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Contos-->"TOQUE DE ANJO" -- 27/04/2000 - 11:17 (MARIA DA CONCEIÇÃO MATOS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Misturando no pensamento lembranças antigas com porções de tristezas acumuladas na infância, rememorizo um fato peculiar na minha cidade.
Raro o final de semana no qual, lá no finalzinho da rua, ao dobrar de uma esquina, não surgisse uma fila de meninas angelicais, descoradas, minguadas, quase a desfalecer, envolvidas nas suas vestes brancas de mangas compridas. Encabeçando a fila, uns três a quatro anjinhos com túnicas azuis, rosas ou brancas, não importava a cor, cingida a cabeça com uma coroa prateada, de onde se via em destaque, uma estrela.
Havia previsão de que ali no centro, estava outro "anjo", o qual fazia parte integrante do cortejo. Um anjo que mais parecia feito de cera. Suas faces não eram rosadas como as pétalas das flores trazidas pelas meninas de branco. Também os olhos do anjo estavam semicerrados. Não olhavam fixos para a realidade, da qual ele era o principal personagem. Na cabeça, como os demais anjos, ele trazia uma coroa, só que de florzinhas de laranjeira. Flor de perfume suave, como também era suave o semblante daquele anjinho, agora do céu. Nas suas mãos entrelaçaram um delicado rosário, cujas contas ofuscavam debaixo de um sol abrasador, em plena quatro horas da tarde. O cortejo seguia ladeira acima, com passos arrastados, entoando músicas lentas. Também era lenta a tarde daquele funéreo mês de agosto.
Quem regia era a dona Constância. Seguia ao lado, regulando os passos das Marias das dores, das flores, dos prazeres, dos socorros, das aparecidas, das concepções e das consolações.
Aquela, provavelmente "Maria", como todas as outras, era levada por mãos de anjos, iguais a ela. Mas eles não eram anjos verdadeiros. Ela sim: era um anjo de verdade, como todos os anjos que se vêem nas estampas de santos, nas igrejas, ornando os altares, habitando o céu. Os seus olhos, apesar de semi-abertos, eram perceptíveis da sua qualidade de espírito, que se revestira de asas e se tornara um mensageiro entre Deus e os homens.
Das janelas entre-abertas, alguns compadecidos, se arriscavam a uma discreta espiada. A maioria não resistia abster-se da curiosidade - botava a cabeça para fora. Todos queriam ver o anjinho.
Ele parecia sorrir: o sorriso da "Maria das Luzes", porque aquele anjo irradiava luz. Uma luz nem azul, nem rosa, nem laranja. Nem branca ou prateada. Dourada, quem sabe. Só o anjo sabia, porque a sua luz não tinha cor. Era uma luz com característica própria, que vinha do céu. Luz, cujas irradiações não eram captadas pelos outros anjos que o cortejavam. Por isso, os seus anjos pareciam abatidos, tristonhos, cabisbaixos.
E lá seguia o cortejo.
Dona Constância, com a sua firmeza de ânimo, regendo o coral das meninas de branco. Sempre foi assim. Ela era insubstituível para esse tipo de atribuição. Nunca faltava ao ofício. Impossível não convocá-la. Enterro sem a dona Constância não tinha a menor graça, com efeito.
Ela colocava uma pitada de piedade, um gosto apurado pela organização e, nunca se fazia de rogada. Era conhecida, como se dizia a minha boa gente mineira, por "arroz doce de função".
Crisântemos, cravos, manacás, rosas, margaridas, resedás, eram as flores preferidas para a confecção das glamurosas e perfumadas coroas.
As mesmas flores eram utilizadas para compor o corpo. O morto afogava-se em pétalas. Os anjinhos, nem se fala! Carecia de alguém para desafogá-los, malgrado a insistência da referida senhora.O anjo continuava indo, misturando-se às meninas de branco, em meio à cantoria e os soluços sentidos de parentes. Durava uma eternidade aquele desfilar contrito, durante o qual se ouvia, cada vez mais próximo, o repicar do sino da capela mortuária, como se a repudiar o morto:
- Não!...Não!...Nã...o!...Nã...ã...o!...
Mas o anjo ia assim mesmo. Ele não tinha outra escolha. Encarava a morte como se encara alguém que caminha só, em direção ao desconhecido, em direção apenas ao toque do sino, tão sentido, quanto era sentida a dor daqueles que acompanhavam o cortejo das meninas de branco e do anjinho.
...............................................
Uai...cadê o anjinho?
Refugiou-se entre as nuvens.
Lá está ele, esvoaçando-se entre milhares de anjinhos de verdade. Sorrindo, como sorriem os anjos de Deus - sem as pétalas, sem a palidez da cera, sem os anjos de mentira, sem o toque do sino, sem a dona Constância.
E a dona Constãncia!?...
Ficariam esperando por ela: uma plêiade de anjos com os seus clarins.
Assim feito ele, o "Ano de Luz".

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