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Poesias-->ESCREVER NÃO TEM FIM -- 18/02/2002 - 21:03 (Flávio José de Almeida) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(Diário de um bardo a bordo da nau Rompe-nuve)



GRUPO ESCOLAR

Segunda-feira:

de uniforme e lancheira,

lá vou eu estudar.

Meus objetos: alforjes...

Viva o Norato Borges:

o meu grupo escolar.



abril 1970



Ofertai-me vossas quimeras

como sinal de virtude.;

vem desde priscas eras

o símbolo dess atitude.



Represado vosso açude

no círculo doutras esferas.;

algo em vós vos ilude:

amansai vossas feras!



Deveras, hás de reter-vos

no meio onde inda domina

a voz - não a dos servos,



crias de quem as maquina,

engrenando-as no rito

do mais silencioso grito.



3-1-86



Tudo

como

dantes

no

quartel

de

Abrantes

E

nada

qual

Dante

na

Divina

Comédia.



3-1-86



Cidade,

berço da existência.

Dorme a noite

em seus brilhos.

O sonho se perde.

Pede urgência

para o futuro

de teus filhos.



4-1-86



Renoir

Vicent van Gogh

Picasso

Portinari

Di Cavalcanti

e eu

que estou

pintando

no pedaço



6-1-86



alegra-me saber

que usted tienes

una loucura

for me



8-1-86



enquanto cavo um buraco

solto risos de lisonja

um baita silêncio me ondeia

e tu me olhas serena

dando-me uma chance mínima

de pensar em algo remotamente

(im)possível



9-1-86



deste-me a chance

e agora quero abraçar-te

envolver-te toda

num aquecimento

de não mais esquecer



9-1-86



MANUELINA

Quis conhecer Pasárgada:

organizei a bandeira.;

o dia vem, mas tarda.;

parti numa terça-feira



Do sabonete Araxá

levei as três mulheres.;

juntei os meus talheres,

pensando em comer por lá



Fiquei tísico, pálido, seco,

fui ao Recife e ao beco,

m inspirei em Manuel...



Pasárgada se fêz perene

no café bom que Irene

coa pra Deus no céu



11-1-86



ANSIÃODADE

Escrever é difícil tarefa

que se possa empreender.;

escreve quem sabe ler

ou do contrário: blefa



Falta noção de estilo?

Verseja, oh! juventude.;

procure vigor e saúde

no velhinho do asilo



que tossindo solitário

tira de dentro do armário

um calhamaço de folhas



e joga ali, num cantinho,

de mais um litro de vinho,

uma, entre outras rolhas



13-1-86



MEMÓRIAS

Contemporâneo dos passadistas,

o tempo rememorizo...

Paisagens são revistas

para o meu regozijo.



O passado deixou pistas.;

o tempo passa: é aviso.

Os galos incham cristas

e cantam o sol do juízo.



O presente é só lembranças

ocorridas antigamente

no auge de minhas andanças.



A vida não era urgente.;

o mais eram festanças...

O hoje é o meu de repente...



5-2-86



Inda

nem

nasceu

e é

linda

na

bela

barriga

da

mãe



8-2-86



1986 d.L.

Nasceu a menininha quase sem-ar.

Respirando pela boca, chorou.

Lagrimazinhas de um olhar

embaçado, ante o que se des-

cortinou.

Um mundo, paisagens recentes

para quem veio ainda agorinha.

Rostos, vozes: são os parentes.

A madrinha quer conhecer a sobrinha.

- Que gracinha!



12-2-86



Alminha de anjinho

serena fragilidade.

O choro é sua fala:

comunicação sentida

por quem descobre

o mundo à sua volta

com um curioso par

de olhinhos iluminados

vendo e vivendo

as primeiras envergaduras

do arco de sua estrutura

humana



12-2-86



FOLGA

Escrevo quatorze linhas

de versos paralelos,

duros como pedrinhas

quebradeiras de martelos



do raciocínio estético

do vate maquinador,

que só tem de poético

seu coração de isopor



É leve e pesa tanto:

almoço, merendo, janto

as rimas de meu folheto



Rabisquei toda agenda

e saiu-me pior a emenda

que o restante do soneto



13-2-86



oh! deusa egípcia

da poesia



trindade

da pirâmide:



mãe/filha

espírito de encanto



13-2-86



tudo

foi

dito

r e p i t o

foi

dito

tudo

a

não

ser

(a c r e d i t o)

em

silêncio

te

ter



13-1-86



INDULGÊNCIA

conforme

a

esmola

dada

era

a

nota

anotada



14-2-86



SOLICITAÇÃO



relê

cada linha

palavra

sílaba



(o versinho

não quer

se ver

sozinho)



cuida do texto

vasto

como leitor

casto



a rima

arrima

acima

da estima



14-2-86



nossas filhas:

tua filha

minha



minha filha

tua



duas ilhas



o que o tempo continua

no tempo recua



14-2-86



olhando assim sem ver nem reparei que deparei comigo numa esquina ou numa encruzilhada de uma estrada que não levava a nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada ...



15-2-86



BOM JARDIM

Nas pastagens da fazenda

rumino minhas leituras

Rabisco tais escrituras

enveredando pela senda



da inspiração: oferenda

do ar dessas planuras

Dos olhos tiro a venda

e olho para as lonjuras



Águas, árvores, aves

Líquidas sombras suaves

Minha vida não tem fim



A paz é tanta. O gado

descansa ao sol, folgado

Ah! Fazenda Bom Jardim...



16-2-86



Dadivosas sois vós, filhas

do sonho imorredouro.

Sabeis o destino das ilhas,

tens o vosso ancoradouro.



Mercês dos ventos alísios,

deslizam nas ondas pacíficas,

içais as velas: são guisos

para rotas magníficas.



Ides rumo a Indonésia,

pela enseada de mar estranho.

Querendo ter amnésia

é só aí tomar banho.



A nau naufraga em Bali.

Balinesas, balinesas,

que minha boca se cale

diante de vossas belezas.



20-2-86



escrever a partir de um tema

raciocinar conforme o resumo

defendendo razões do esquema

do poema construído no prumo

daquilo que sou e presumo

obter a vertente da estética

da vontade/luz maiakovskiana

mensagem de nuvem hermética

ética frágil qual porcelana

o poema é meu supra-sumo



26-2-86



seu

tesão

é só

um T

maiúsculo

o meu

enrijece

cresce

aparece

desobedece

esdrúxulo

sangue

carne

desejo

ereto

músculo



28-2-86



não descarte

vidas

em Marte



destarte

em toda

parte



em remotas

rotas

entre estrelas

havê-las



nos poros

de meteoros

nos milhares

de quasares

nas lacunas

das dunas



2-3-86



(tens poesia no sangue)

deves dar sangue pela poesia

(tens poesia no sangue)

és poeta tipo sanguíneo universal

(tens poesia no sangue)

teu coração bombeia versos

(tens poesia no sangue)

anti-corpos e letras celulares



3-3-86



Posso escrever os versos mais tristes esta noite

e não ser Neruda

Ser trezentos e cinquenta

e não ser Mário de Andrade

Não ter nenhum caráter

e não macunaimar José Oswald

Ouvir o que disse o anjo torto

e infelizmente não ser Drummond

Leiloar um jardim multicor

e não ser a completa poeta Cecília

Pode fazer escuro e eu cantar

e jamais ser um Ferreirangular

Partir a gentil alma minha que Vaz

e não serei Luiz de Camões

Saber o segredo que a andorinha ouviu no fio

e toda cidade ficará sabendo que Henriqueta não sou

Na hora de trabalhar, as pernas pro ar

certo de não ser Murilo Mendes

É minha sina

Sabe como é

Quem desde sempre assina Flávio José



5-3-86



SOLIDÁGUA

Sou um homem cético

diante do poema concreto

pagando pra ver o poético

que há em cada objeto



Dando ao escalafobético

um sentido dito completo

sendo intérprete eclético

nele vendo o raro e seleto



O poema concreto solidifica

a vitamina palavreada

de ríspida rima rica



tateando a desmetrificada

água corrente de bica

de sua nascente purificada



6-3-86



Silêncio maior na tarde de outono.

