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Cronicas-->Nova realidade, nova legalidade - "justos" e "pecadores" -- 25/09/2001 - 09:16 (K Schwartz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Li este artigo hoje de manhã no correio Braziliense e achei interessante publicá-lo. A quem interessar possa...


Nova realidade, nova legalidade

A tentação de dar um rosto a um inimigo invisível é muito grande e podem pagar justos por pecadores

Carlos Fuentes - escritor mexicano


Foi o século mais curto, disse memoravelmente o historiador Eric Hobsbawm. De Sarajevo a Sarajevo. De 1914 a 1994. Mas se é certo que o longuíssimo século XIX estendeu-se da Revolução Francesa à Primeira Guerra Mundial, o brevíssimo século XX, que começou com ``os canhões de agosto´´ de 1914, título de um grande livro de Barbara Tuchman, na realidade terminou com a queda do muro de Berlim em 1989, fronteira final da guerra fria.
Equilíbrio do terror, esferas de influência, maniqueísmo ideológico, mundo bipolar dominado pela rivalidade das duas superpotências, os Estados Unidos da América e a União Soviética. Que distante, que nostálgico nos parece hoje esse universo de equilíbrio nuclear, à luz dos terríveis acontecimentos de 11 de setembro de 2001. Falou-se da passagem a um mundo multipolar, estranha cabeça de hidra na qual, além da Rússia e dos Estados Unidos, a Comunidade Européia, América Latina, África e Ásia seriam novos centros de poder. A realidade foi outra: do mundo bipolar passamos ao mundo unipolar, dominado, desde Washington, por uma única grande potência. Em lugar da cabeça da hidra, o olhar da Medusa, capaz de converter em pedra qualquer nação que a desafie.
Falou-se da vitória do globalidade, baseada em um mercado mundial de prosperidade crescente e valores económicos, políticos e culturais identificados com a democracia, dotada de valores resistentes à uniformização, e de culturas como forças visíveis que dariam voz às agendas adiadas por meio século de guerra fria. Mas não se previu suficientemente que a globalidade em si mesma não daria os seus frutos sem o predomínio do direito e que uma globalidade sem regras conduziria a desequilíbrios perigosos e a injustiças perpetuadas.
Em 1999, o presidente Bill Clinton lembrou à Assembléia Geral da ONU que mais de um bilhão de seres humanos vivem com menos de um dólar diário e que a cada ano 40 milhões de homens, mulheres e crianças morrem de fome em nosso mundo feliz. Vinte por cento da população mundial consome 90% do produto mundial. Os números da injustiça são muitos, todos os conhecem, mas quando não se responde à injustiça com indiferença, se responde com esforços humanitários louváveis mas insuficientes.
Mas assim como a globalidade demonstrou as suas carências, o localismo não demorou em nos ensinar as suas: regressões a obscuras certezas, fatalismos aberrantes, fobias latentes, nacionalismos agressivos, fundamentalismos religiosos, limpeza étnica, tribalismo intolerante.
São estes os mundos que chocaram tragicamente sob as metrópoles norte-americanas em 11 de setembro: os vícios da globalização irrestrita dominada por uma única potência e os vícios da localização irrestrita dominada por tribalismos intolerantes. Em Nova York e Washington aconteceu que a potência maior demonstrou sua impotência e a impotência maior demonstrou a sua potência.
Pode ser formulada uma lista de agravos que soma os sofrimentos impostos a sociedades inteiras pela política imperial dos Estados Unidos na América Central, Vietnã e o Oriente Médio, e aos seus próprios povos pelos governos repressivos da China, Rússia, Iraque, Irã, Argentina ou Chile. Pode ser lembrada a cegueira no limite da oligofrenia dos governos norte-americanos que alimentaram com leite as víboras que logo responderam-lhes com veneno.
Sadam Hussein é um produto da diplomacia norte-americana
para limitar e cercar os aiatolás
triunfantes e intolerantes do Irã.
Osama Bin Laden é um produto da diplomacia norte-americana fortalecido para se opor à presença soviética no Afeganistão. De Castillo Armas, na Guatemala, a Pinochet, no Chile, foi a diplomacia norte-americana que implantou as mais sanguinárias ditaduras da América Latina. E no Vietnã, apesar de que se enfrentaram exércitos, a população civil foi a vítima mais numerosa do enfrentamento, até converter a exceção de ontem - Guernica, Coventry, Dresden - na regra de hoje: as principais e às vezes as únicas vítimas dos conflitos atuais são os civis inocentes.
Eu estava em Santa Fé dando uma palestra quando ocorreu o ataque terrorista contra Washington e Nova York. Santa Fé nunca será objeto de um ataque destrutivo. Seu encanto provinciano, austero, índio, espanhol e americano, salva-a da tentação destrutiva. Mas ali mesmo, no Novo México, sentia-se igual que em Manhattan a dor diante da morte dos inocentes. O ``ataque à América´´ que serviu de lema a todas as transmissões de televisão foi um ataque a todos os homens, mulheres e crianças concretos; foi um ataque a pais e filhos, a avós e irmãos, a amigos e companheiros de trabalho... Isto é o intolerável, isto é o que ultra
