caricaturas à parte, as preferências são livres e pessoais, embora dependam da vitrina do momento e das pressões sociais dos grupos e gurus.

Mudou o conceito de entretenimento ou a fisiologia do organismo dos usuários de parques? Em alguns deles, criaram até a categoria de visitante ou acompanhante, com ingressos de valor diverso para acentuar a condição dos praticantes audazes em relação aos medrosos convictos, ou melhor, os indiferentes ao seu próprio medo, que ficam a filosofar, propondo questões sobre o que move tantos a aventura tão contundente. Talvez fosse o caso de perguntar se, para frequentar um desses lugares, não estaria indicado um treinamento específico e prolongado, como aquele seguido por astronautas em condições de gravidade zero. Logo na entrada, há que conferir a placa de advertência: "não recomendado para portadores de deficiência física, mental, labirintite, problemas de coluna, deficiência cardíaca, gestantes e epilépticos". É possível que apenas as principais restrições tenham sido contempladas, para não gerar uma massa muito grande de excluídos ou espantados com os riscos envolvidos.

Dizem que os maquinismos são seguros, à prova de acidentes. Insegurança, se existir, só a dos frequentadores, que necessitam de um longo e penoso exercício de reflexão para deliberar sobre a sua utilização. Os parques de até pouco tempo atrás abrigavam brinquedos mais amigáveis, que permitiam passar da inéricia ao movimento com naturalidade. Sem assombro ou palpitação antecipatória. O carrossel, com os seus carrinhos ou cavalinhos, a roda gigante, o tiro ao alvo e as argolas que ganhavam prêmios quando laçavam os objetos. O máximo que se permitia em termos de violência era o choque de carros com contorno de borracha. A isso se reduzia o arsenal de diversão. Mas era o suficiente para todos se esbaldarem. O que faltasse era completado com a alegria da nossa imaginação, com o engenho do nosso laboratório de invencionices próprio. O maior parque de diversões não vinha de outro lugar distante como um circo transitório e desmontável. Localizava-se próximo de nossas casas, na pracinha pública. Um canto de cidade com grama, jardins, meia dúzia de ferros e tábuas. Balanço, escorregador, gangorra, rodinha de girar, pronto. Um espaço permanente, gratuito e com a suavidade própria para embalar os nossos sonhos. Um espaço democrático, onde crianças e adultos de todas as gerações se divertiam sem necessitar da bravura dos malabaristas circenses.

Hoje? Hoje, não! Os parques apresentam brinquedos que se sucedem em descartabilidade estonteante. Vocês já experimentaram o evolution, o kamikaze, o hurricane, o tsunami, a montanha-russa de última geração? São giros em todos os eixos do espaço, às vezes combinados, paradas de cabeça para baixo nas alturas e quedas livres. Acelerações e desacelerações desnorteantes. Alguns apresentam movimentos capazes de aniquilar qualquer tripulante dos chamados OVNI. Acrobacias para virar o estómago do avesso de quem se esforça para acompanhar os movimentos com os olhos. Montanha-russa simplesinha não atinge pontuação, só se apresentar loop, ou melhor, loops.

Depois de passear nesses parques modernos, encontram-se seres alternativos capazes de provar que o inferno está repleto dos mais respeitáveis desfrutes. Parece que muitos se lançam à aventura para demonstrar que estão acima de qualquer desafio, num ato que que tem pouco de livre-arbítrio. Outros bebem prazer em qualquer fonte. Bem complicado ser normal num mundo que passa dos limites habituais da escala! O certo é que os gritos que vêm das geringonças revelam algum mal-estar não-calculado ou não de todo disfarçável. Mesmo assim, muitos retornam para as filas que os conduzem ao mesmo brinquedo, sem intervalo. Lá vão escalar o prazer. Eu fico numa distància pra ver, fora da área interna do parque. Corro os olhos à minha volta. Uma multidão me faz companhia. Deve mesmo haver mais prazeres entre o céu e a terra do que ousa supor a nossa vã filosofia.

Marco Aurélio Bocaccio Piscitelli
Porto Alegre
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