Árvores amarelando suas folhas.

Paisagem serena de sol e mormaço.

O ar parado espera pelo vento.

E tudo é calma na sombra do tempo.



6-3-86



MÁRIOANDRADIANO

Não há um, nem dois, nem três,

nem outro tanto ou mais.

Nem dez, nem mil.; não vês

que sendo um já sou demais?



Sou tantos, inúmeros, vários,

diversos, incontáveis, enfim,

sou mais de cento e cinquenta Mários

e ainda assim sou terça parte de mim.



Não vês que não caibo dentro

de ti, de tudo e de nada.;

e por isso mesmo nem entro



na caixa toráxica vertebrada

deste corpo que se julga o centro

de minh alma descentralizada?



7-3-86



Ela vinha

de manhã

sem calcinha

e sutiã



Mas

(que falta de graça)

jamais

tirou

a couraça



8-3-86



Ei-lo, estampado sobre a paisagem.

Seu leque de raios abanando calor.

No deserto causa a sede e miragem.

Solapa do céu nuvens de seu vapor.

Infringe a regra da natural busca.

Solfeja o sol impondo nos ares.

A sombra de si por si só se ofusca

e faísca seu véu cobrindo altares.

Soletra cada raio e lazer propicia

ao corpo solto nessa altitude fria:

píncaros abismais de minh alma vazia.



9-3-86



AMOR VOGAL

I love A.

I love E.

I love I.

I love O.

I love U...



10-3-86



leu duas páginas:

a primeira e a última

e aliviado

livrou-se do livro

ali no vaso sanitário



ele é crítico literário



11-3-86



O que fará o faraó

finda a farra, ao se ferrar?

Os súditos lúcidos, ó,

obra a obra vão cobrar.

O que farão os esfarrapados?

Sua fanfarra erra: dá dó.

Abrem as asas os azarados:

uns são contra, outros pró.

O que dirá o diretor

da direita do Itororó?

É direito do reitor

reatar o laço e dar nó?



12-3-86



VISÕES

Profético, visionário,

anunciando o caos,

decorei o dicionário,

aprendi tocar Strauss,

tornei-me templário

de trinta e três graus.



Deste instante em Dante,

entre inferno e céu,

subi pela escada rolante

da torre de Babel

e desci pela estonteante

trança de Rapunzel.



13-3-86



somos

como

somos

graças

aos

cromossomos



13-3-86



As madrugadas se alongam.

Nem tudo dorme. Prevalece

um interromper constante.



Demorado amanhecer surge.

Repete-se o mormaço diário.

Dias vão e vêem.



Confirmo o crescimento definitivo

de raízes do homem à cidade,

num apego determinado.



As nuvens do destino modelam

formatos em variedades

as mais diversas possíveis.



14-3-86



A CIDADE (I)

A cidade é o relato dos homens,

a vida passada, vivida no tempo,

entre árvores, casas e ruas antigas.

Mãos anônimas a construíram,

fincando alicerces para sempre.

Silenciosas, traduziram a certeza

de sua realidade concreta e simples.

A cidade rompeu seu espaço

e cresceu, a planície habitada,

desde o turvo córrego ao pé da serra.

Em si, ela avança seus limites

e traduz seu lado contrário,

sustentado por vigas verticais,

se contendo como quem cai de sono

e jamais adormece por estar despertando.



A CIDADE (II)

As janelas são incontáveis.

Pelas portas que entram, saem.

Telhas por sobre as casas,

folhinhas verdes das sibipirunas,

esquinas por onde se cruzam.

Os homens, estes vivem para o trabalho:

edificar a cidade. A vida passa.

Essa terça-feira é apenas mais um dia.



15-3-86



Molhadas de chuva,

as árvores verdejam a cidade.

Copas folhadas folheiam ao vento

as páginas do tempo:

saudade, teu livro relemos

indo e vindo pela vida.

A manhã de amanhã

fica a dezesseis horas de agora.

A hora presente pressente o orvalho.

Chove.

A tarde toma banho.

Esta cidade já foi mais limpa.



16-3-86



Pajem do bebê poema

sugo maternal palavra:

leite sadio

no seio desta página.

Vigio.

Atento ao branco

saboreio dissabores.



17-3-86



Abro teu corpo

e aprofundo-me.

Dentro dele

alço vôo

percorrendo

delícias

paisagens

carnais.

Oh! altar

de néctar

sublimação

de esperas.

Desejo-te

ao sol

coração

de luz.

Dentro de ti

nossos corpos

se fundem

raízes suspensas

em prazeres

e ais.



18-3-86



O homem segue seu caminho.

Vai ao longe,

aonde quer chegar.

Chega.

Andando sozinho, sozinho.

E vê que ali

(ou lá)

não é seu lugar.



18-3-86



rever:

tudo passou

uma história in

terminável

uma história in

e narrável



19-3-86



O dia passou

num chove não molha.

Árvores tomaram banho

e sorriem para a noite.

O ar está parado.

Meu coração escurece

e a luz de nossos olhos

enfraquece.



19-3-86



antes muito antes

muito antes de ontem

dias muito distantes

dos dias nem me contem

são dias emocionantes

antes muito antes

muito antes de ontem

são lembranças constantes

que os sonhos remontem os amantes



19-3-86



de tempos em tempos

os balões flutuam



subo o mais alto

num vôo suave



lá de cima olho

minha cidade

zinha



19-3-86



Silêncio. Ouçam! Ouçam pelo vão.

Há uma voz interior sussurrando

com ofegante emoção,

se perguntando: até quando?



Até quando esperar o vindouro,

na crença de vir a verdade?

Meu coração vermelho fugiu do touro

e de suas ventas de atrocidade.



A voz tem som oco/tosco/opaco,

ressoando seu timbre vibrado,

qual tatu tatuado no buraco,



morto porque antes enterrado.

A fala destila trilha sonora de ecos.

A garganta é chão e galhos secos.



20-3-86



Um tema:

o risco que se corre

é a linha descrita

pelo poema

(...)

Se se retrai te trai

e não merecerá

este quase hai-kai



20-3-86



CACOFONIA é

o modo de ver

as coisas

que

loucas são



20-3-86



DACTILOS

o teclado da máquina de escrever tem 27 letras

pela ordem ei-las:

qwertyuiop

asdfghjklç

zxcvbnm

além do asterisco

da porcentagem

e do cifrão

exclamação

interrogação

os números

e tudo mais

a datilografia

é uma grande

é a maior curtição

(se bem que no computador

é bem superior)



21-3-86



atrás de vós

uma sombra

inocente

&

útil

torna-vos

personalista

&

fútil

- vosso é o sol?

consulte-o! -



21-3-86



o hipócrita

honra vos informar

que a mentira

de pernas curtas

está calçando

botas de sete-léguas



21-3-86



O SOPRO DO LUCRO



(I)

O som

de gaita

que ouço

é o som

da gaita

no bolso

(II)

dos mortos nada temo

que estes se foram

matéria etérea

plantada no chão

com os vivos cuidado

pois estão por aí

e mais e mais se humilham

por menos de um milhão



21-3-86



NOCAUTE

- Doadores de sangue

que fiquem próximo

ao ringue



(doadores

fizeram

fila)



Mike Tyson

vs.

Maguila



22-3-86



(I)

não

escrever

é

permanecer

no

ostracismo



(II)

que palavras tenho a mais

lições de vida prática

oficinas da gramática

de consoantes e vogais



22-3-86



Thelonius:

este é o nome

este é o homem

amado amém



ela delirava ao som da lira

e como Ava gardeneava seu filme



ele mitológico escreveu antologias

eros zeus phatos endeusados



ambos, ei-los,

à sombra de uma pilastra do Ateneu



24-3-86



RASCUNHO DE ANTERO ZUAL

Já não se vê o que se ouvia

quando vinha o alvorecer.