passa toda racionalidade. São as crianças palestinas assassinadas pelas forças vingativas de Ariel Sharon. São os jovens israelenses assassinados pelas forças fora de controle de Yasser Arafat. São os civis sem rosto mortos pelas ``bombas inteligentes´´ que os Estados Unidos choveram sobre Bagdá....
Surge a fácil tentação da vingança babilónica, a lei de Hamurabi, a lei do talião: olho por olho, dente por dente. É a saída fácil. É a saída inútil. É a represália que provoca a nova represália, em uma espiral incontível de violência que pode nos envolver a todos. É a represália norte-americana contra um inimigo sem rosto que alenta e justifica as represálias russas contra a Chechênia e as represálias chinesas contra as suas etnias setentrionais. É a represália que, como a mancha de sangue de Macbeth, se estende até afogar tudo, inclusive o sono.
O problema para os Estados Unidos é se vingar sem saber de quem, atacar sem saber quem. A tentação de dar um rosto a um inimigo invisível é muito grande e podem pagar justos por pecadores. Não é esse o caminho. É fácil demais. É irreflexivo demais. É perigoso demais. Justifica repressões, vendetas, a mística da cruzada contra o diferente...
Mas, acima de tudo, falar de ``represálias´´ é ignorar o tema
que reclama a nossa atenção concentrada se vamos conviver civilizadamente no século XXI. Esse tema - venho proclamando-o desde a queda do muro de Berlim - é criar uma nova legalidade para uma nova realidade. O fim da história proclamado por Francis Fukuyama há uma década hoje parece piada. Longe de terminar, a história tornou-se tão rápida, o espaço tão grande e o tempo tão breve que todas as formas forjadas durante um milênio - Estado, Nação, Sociedade Civil, Soberania - estão se dissolvendo, ao passo que se reafirmaram tribos, clãs, grupos linguísticos e religiosos. A globalidade não conseguiu criar uma legalidade que governe por igual os Estados nacionais danificados e os tribalismos locais renascidos.
O ``inimigo´´ não tem cara. Mas o ``amigo´´ tem. Dizer que quem semeia vento colhe tempestade não é suficiente para substituir a imensa dor da morte de inocentes em Nova York e Washington. Mas confrontar os Estados Unidos com suas obrigações internacionais dá um rosto à possibilidade de uma nova legalidade para uma nova realidade. Se Estado, Nação e Comunidade Internacional não se comprometem com a Legalidade superior às forças do mercado e do crime, estas se imporão com a força da fatalidade invisível.
Os Estados Unidos da América não poderão se queixar de um ataque sangrento, vil e astuto como o de 11 de setembro se os Estados Unidos da América se excluem da legalidade internacional, renegam os tratados de proteção ao meio ambiente, privilegiam as companhias exploradoras do equilíbrio natural, se recusam a se sujeitar às normas da justiça internacional propostas pelo Tribunal de Roma em nome de uma soberania que [eles, os americanos] negam aos mais fracos, e quebra o equilíbrio militar mantido desde 1972 pelo tratado ABM [controle de mísseis nucleares] com um delirante projeto de escudos antimísseis que não servem para coisa nenhuma frente à dúzia de terroristas armados com ``facas de passar manteiga´´ a bordo de um avião comercial...
Se os Estados Unidos querem de verdade combater o terrorismo que tão impunemente fez uma chaga em seu coração nacional devem aproveitar esta trágica oportunidade para se unir aos esforços encaminhados a sancionar legalmente os crimes de guerra e os abusos contra os direitos humanos, reforçar os organismos internacionais, somar-se às medidas de proteção do meio ambiente, liderar as campanhas para erradicar a pobreza, a fome, a doença e o analfabetismo em um mundo cada vez mais injusto, mais dividido, mais explosivo, verdadeiro caldo de cultivo para criminosos como os que em 11 de setembro riram da couraça antimísseis, riram da CIA e a sua notória falta de inteligência, riram de toda a incapacidade da única grande potência para viver fora do sono embriagante do seu próprio poder e se somar, no fim , à construção de uma nova legalidade para uma nova realidade.
Caíram as jurisdições de ontem. O terrorismo, o crime organizado, o império da droga, ultrapassam toda jurisdição; criam jurisdições próprias fora de todo alcance. Nova legalidade para nova realidade. Carecemos de inteligência jurídica e diplomática para responder a esse desafio? Carecemos da inteligência negociadora para ir desmontando os mecanismos de conflito que provoca o terrorismo? Carecemos da disposição de negociação para superar os obstáculos e caminhar em direção à paz e à legalidade no Oriente Médio, na Irlanda do Norte, no País Basco? Tarefa lenta, às vezes desesperadora, mas que nunca deve ser desesperada.


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