FUGINDO DE CASA
Aos vinte e poucos anos eu tinha muitas amigas, entre elas Ana, que morava no meu bairro. Ela vivia com o pai e dois irmãos num sobrado ao topo da ladeira que ficava bem na rota das minhas idas e vindas.
Por ali passando, uma tarde, vi que da janela Ana me chamava. Parei o carro. Atravessei a rua. Do andar superior, minha amiga se descabelava e chorava. Estou presa! Você pode me salvar! Pegue a chave!
Abri o portãozinho e cruzei o jardim. Junto à porta lateral comecei a tatear um vaso de gerânios ali pendurado. Eu não enxergava a terra, ele ficava alto demais para a naniquinha aqui. Só via as flores vermelhas pendentes. Finalmente, já com as mãos sujas, encontrei a chave da casa. Entrei e subi a escada voando. Mas lá em cima, ai meu Deus... Nada na fechadura do quarto dela, como imaginei!
Não tenho força para arrombar esta porta, pensei. Peguei outras chaves e experimentei. Não deu certo.
Nervosas, falávamos as duas ao mesmo tempo, eu de fora, ela lá dentro. Procure, me dizia. Será que ele levou no bolso?... Não pode ser...
Sentindo-me a própria amiga do alheio, comecei a busca. Levantei colchões, olhei em cima de mesinhas, até no armarinho do banheiro fucei. Nada.
De repente, algo me passou pela cabeça. Corri ao quarto de Alexandre – o irmão algoz - e fui direto ao travesseiro. Debaixo dele, só um pijama. Desânimo total. Mas... lá, bem no fundo da fronha, tchan, tchan,tchan... estava ela! Até fez um barulhinho quando sacudi!
Aberta a bendita porta, encontrei Ana em pé, xingando e jogando roupas na mala. Vou-me embora daqui, ela não parava de repetir.
Recolocada a chave no vaso, lá fomos nós. Nem um bilhetinho ela deixou.
Às oito da noite, o telefone da minha casa tocou. Adivinhem, quem era?...
Pensam que Ana voltou? Nada disso. Passou uns bons meses morando conosco.
Beatriz Cruz |