E à noitinha um tanger de plenitude,

a juventude tinha tudo sem poder,

numa atitude totalmente irreal.

Todavia, toda vez e quase sempre,

em que eu me lembre nunca deixei de pensar

nas esquinas nas meninas nos momentos

nos inventos criativos:

muito prazer!



25-3-86



Corpo de mulher, suave escultura

modelada em barro, em carne e osso.

Uma palavra te define: formosura!

Não me mates que ainda sou moço.

Expressão perfeita, doce criatura.

Ver-te sempre me causa alvoroço.

Amo-te, ó musa de minha literatura.

Não me mates que ainda sou moço.



27-3-86



o termo

a ser usado

está enfermo

hospitalizado



o termo

a ser usado

veio de terno

engravatado



o termo

a ser usado

está na urna

esticado



o termo

a ser usado

pra seu governo

foi enterrado



28-3-86



Relatei o que vi:

como Ezequiel

- o visionário bíblico -

deitei de lado

emudeci

comi excrementos

lucidamente viajei

às tumbas do silêncio

até que o filho do homem

fêz-se carne

e devorou-se



30-3-86



versos

têm

versões

várias

noções

diversas

de

uni

versos

ver

sáteis



30-3-86



Vida e tempo presente:

duas facas de um gume

viver é constantemente

o tempo não se resume



Ambos se acompanham

no trajeto que procuram

se se perdem, ganham

o que entre si apuram



30-3-86



Todos

indistintamente

usamos

distintivos

racionais

e por mais

instintivos

que sejamos

ainda assim

raciocinamos

mas nem sem-

pre

agimos com-

o pensamos



2-4-86



Onde o verso escondeu-se

foi sombra um dia foi sol

hoje apenas musgos infligem

a natureza de sua presença.

O verso quis ocultar-se

no pouco de cada coisa,

entretanto deu um basta

e ficou sem nenhum ritmo.

A ele, dizem os loucos

poetas da atualidade,

chegarão palavras novas

sem vogais e consoantes.

Mas a língua portuguesa

rio d águas passadas,

de pobre fêz-se mendiga

de sobras gramaticais.

Fruto de igual sabor,

não se revela, esconde-se

nas grimpas de copa verde

de árvore sem raiz.

O verso depende dela,

a indecifrável matrona,

senhora de seus limites,

mulher indigna dos poetas.



6-4-86



Sondar as ruelas

da velha cidade.

Aqui pisou Tomáz

o poeta inspirado

pela mulher irreal.

Nessa praça o alferes

conspirou contra todos.

Naquela casa sem número

residiu o escrivão.

Nessa outra sem rebôco

viveram andarilhos

e bêbados irreverentes.

A velha cidade dorme.

O passado é só história.

O tempo encarregou-se

dos mártires e traidores.



7-4-86



Dentro há

transcendental

universo humano

de enigmas verbais.

Sussurros, acordes

de música silenciosa

captando um som qualquer,

inaudível, inaudível.

Ao acordares em ti

algum símbolo de homem,

traduzirás este mundo

além do inatingível.



8-4-86



tudo é maior e melhor

quando somos universais

seres dotados de sentimentos

servos de nossa crença

donos de luz própria

a nos iluminar e conduzir



10-4-86



tua beleza

é de loba grávida

dando luz

à lua



11-4-86



na hora nem notei

a indiferença peculiar

dos homens de negócio



administrei o assunto

e logo entrou dinheiro

na conversa



ele tem um sonho impagável

de ver sua fisionomia

na nota de dois milhões



12-4-86



se

a

seta

indica

outro

alvo

o

arqueiro

fica

são

e

salvo



13-4-86



Pensar é exercício:

a mente é armazém:

seu estoque é vasto:

meditou e me ditou

palavras imaginárias:

o cérebro é fiação

de artérias mui sensíveis



13-4-86



recuperaste meu verso

há muito perdido



estava no esquecimento

e ficou exclusivo



aguardando sua hora

de ser lido no tempo



incubado no casulo

desta tua cabeça intensa



14-4-86



descobrir

quantas telhas

exatamente

cobrem as casas

desta cidade



quando chove

certamente

o número de pingos

é dez vezes

maior



15-4-86



defendamo-nos todos

ante o inimigo comum



passa à nossa porta

olhando-nos de soslaio



vive à espreita

identificando sonhos



cataloga nossos dias

de agendas censuradas



carimba nossos papéis

interditando nossas v/idas



jamais vencerá, creiam,

está desarmado de amigos



16-4-86



Plantei um ipê amarelo

que cresceu e deu flores

A cidade ficou maravilhada

com minh árvore florida



16-4-86



Clara

descobriu desde pequena

o que nasceu

primeiro:

não foi o ovo

nem a galinha:

foi a gema



16-4-86



Praça da Matriz

966 metros de altitude

palmeiras/sibipirunas/la floenses

A torre implora o céu rumo ao infinito

apontando o silêncio altíssimo

de um amor que se foi

e ficou

fincado em cada uma de todas as pedrinhas

de teu calçadão

Amor: saudade vivida

em tua longa extensão

há de durar o tempo

deste antigo casarão

Praça da Matriz:

fui feliz?



17-4-86



Olhos floreiam

ondulações no espaço temporal



Árvore cresce

na verticalidade clorofilada



Tudo paira

resignado pela criação apressada



Houve luz

e naquele instante nada se ou/viu



18-4-86



PATRIAZINHA SALVE SALVE

A ordem

progride

O progresso

ordena

A vida

se agride

Ó alma

pequena

À cura

convide

O câncer

gangrena



19-4-86



ILHA DE VITÓRIA

Vi o mar pela primeira vez

numa tarde quase noite

dum rubro mês de outubro



Lembro-me dos navios imensos

imersos nas águas balouçantes

em meio a ventania e chuva



O porto era confusão de línguas

de homens vindos de longe longe

estranhos em terra estrangeira



Seus navios eram possantes

cada qual com sua bandeira

tremulante em terra brasileira



Um destes navios ancorou seu nome

em minha memória mineira:

"blue line" - linha azul



O mar de Vitória é lindo

lá sou homem-ilha

e o Espírito Santo é divino



21-4-86



ANTENAS

Quem te vê

vidrado

na caixa

de madeira

plástico

e vidro



Sabe que tens

o olho comprido

capaz de ver

imagens

captar mensagens

em todos os sentidos



Quem teve

canais modulados

válvulas

sistemas transistorizados

sabe sondar-te

idiota do vídeo

com teu controle

modernamente

remoto



21-4-86



Ele



o abc

lê o d



f g

h i j l

Ele lê

m n o p q

sem por quês

e se acaso erre

é esse

que t u

zês



21-4-86



deus:

dândi por onde ande

ateu enquanto Eu

muito quando Sou

teu



23-4-86



Cabe a mim julgar

necessário seja

a poética titica

de certos blasfemadores

amadores

do templo da carochinha



26-4-86



TENSÃO

O tempo realiza. A distância

de revelar-se o lado oculto.

Chega-se ao sonho com ânsia,

o passado fica, faz-se vulto



de uma espera rica em vidas,

a cada segundo ciente de si,

entre sombras interrompidas,

entre espaços do que há aqui



nesse momento de expectativa

em que a alma se sente viva,

em que o corpo entra em gozo



de estranhas sensações reais

e marcas fincadas e imortais

ilusões do silêncio nervoso.



29-4-86



AO NAVEGANTE AVISO

Escrevo, escrevo, reescrevo,

servo da escrita irrestrita,

sirvo-me de uma oficinaflita

pagando o preso que devo



soltar no papel que dita

linhas ariscas em alto relevo.;

e a desfolhá-las me atrevo

a correr os riscos da escrita.



Bardo a bordo da nau temporã,

colherei já os frutos de amanhã,

ou já será colheita tardia?



No mar de amar, armarei o esteio

e lavrarei o livro de joio e centeio

com frases que só o vento es/colheria.



