O ápice das abstrações humanas contidas no mais sórdidos dos pensamentos é fonte de inspiração de um artista que pintou o seu auto-retrato e fez uma analogia do tempo com alguns objetos. Iberê Camargo, artista nascido em 1914 no Rio Grande do Sul, protagonizou nas telas um subjetivismo real de significado peculiar, relativo a sua vida, infância e a morte. Dos carretéis às tintas guaches, dos pinceis ao papel, e a caneta, esses foram os instrumentos que transformaram as idéias de Iberê em arte. A caneta rabiscada no papel conseguiu inserir-se dentro do conceito de arte, em oposição ao conceito ortodoxo da pintura moderna. Uma espécie de desafio a “prova d’água”, nome dado pelo artista às obras nesse formato.
A leitura dos quadros de Iberê pode ser interpretada como uma anatomia de sentimentos, não apenas pessoais, mas também alheios diante dos símbolos ou objetos, atendo-se para uma perspectiva filosófica e artística. Os personagens que compõe os quadros são desprovidos de uma forma estética de belo, sempre aparecem em formas redondas e com a face singela, eis o feio na obra do artista e por isso, figurado de forma bela dentro de uma representação sentimental. São, portanto, os mediadores da mensagem visual da tela, trazem a tona à poética da interpretação da tela e do espectador. As Idiotas retratam bem os caracteres físicos dos personagens, há uma uniformização da personalidade física e psicológica. A frase do escritor Antoine de Saint-exuéry “O significado das coisas não está nas coisas em si, mas sim em nossa atitude com relação a elas”, traduz para as obras de Iberê, a definição conceitual artística que o carretel, a bicicleta a cadeira tiveram em seus quadros. O artista quis passar uma idéia de solidão, tristeza, lembrança, tempo, um tempo que flui com o desenrolar dos movimentos das rodas das bicicletas, as pessoas pedalam no interior de suas almas pelas ruas e bosques, a onipresença da bicicleta se faz na série Os ciclistas, do pintor. A cadeira vazia expressa a solidão, os carretéis a transfiguração de um objeto, antes gratuito em sua infância e agora ele se faz artístico.
A mestria técnica da utilização de tintas de cores fortes deixa sobre as telas uma espessura densa formando relevos acentuados, causando no espectador diversas interpretações, seduz o leitor de uma forma individual. Lembro que me deparei a uma tela sem título o qual havia esse jogo de cores em camadas. Essa verdadeira miscelânea visual fez-me vir à memória uma comparação com camadas de sorvete bem gelado, enfim, cada um com sua poética...
Em 1994, jazia o homem que traduziu a arte do espírito por meio da matéria. Seu último quadro, Câncer, expressou a mais profunda das inquietações, a morte. Ironicamente esse quadro foi pintado, já que o pintor se encontrava vítima da doença. Estava escrito nele à melancolia pessoal, representada por três personagens, coberto de por um manto onde apenas o a face era exposta, dentro de um ambiente celeste róseo.
A exposição dos quadros de Iberê Camargo está no Museu de arte Moderna Aloísio Magalhães, MAMAM, localizado na rua da aurora no bairro do Recife, de 13 de maio a 27 de junho. A inquietude existencial deixada pelo artista nos provoca a seguinte pergunta: mas será que tudo te é falso e inútil?
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