É num grafismo conscientemente sóbrio que pequenos pontos vão surgindo, a cada segundo, num mapa-mundi do "sitedafome".
www.Thehungersite.com permite-nos fazer uma contribuição diária de 50 chávenas de comida a um povo necessitado. O nosso click é mais precioso que todos os sorrisos, pancadinhas nas costas, lágrimas de crocodilo, palavras pesarosas ou compra sentida de rifas.
O que os olhos não vêm o coração aprende a sentir. O toque humano passa a ser um mero movimento imperceptível do músculo abdutor que impele o indicador (geralmente o direito) a pressionar o botão do rato numa sincronia audível na onomatopeia que todos os infoalfabetizados aprenderam a articular: CLICK|
Neste mapa da nossa aldeia global zinha podemos visualizar uma simulação em tempo real do ritmo e das incidências da também muito nossa morte.
Aqui o nosso sistema nervoso central não sofre grandes estímulos; despoletamos apenas uma sucessão de clicks, de uns a ultrapassar os zeros da miséria humana.
Fico à espera de um capacete RV que me induza os cheiros incómodos de um indigente que passa por mim na rua, da agrura inconveniente da sua mão gasta e usada que não pede licença para me tocar, do seu aspecto que perdeu a candura de quem faz o charme da comiseração...
Porque não virtualizarmos o apelo à humanidade nos seus "Punctums" (*) sujos e aromáticos, rudes e ruidosos?
Temos tecnologia para manipularmos a sensibilidade sensorial, a lamechice psicomotora. Na frieza de um ecrã desprovido de sensacionalismo, uma página que espera a acção de um dedo, não nos envolvemos. Mesmo sabendo que este site é o que diz ser, o "clickante" solidário fica na suspensão de quem não vê os seus méritos medalhados.
Este seria um bom case-study de um fenómeno que se multiplicou com a esquizofrenia cintilante de árvore neurológica da própria internet.
Lembro-me da frieza embaraçosa de emprestar a mão da caneta aos abaixo-assinados que tropeçavam em mim na rua. Tenho agora um abaixo-clickado. Neste site já não é o meu voyeurismo que passa impune, é a minha necessidade zinha de me sentir um homo solidarius, nem a massagem ao ego está presente para me apontar um dedo de gozo, apenas o dedo que aponta a miséria escolhe e irradica a indigência, apaga a pobreza do meu ecrã para o mundo.
É muito fácil apontar o dedo à caridade zinha dos outros, falsa ou imodesta, ingénua ou extemporànea, dérmica ou profunda. Não gosto de apontar dedos e cada vez menos de clickar, felizmente há o botão zinho de scrool... mas a compaixão ainda não é mito e a experiência é um motor das acções... pelo menos o envolvimento sensorial ainda nos é acedível on-line ou linear mente...
(*) uso a expressão segundo a definição de Roland Barthes in "A Càmara Clara"