2-5-86



MAIO

as tardesmaiam em maio

mês de virgens que fulguram

moças: maçãs permitidas

noivas ansiosas: sim sim sim

o altar é mais embaixo

(que vulgar

lugar comum)

o cálice contém fome saciada



2-5-86



A FIRMA

Durmo. O noturno aconchego.;

repouso em nuvens de cansaço,

e nesse berço acho sossego

longe daquilo que faço.



Atrapalho-me no emprego,

a ele me entrego sem embaraço,

e volta e meia peço arrego

diante de qualquer erro crasso.



E dormindo um sono transitório

encaixo-me dentro do escritório

no realismo da vida prática.



Bato ponto, sou produto/produzindo,

e assim, nem mesmo dormindo

descanso da vida burocrática.



6-5-86



O verso não compensa

o crime de ser ou não

poeta de primeira linha



Que pensa pensa pensa

para chegar à conclusão

de raposa diante da vinha



A vontade é imensa

mas quede a inspiração

que me teve e me tinha?



7-5-86



passeio pelo campo

arvorecido/aqualuz

camisa branca/flores

no céu azul sol arde

insetos inquietos

são mais que espertos

peixes e águas:

um se respira no outro



8-5-86



o verso

é cortina

de fogo

em janela

de água

corrente

estando

a palavra

em jogo

a criação

é chama

ardente



8-5-86



De manhã

o sol aquece

À tarde

paira o mormaço

À noite

o tempo padece

sob o véu

de seu cansaço



8-5-86



BORGES

O cego tateia

imaginária paisagem

escura visão

de imagens esparsas

formas perplexas

dele diante de si

como algo no vácuo

ecoando nos breus



Nu, sem rosto

mãos inatingíveis

pés ausentes do chão

abismo ismo

sons atonais

sondas infinitas

de espaços galáticos

e sombras



9-5-86



que bom:

o bom é que

o que é bom

o é

é bom que o

bom o que é

é o que bom

é o



9-5-86



Entro

dentro

de

dentr

Dentro

de

dentro

entr



9-5-86



ADAPTAÇÃO

sanguínea corrente

alagou o peito

represou no pulmão

reteve o fluxo

da pulsação

com aparelhagens sofisticadas

exatas e computadorizadas

cardiologistas graduados

socorreram apressados

europeus e asiáticos

americanos catedráticos

latinos mais práticos

russos experientes

enfermeiras assistentes

todos com a mesma missão

chegaram à conclusão

que das tripas

não se faz coração



10-5-96



MATRIZ

Se relampeja

de perto da igreja saio

que na torre tem pára-raio

Mas, chovendo,

mais que correndo

nela entro

e fico santinho lá dentro

Fugindo de mim

eu me sigo

e se ali estou com Deus

estou comigo,

penso! Este é meu credo

Na casa do Pai me hospedo

Examino as feições dos santos

Meu Deus,

são vinte e tantos

Quando a chuva passa

deparo-me com a praça

Êta chuva abençoada

deixou-me a alma lavada



11-5-86



Deus

fez de seu dedo pincel

e com ele pintou

de azul o céu

Nuvens passaram em branco



11-5-86



DIA SEGUINTE

sábado

sou lerdo e lento

qual cágado



sou quase o pingo

no i

de domingo



11-5-86



BACALHAU

No navio

escandinavo

vi o viking

e a rainha cega

da Noruega



12-5-86



BANANOSA

Em Manágua

debaixo dum pé d água

não plantei bananeira

mas deu cacho:

chamei Ortega

de Noriega

Eu acho que foi lá

que molhei meu chapéu panamá



12-5-86



as catedrais se alongam

estendendo silenciosas

nas tardes dos dias de semana



estátuas olham

olhar petrificado

olhos de compaixão



é tudo ladainha

que em coro decoramos

e eu já fui coroinha



12-5-86



PÓSTUMO

Senhor de suas convicções

travou batalhas em campo neutro

Não venceu todas

mas lutou para ganhá-las

Despojado de vaidades

armou-se para o embate

de êxito e triunfo

A morte o coroou



13-5-86



MUSICAL

No verso que escrevo me atrevo

a retratar com relevo o som

como símbolo do eco a seco

com ou sem o sim do nem

um sinal de ver a sombra

verde dever a crescer ao sul

sendo assim azul azul áz

da côr em forma de cór

coração pulsando em sol

lá lá que dá dó



13-5-86



dou ênfase ao circunflexo

ó, não me esqueço do agudo

acho o português complexo

não tenho certeza de tudo

só sei que os acentos somem

e o til não é amigo do homem



14-5-86



o que há de bom

bombeia

o que há de som

sombreia

o que há de tom

tomba

o que há de bom

bomba

o que há de som

soma

o que há de tom

toma

em bom som e tom



15-5-86



Olhai

o olhar sobre

sai

a menina dos olhos

na retina da vida

revira a visão

de quem vê

a ação da cor

no coração da razão



15-5-86



ALIANÇA

O moçolteiro

direitista

é noivo

Se se casa

passa para

a esquerda



16-5-86



BIC

bic(a)

alva

espessura

pássaro

pernalta

soltando

tintazul

no branco

céu do papel



16-5-86



GARÇA



ave

cheia

de

graça



16-5-86



Rio da noite.

E o riso flui

líquido

corrente

lento

escuridão

adentro



16-5-86



HITLERIANO



- Adolfo

que tal as férias

no Golfo?



16-5-86



AO MARUJO

Siga a rota

da frota no mar

No Índico

indica

No Pacífico

pacifica

que o Atlântico

virá por acréscimo



17-5-86



No momento digo não

digo não momentâneo

ríspido rápido

não certeiro

assim insípido

(digo não

ao dicionário)



18-5-86



LITORÂNEO

Diante do mar não me contenho

e me ponho a sonhar todo infinito:

traço em meu corpo um desenho

geografia de um ser livre e bonito

Sinto-me grande, sempre crescente

além da estrutura que me revela:

fora de mim sei que estou presente

nessa grandeza líquida e bela

O mar me assusta, às vezes,

faz em mim acumularem-se deuses

de uma soberania sem-igual

Sou temente, crédulo e puro

diante do mar eu quero, juro,

ser eu mesmo de forma natural

ser eu mesmo sem-fim, afinal



19-5-86



Doei doeu: a herança era ânsia

Sobrou assombrou o só sóbrio

Dista disto irrestrita distância

Pobre descubro sobre o opóbrio

Driblo o estribilho e embaralho

Aparelho volumoso alto-falante

Que cabeça! Comecei o cabeçalho

Acabei gabando-me galã galante

Ceder amanhã cedo com fome e sede

Sob o casebre de telhas de ar e argila

Na viga está esticada esta rede

Deito nela a costela e a carcaça cochila

O sonho não pára para além da parede

Doa a dor: inventaria amor pedi-la



22-5-86



A reta configura

um alvo. Direta!

Rumo da procura.

Certa. Uma seta!

Corretamente in-

dica do virtual:

Só apenas o sim.

En)(fim. Afinal( )



23-5-86



Diga-me com quem andas

e te direi quem tu és.;

e falarei por quais bandas

tu metes as mãos pelos pés.

Caminhas ao lado dos falsos

e dos principais opressores.

E oprimidos, nossos percalços

não são só de dissabores.

Como sombra és nitidamente

notado em qualquer lugar

mas se tornas transparente

logo hás de se aprontar

se in-vestir de inconsciente

ao lado de quem vais estar



25-5-86



juntamente conosco

vamos começar a tentativa

nossa iniciativa é primar

para que a causa sobreviva



o céu ficará fosco

a noite não será festiva

quem quiser se molhar

enxugue a sede tempestiva



a ânsia estará convosco

na inundação, à deriva

o lance é ir e voltar

a indecisão é decisiva



e conosco ninguém podôsco

nenhum radar capta tal sensitiva

mas o lance é adaptar

a liberdade ao que lhe priva



28-5-86



Ria. No Rio ou na Bulgária. Ria.

Ria. Do horário. Do salário. Ria.

Ria da reformagrária. Da história.

Da faixa etária: ria. Ponte aérea

em Pretória. Embarcaria na Síria.

Sem ou com cárie: ria.



29-5-86



O DOADOR

Rui doou um rim.

Ele riu.

Não doeu.

Nem foi ruim.



29-5-86



Ter a palavra em qualquer hora e lugar

e com ela expressar a infinitude mental

dos códigos fotocelulares instantâneos



Traduzir os símbolos e com eles assimilar

os graus reacionários da semântica:

deusa toda poderosa & Ltda.



Gramaticalmente um texto visualiza

o que representar sua metalinguagem

apresentando entre-linhas reticências...



A palavra é junção de signe-ficado

e está acima de suspeitas ortografais

da classe desunida mas letrada



Ei-la nestes versos presentemente:

aqui/agora impondo-se impressa

ante vossos olhos de leitores



Palavra: escrita e/ou falada

diz o que quer dizer e até mais...

Além do que deixa sub-entendido



2-6-86



(1)

O CAMARADA

Nosso herói: iòreh traz pra frente.

Um camarada companheiro.

100%.

Seu dia de folga no Volga - recente,

causa de nosso intento, digamos, invento.

Ele, o bardo a bordo da nau decapitada

versejava sem rumo, ou melhor, navegava.



(2)

NILÁTS

O tempo foi-se

em que ficávamos martelando,

camaradas.

O Politburo

O Kremlim

A Nomenklatura

A Rua Treblinka

Comemos couve em Kiev

Górki é o máximo.



(3)

EMON ED OSSON IÒREH

oto too

otto toot

-(é palíndromo

não de palindromia)-

nome de nosso herói

i m p o r t a m o s

-(saiba que importa saber

de navio

ou avion

se o inglês v(l)er

um: saberá igualmente

muito mais - mas

dois: toquei

na Toca do Áporo

na Oropa

que apuro)-

achamos que faltou ar/puro

-(enrouqueci com tanto barulho)-



(4)

RECAÍDA MOROSA

-(escura suíte do Othon

nem noto a foto do broto do otto

que traz-me um coto

para que eu então possa vê-lo)-

e no abismo da noite

ouvimos um saltério



(5)

A VOLTA

antes da viagem de volta

para o interior

voltou-se para dentro de si

a roupa é pouca

vou arru/má-la

podemos ir

ele fala,

e só, ri



4-6-86



Começo pelas árvores: que encanto!

Floreiam. E à sombra de uma centenária

e verde e possante

escrevo.

Eis os versos:

um aprendizado silencioso

de folhas ruflantes.

O vento ventando.

O frescor das lembranças.

A respiração ofegante.

Agora sei que tudo ficou de papel passado.



6-6-86



O VINDOURO

Enquanto tem encanto

não me encontra

no entanto te garanto

minh alma está pronta

tanto que te adianto

a troca e a compra



Isto! Posto que de sobra

tudo até se antecipa

o que deve e nos cobra

e aquele que nos evita

que é firme e se dobra

e portanto nos estica



8-6-86



MINERAL

O sólido, em seu estado,

retém a fórmula em si.

E se diz, diz-se formado

em Nova Dely e aqui.



É duro e muito dura

seu formato consistente.

Tanto bate e não fura

mesmo que insistentemente.



Mas a duração é o de menos

na concepção dos por quês

de objetos grandes e pequenos.



Pode ser, quem sabe, talvez.;

somando, obtendo os cosenos,

liquidará com a solidez.



12-6-86



o

tarado

em

estado

de

choque

trepou

num

poste



14-6-86



CORRESPONDÊNCIAS

Poetas, cantai vossas musas

em versos definitivos.;

dai-lhes palavras confusas,

enchei-as de adjetivos.



Para vós, são intrusas

tornando-vos cativos,

ou são venenosas medusas

com seus molares crivos?



São mulheres de carne farta,

risonhas e bem vestidas,

lendo de Hesse, o Sidarta



e vossas cartas não lidas,

envoltas em pele de marta,

as ovelhas enlobecidas.



19-6-86



A noite enviuvou-se.

Vestiu-se de negro

e tem sono.



Virgem de sol

grávida de lua

cheia



repousa

em quarto minguante



e nem sonha.



22-6-86



BLUE

Uma pétala da asa de Dédalo,

que pena - caiu.; outras caíram.

E ele, altíssimo, incrédulo,

não viu o que outros viram.

Nem Santos Dumont do 14 Bis

marcou tempo no relógio de pulso.;

afinal, o céu espaçoso de Paris

permitia seu pássaro avulso.

A Terra é azul

De Bali a Istambul:

ave-leve-nave-clave-de-sol.

Azuladamente.

Instrumento blue.



26-6-86



A PEDRA

No tocante à pedra, é duro

afirmar que a criei objeto

de invenção, inconcluso projeto

a ser deter-minado num futuro.



Ela é perfecta, mineral puro,

poemaugusto (bom e concreto).

Pelos campos filosofou Epicuro

sobre a matéria, seu tema dileto:



"Ordenando-a, não obedece.;

duradoura em imóvel posição,

como está, fica, permanece



como que fincada no chão.

A pedra é o que parece

em seu aspecto de sólida solidão."



29-6-86



Eis a palavra em desuso

para expressar-te o tanto

de sons mudos do canto

que só para ti traduzo



A palavra é qual recanto

(nele o poeta é intruso

autor de livro inconcluso)

a espelhar um quebranto



da palavrinha repetida

(imagem na íris retida):

tom sobre tom de cor



ou cores de tintas tantas

que as palavras - são quantas

para te revelar meu amor?



5-7-86



(1)

o arco

e s t i c a

na flecha

a seta indica

finca

&

fica



(2)

a seta

e o alvo:

(uma maçã

na cabeça)

do poeta

calvo



9-7-86



IMPRESSÃO



Pregue os olhos

nestas letras



Páginas brancas

elas pretas



9-7-86



traduzir de mim

para ti

o momento sublime

de tudo

em que sou

meu próprio escudo

protegendo algo

que já perdi



conduzir de ti

para mim

o instante solene

do nada

em que és e estás

bem guardada

e portanto sozinha

aqui



12-7-86



Secretamente.

Silencioso ouço meu coracão

atento

a criar algum novo invento

como bom cientista

amoroso



12-7-86



de fome anda sedenta

de sede anda faminta

a morte caminha lenta

a vida não há quem sinta

a febre é mais distinta

a fossa se quer nojenta

de verdade há quem minta

mentira não se comenta

o caos de tudo se isenta

realmente como se pinta

a realidade é tormenta

e a certeza quase extinta

dinheiros? menos de trinta

tem o peso que se ausenta

que com mais prazer se requinta

ante a dor que experimenta

ei-la ali se apresenta

na vida que a todos finta

de forma clara e cinzenta

conforme é a cor da tinta



15-7-86



Ligo o belo ao livre

e trago líquido e certo

um som que ouso tinir

longe e às vezes perto

Sigo o vale do simples

e levo comigo a foice

para cortar certas ervas

da vegetação que foi-se



16-7-86



te chamo

camarada

e ficas

com essa cara

amarrada



te chamo

companheiro

e queres

me comprar

com dinheiro



te chamo

de amigo

e pensas

que só amo

meu umbigo



te chamo

de irmão

e dizes

precisar ir

mas não



assim

não

te

chamo

mais

de mais nada



18-7-86



se me chamam

bardo

digo:

ardo

com minha poética

de apimentações

sem estética

ou definições

contra caretas

o bardo da Garbo

e outras gretas



19-7-86



vendo com olhos livres

a s s i m

se não pagas

o olho da cara

pára

de te prenderes

(em pesares e prazeres)

a mim



21-7-86



DESVARIOS

Demonstro não ser - e sou.

Eu - primeira pessoa - singular

a destruir (oh! Deus) o altar

que minha ira amaldiçoou.

No melhor de meus sonhos acordo

e transbordo a noite: imaginações.

Estou em ti em todas aparições:

no teu barco, teu mar, a bordo.

Esqueço-me e perco-me em abandono

triste e só a recuar, indo sem volta.

Teu olhar me prende e assim me solta

deixando-me ficar entregue ao sono.

O mais é um silêncio absoluto

de espirais que aumentam e diminuem

de dias que vão e noites que fluem

na vastidão do passageiro minuto.

E cada segundo se torna o limite

entre a ida e vinda da vida diária.

A esperança é uma dor hereditária

que teu amor nega para que eu acredite.



26-7-86



Na floresta dos embaraços refugiei,

correndo sem rumo, louco, fugindo.

Uma perseguição que traduzir não sei

de tão cruel correria, assim vou indo

exaustivamente apavorado e temeroso,

ciente dos tantos pavorosos perigos,

fujo de mim, de Deus todo-poderoso,

fujo da paz, deixando-a aos inimigos.

E só, vejo-me entre árvores trançadas,

raízes à mostra e suas copas desgalhadas

dando um sombrio ar misterioso.

Tropeço, caio, levanto-me, insisto.

Quero ir, chegar, ficar não resisto.

Estar nessa floresta é muito perigoso.



8-8-86



A seu tempo deduz-se a constância

de uma vida renovada diariamente,

que sendo plena, é de alta relevância

no pedestal construído firmemente.

A ela volto meus olhos desvendados,

pois para vê-la torno-me mais vivo.;

atencioso, aconteço sob meus cuidados,

sobrevivendo aos dissabores que cultivo.

E na vida, tudo há sempre acontecido,

com mistério de viver o revivido

ante a certeza do que está por vir.

A vivência entende-se pelo existido,

realizado muito antes de ter havido.

Verei o que virá, bastando apenas resistir.



8-8-86



Cautela, cada passo medido,

num dado momento e trajeto.

Se o caminho é sempre reto,

é também o mais comprido.



Em altos e baixos se estende,

dando-se inteiro e estranho.

Um dia perdido é ganho,

uma luz se apaga e acende



o lume da dúvida expressa

no ir-e-vir desta estrada

que pé-ante-pé se atravessa,



sem se chegar ao destino

que em torno de si é nada,

a não ser um grão pequenino.



19-8-86



TE VI

A tela na sala

é cela, e cala

a família.

A tela brilha

como bela ilha

para náufragos

da imagem

que

à deriva

se salvam

sãos

e

são alvos



23-8-86



Kafka disse:

quando vier

a peste

quero estar

em Praga



24-8-86



ESTRELAS

respondes ao firmamento

as incontáveis estrelas contadas

e recontadas ao longe

em longas noites



quatrilhões delas

vermelhas e amarelas

estrelas estrelas estrelas

amarelas e vermelhas



24-8-86



NUVEM DE TERNO E GRAVATA

Na União Soviética

sem etiqueta: ética só vi

na boutique poética

do camarada Wladimir



25-8-86



CANSAÇO

O rústico fustiga o sentido

e afasta o fortuito fazer.

Empresta um frasco devolvido

contendo essência do ser.



É fragância vendida na fonte,

rente ao ponto de parte partida.;

vive a frente da sombra defronte

dessa árvore frondosa: a vida.



E reverte na volta um salto,

um rito solfeja o contralto

e palavras compõe, letradas.



De acordo com ele, quem revela

o laço contorna a parcela

das subidas desenfreadas.



26-8-86



Rara esta hora nesta era.

Agora, explora do presente

a aurora, pois em si prepondera

a tua mente onisciente.

Deveras, deverás ter tato

e trato, em contraste manifesto.

A hora é um vão a jato

e sabes o mais, o resto.

Deves desenvolver o dom

em afinidade, sem ou com.

(Quebrei o ritmo do poema.

É nisso que dá a falta de tema.)



27-8-86



a composição do corpo

como objeto vivificado

de líquido quente corrente

fazendo mover troncos

membros e cabeças



o sangue só se extingue

ao longo adormecer no mormaço



o corpo é composto do oposto

com restos de artefatos e outros

e com sangue que por si só se distingue



28-8-86



fora isso

o sucesso é um desserviço

o bagaço é um desperdício

o começo come só o início

e o mais é fictício:

fora isso: piço

(que esse é o único vício)

fogos de artifício

do alto do mais alto

edifício



28-8-86



1969

Que Yúri

procure

entre constelações

desde o solo

de sua Apolo

o inventivo

e criativo

Deus



Nos breus

interestelares

nos quasares

no inatingível

no invisível

nas galáxias

no buraco negro

de seu rumo cego



29-8-86



CRIANÇA:

Mama com fé e bagulho

na terra em que cresceste.

E nunca nunca pergunte

que país é este.



29-8-86



Em dado momento ruiu-se o muro

de Berlim e seu maior arquiteto,

um falso alemão que, credo, esconjuro,

o Fuerer enrabava direto.



Como cabia no orifício (furo),

aquele falo possante e ereto,

ejaculante... teso e duro,

osso colossal do esqueleto?



Hitler urrava, rasgava a suástica,

suava e gemia: era sua tática

de melhor possuir-se pelo garanhão.



Adolf, quem diria, segredava

sua tara nazista (e dava)

seu rabo sujo de líder alemão.



30-8-86



O pássaro age nos ares.

Suas duas asas flainando

são apenas penas ruflando

no vôo por sobre hectares

de terra.; vários lugares

ele perpassa voando.

Suas penas plenas pairando,

suspensas em seus pulsares.

Ele se eleva em sol/clave

de grave-canto, corpo-nave,

levemente pesando no ar.

Seu pouso é pausa-descanso

leveza no espaço manso.

Há tanto céu pra voar...



1-9-86



Divina fez média

na comédia

que estreou



Que tragédia

quem pagou

não gostou



2-9-86



V:

letra

de virtude

e vício



vês

o vôo

em que vou



aspas

vespas

ou

asas

de aves

vulg

ares



8-9-86



RIBEIRÃO BOM JARDIM

Admiro as quaresmeiras

margeando o Bom Jardim:

florescem alvissareiras...

Todo agosto é assim!



9-9-86



ESCALAFOBÉTICA

O que somos sem os sons?

Somos só soldados do soul

ou somos solitários do rock in roll?

yes or not?

Nossas posições são as mesmas

no braço da velha ranheta guitarra.

Não estamos sós. Viemos após.

Poeira da visão metálica.

O tempo é este. O tempo é já.

O tempo é tampa de jacá.

A unidade é unicamente

a união de um simnão!



13-9-86



O BOBO DA CORTE

O bobo da corte era cortês.

No palácio era palhaço.

- De bobeira,

com inteligência,

farei rir Vossa Excelência.

Porém, disse o rei:

- Não, nunca rirei.

Ria e ria a rainha,

sorrindo tudo que tinha.

Chorou de rir a princesa,

estampando toda tristeza.

O príncipe, a princípio,

coitado, de ira, riu, pirado.

O rei, de porre,

desceu as escadarias da torre.

Absoluto, pediu silêncio:

- Psssiiiuuu...

De súbito, deu de cara

com um súdito.

E de ímpeto,

estourou-lhe os tímpanos.

Depois contou os degraus

dois a dois.

Caiu.

E barulhento, disse:

- Ordeno e eu próprio

me condeno.

O rei riu, riu e riu

de sua lei.



17-9-86



Determinado a deter. Minado

da cabeça aos pés, eis que eclode

o estopim: um barulho sacode

e faz mover o imóvel ora parado



Corro só e grito socorro. Quem acode

o sôfrego poeta desinspirado?

Soneto, trova, elegia, ode...

Quem pode é apoderado.



21-9-86



A PROVA DOS NOVE

(I)

Os aventureiros chegaram.

Vieram todos ao mesmo tempo.

Uns maiores e melhores que outros.

E todos a fim de começar aquela batalha.

Dispostos a desvencilhar qualquer indefinição.

Certos de serem os vencedores apesar de tanta coisa.

Os aventureiros chegaram e já estão a caminho de novo nova mente.



(II)

São tantos.

Quanto mais

melhor.

Assim sem conta incontável

distinguem-se pelas vozes

e às vezes aprofundam-se

pens’ativos pensando

no que deixaram

no que ficou do que restou

muito antes de tudo enfim se acabar.



Agora era trilhar o desconhecido

buscando conhecer as fronteiras.

As afrontas enfrentarão de frente.

Aprontarão diante da calmaria

e seguirão o indicativo presente.

E futuristas jamais voltarão

e do jeito que são

quem sabe eles sabiam.

Quando vinham viam.

Onde iam

não.



(III)

Se chegassem chegariam.

A condição duvidosa das indicações:

por quais caminhos caminhariam?

Inúmeros. Muitos. Diversos. Demais.

Cada um no seu e cada um na sua

e todos atrás do bem-comum

do incomum que lhes comunicasse

a próxima verdade acerca do sim

que nada dá senão a certeza

(a não ser que certamente acertassem)

dos erros percalços

de uma caminhada longa

no lengalenga da mentalidade

de quem assim pensasse

sobre quem agisse

longe do disse-me-disse

eles ou algum deles falaria

o que na certa diria qualquer um

ou nenhum dissesse:

se fosse o que acabou-se

antes sêsse mas não ésse.



(IV)

Eis que dentre todos

apenas um: ele

o aventureiro do silêncio não se calou

e ergueu-se disposto a caminhar

posto que os outros ficaram no lugar

indecisos entre estradas atalhos e trilhas.

E ele sim - não pensou se compensava

tentar conhecer com tentativas

indo de encontro ao que lhe esperava

em algum ponto.

Se fosse iria.

E foi então que se ofereceu

digno de ser aceito caminhante

recusando-se esperar pelos demais

que ali estavam aguardando

dando um tempo sob o céu e o sol

e o clima era propício

para quem ficasse

e para quem fosse.



(V)

O caminho retoma o que há de

liberdade, pois se encaminha.

Vem de encontro. E encontra.

Busca para si o que traz para sempre

em suas duas paralelas de idas e vindas

de vidas que à sombra de dúvida

retornam ao começo e recomeçam.

Ir. Com o impulso mover-se

até que chegando lá

saindo daqui

são horas e dias e meses e anos.

Então é melhor dar o primeiro passo

que assim se chega longe e devagar.



(VI)

Foi. A ida é para chegar.

Ainda que muito diferente seja

mas é igual ao que não se iguala

a ante-sala do mistério primeiro

que era onde se encontrava o ar

que respirava o bravo e corajoso

herói na penumbra daquele lugar

onde nada se ouvia. Nem o silêncio.



Foi. Indo só com ele e ninguém mais

que mais ninguém entendeu o limite

e atendeu o convite que não se faz

a não ser pelo caminho que transite

este que é aventureiro e por aí vai

contraindo emoções

emoções que atrai.



(VII)

O que dizer

se ensurdecedoras

são as doentias audições do homem só?

Com essa ele resumiu a síntese.

E tratou de arranjar companhia.

Logo que possível queria conversa

com o verde que era cor disponível

ali no escuridéu de olhos e vendas

e sendas lindas pelas quais se via

uma sombra de gelo sobre paredes.

Não tremeu porque se aqueceu em si

de dentro e de fora aquém e além

como alguém que se revestisse bem

de quem também estivesse com frio.



(VIII)

Lembra-me a nave a neve e o nível

da penúltima onda branda espraiando

a meus pés no espaço frio de um mar.

O novo a nuvem e o níquel se aniquilam

nas mãos desta nossa poça a qual peço

não respingar no branco desta folha

que é pra não manchar o poema fresco.

Lembra-me de correr o risco e salientar

a fórmula mística que no íntimo guardo

de qual norma reativando o retrocesso

um processo sem sucesso e sem nada de nexo

um número fixo no eixo e eu não

eu procuro esquecer aquele ano de sessenta e



(IX)

O aventureiro reconhece:

que texto confuso este!

Ele hoje vai bem, obrigado!

É um chevalier da Ordem

primeiro vigilante

guardião iluminado

acabou como um iniciado

da Liga Municipal de Antropofagia.

Os outros (aqueles)

os demais aventureiros

- coitados -

não sabem o quanto é

bom e agradável

ocupar a cadeira de Mestre Oswald



30-9-86



POESIA PAU-

Armado de unhas e dentes

vais para a batalha carnal,

com teus pensares indecentes,

antropofágico, canibal...



És o mais entre os dementes.;

te julgas um deus, o tal...

Só pensas no entrementes

onde metes a cara-de-pau.



Vejo-te a pedir arrogo

ao apagar-se o fogo

que incendeia tua tocha.



Pagú, Antonieta, Tarsila...

São frios corpos de argila

para ti, Oswald, brocha...



6-10-86



O MORDOMO

O domínio do medo

se confirma nas pálpebras

do mordomo do castelo.

As olheiras de fraque azul-escuro

passeiam pelas tábuas do assoalho

enquanto no porão o gélido cadáver

está coberto de flores.

O assassino às soltas

esconde-se nas folhagens da paisagem

um campo verdejante expande-se além.

O perigo é de se temer

o medomina olhos estranhos

do serviçal que viu e calou-se

uma vida entre altas paredes

trancada por portas possantes.

É o velho morcego das noites

transeunte nos cômodos espaçosos

sinistramente sombrios.

O mordomo serviu o chá.

O morto, desde as duas.

Meia-lua entre nuvens.

O assassino fugiu a tempo.

Chegaram a polícia e a funerária.

A principal testemunha é uma tal senhora Lady Agatha.

Quem é o principal suspeito?



17-10-86



Uma palavra puxa outra:

letras e sílabas se misturam

e as frases se instauram

na página: campo neutro



Aqui, no branco, fica fácil

imprimir os tipos gráficos

manter o impossível ritmo

do que se tornará estático



Talvez seja o sempre imóvel

que prenda para a leitura

sem lei dura estabelecida



Ou quem sabe até o espaço

que se disputa a calmo palmo

para ocupar suspenso no vácuo



22-10-86



A rigor vigora a vida

chamacesa diuturna

que forte ou enfraquecida

se expõe e/ou enfurna



Vida viva sobrevivente

que ampla e contemplativa

se instala qual semente

e brota: a vida viva



E im/planta quase alheia

nos vales e nos cumes

no rol do chão ou areia



ou verdeja nos estrumes

e basta a quem semeia

adubando a seus costumes



28-10-86



O dom é dado

a quem domina

o lado nato

a quem atina

no ato

a quem empina

um barato

a quem assina

com tato

ao qu imagina

abstrato

ao que doma

sem pacto

que toma

intacto



29-10-86



num dado momento

houve um lance

que mesmo lento

fugiu-me do alcance

marllamelou

abolirei nos dedos

os dados que ele obrou

e terei

o que so(u)brou



30-10-86



HAI-KAI

É o cúmulo

à noite

abrir-se um túmulo.



30-10-86



Se vangloria

é glória vã.

Olha, Glorinha,

um pé de maçã.;

sob a sombrinha,

que linda manhã.

Peca, santinha,

santinha de satã.



1-11-86



TELEGRAPHIA

A EH A LETRA PRIMEIRA

QUAL EH A ZÚLTIMA?



2-11-86



DONA ETELVINA FALA:

"...foi dito e feito

o Benedito

tem este defeito

de achar esquisito

o que é direito

porém digo

e repito:

ele é assim

e eu o aceito..."



7-11-86



CONFICÇÕES

(1)

Um outro eu

diferente de mim

através do qual vejo-me livre

capaz de ser

único e diverso

sendo ao mesmo tempo dois

e apenas um:

quando sou e estou

dentro e fora

juntos

comigo



(2)

O impossível desejo da sombra:

esquecê-la de maneira sentida

como destino de um sol perplexo

ante a condição errante de deus

que se limita a desejar tudo

tudo que se realiza no centro

daquilo que inexiste e se apresenta

ao descanso eterno do efêmero



(3)

Dificil desenterrar o fóssil

da era quimérica do antes

quando se confundiam todos:

os répteis e as crateras



12-11-86



BRUMADO, ABRIL DE 1842

Um a um os pavões aparecem

colorindo essa vegetação rasteira.

Aqui, quando os campos florescem,

a primavera é à vida inteira.



Como são belos os pavões - exclamam!

Que beleza rara essa natureza.

E assim amamos os que nos amam

sendo o amor nossa grande incerteza.



E eles, majestosos - desfilam

pelo vale alegre e verdejante

de nossa terra im-produtiva.



Os pavões, ao sol, como brilham

suas multicores penas elegantes

que se abrem nessa tarde festiva.



17-11-86



POEMA MINUTO

Você senta

segundos

e lê



23-11-86



TÁVOLA

Mesa redonda

roda de amigos

papos rolam



25-11-86



Contudo,

digo,

ab-nego

do f-ato de falar

e abstrato

me entrego

qual um ja-

to a aterriz-

a...............r



28-11-86



Um século - eu nem calculo

o número exato das horas.

Os dias passei num casulo

sem lusco-fusco ou auroras.



Aguardei todo o tempo exigido

para saber do sol e sentí-lo.

Para existir, estar inserido,

sem exílio, na sala do asilo.



Velho, sei dos anos que pesam

e as lembranças se revezam

nas lacunas de minha memória.



Cem vezes cem vezes cem

o que sei não ouvi de ninguém

e afinal contei minha história.



30-11-86





TRINT ANOS

Trint anos, trint anos...

À prática co os planos...

Daqui por diante é vencer,

ouvir, falar e ver

cada minuto expirando,

um fio se arrebentando.;

tão frágil que é invisível,

mas segura (é incrível!)

a balança da vida passada,

na qual a vida é pesada.



Trint anos, trint anos...

Cicranos, beltranos, fulanos...

Amigos de caminhada

em busca de quase nada.

Um pouco da existência

se faz da insistência

que se tem diariamente

de gente tão diferente

se igualando indefinida,

em razão da própria vida.



A vida está na metade?

Será esta a meia-idade?

Tudo basta ao vivente:

para a sede, água corrente,

o tempo de boa colheita,

sonhar co a vida feita,

com muito para fazer,

hora nenhuma a perder.;

o ócio ficando pasmo

diante do entusiasmo.

O som do tempo ecoa,

a asa do vento voa.;

a vida se vive vivendo,

o ser só será, sendo,

em si o sol da essência,

sinal de toda ciência

fazendo da raça humana

egoísta, suserana,

se apoderando de nada.;

rebelde civilizada...



Trint anos, trint anos...

Desejos, os mais insanos...

Os hábitos são costumeiros,

os olhos aventureiros,

querem ver em demasia

a soberba soberania

do dia se esvaindo

em cada noite caindo

no peito da juventude,

em sonhos, paz e saúde.



Trint anos, trint anos...

Apesar das perdas e danos,

dos versos já renegados,

dos poemas engavetados.;

das múltiplas escolhas,

aos montes, quais folhas

de velha sibipiruna

que ao solo coaduna

bem fundo suas raízes,

bem verde suas matizes.



Nov./86



Jamais debateremos temas instigantes.

Opiniões divergentes nos distanciaram

das sugestões de soluções importantes

que nossas indagações questionaram.



Somos diferentes, Irmão, distantes

um do outro, vasta quilometragem.

Agora, então, muito mais que antes:

não somos parte da mesma paisagem.



É comum que pessoas incomuns

realmente não sejam como alguns

que são seres, simples habitantes.



Nós, Irmão contrário, os dois juntos,

trataremos de tratar outros assuntos.;

evitemos, pois, os temas instigantes.



5-12-86



algoz me diz

que o caifás

de cadiz

quis lilás

a gris

nos beirais

do chafariz



9-12-86



Meramente formal o encontro

entre olhares que se desconhecem

Um fingir desleal - e pronto -

mas os olhos jamais esquecem



10-12-86



Definitivo silêncio se resolve

ante a busca sem encontro,

em torno de novas esferas,

o coração sem coragem bate

e tremula sua bandeirinha

à beira de um clamor tristonho



10-12-86



A sabedoria silenciou-se. Única.

Sendo lume se fez escurecida

como tristemente se revelara

antes de conter em si

todas as regras de condução.



11-12-86



(Os poetas

na realidade

são penetras.)



Atormentado pelas alucinações

mentalizo o ator que fui, e sou.

(Mas consulto

meu umbigo

antes de entrar

em assuntos ambíguos.)



Abismo. Sempre caimos nos ismos.

Porque afinal somos sempre os mesmos.



12-12-86



HAI-CAIS DO PORTO

O navio:

não

vi-o



Parou

ou melhor:

ancorou



Sabe o marítimo

que o mar

tem seu ritmo



13-12-86



Vício

saúde

d ofício

&

Virtude

vício

d atitude



15-12-86



VALE DE LÁGRIMAS

Há noites não durmo.

Perder-te deu-me um coração de chumbo.

Pesa-me tanto o ar sobre as costas.

Oh! exausta respiração.

Não creio na tua ausência.

Para sempre não me será a falta silenciosa

destes longos dias.

Nas manhãs de sol agasalho-me.

Tardes saudosas.

Horas iguais se repetem diariamente.

Vejo-as passar passivamente,

como quem emudeceu.

Delírios murchos de saudade.

Olhos rasos, minh alma inundada de lembranças,

pensamentos, devaneios, alheamento...

E assim, revivendo, eis a vida.

O relato de uma tristeza indócil.

Morreste, estabelecendo-te no infinito limite.

Partiste, deixando-me sublimar em mim distante.

Sombra de um lugar frio tornei-me.

Estás onde te encontrarei um dia,

quando se eternizarem nossas vidas,

além dos sonhos impossíveis,

vertidas as lágrimas,

e o coração tornar-se leve novamente,

desvencilhando-me da matéria-carcaça,

da couraça, caixa toráxica,

quando fluir da respiração a plenitude

do definitivo reencontro de nosso último

(ou primeiro) e eterno sono.



19-12-86



máquina sensível

poeta em greve não escreve

faz piquete frente ao papel



19-12-86



GRÁVIDA

entre

no ventre

de vosso ventre

a inocente

semente

de gente



20-12-86



GEOGRAFIA PESSOAL

Em Nova Iorque, não me pergunte por que.

Em Amsterdan, até amanhã.

Em Bruxelas, agora é que são elas.

Em Berlim, ai de mim.

Em Viena, que pena!

Em Lisboa, à-toa, à-toa.

Em Zurich, pique-nic.

Em Moscow, do Bolshói vi um show.

Em Belgrado, garotas do meu agrado.

Em Sidney, australiei.

Em Nova Déli, salvaram-me a pele.

Na França, quanta festança.

(Paris me deixou desinfeliz.)

Em Roma, quem tem boca, coma.

Em Santiago, tomei um bom trago.

Em La Paz, tanto fez, tanto faz.

Em Lima, fiquei sem rima.

Na Venezuela, velhinhas na janela.

No Brazil, p.q.p.

(Onde eu estava? Na ilha de Java.)



21-12-86



TUDO É POSSÍVEL

Tudo é possível.

Até a impossibilidade

de saber que nem tudo o é

quando deveria ser.



22-12-86



Hosana

Nasceu Jesus

Maria deu a luz

É natal



Não foi cesariana

Foi parto normal



25-12-86



Jesus ficou nenên

bem além



hotel não tem

pensão também

não há nem

casa de ninguém

(com ou sem

mil ou cem)



- José, que trem!



- CalMaria, meu bem.



Assim Cristinho

nasceu alegrinho

em Belém



25-12-86



DRAMA

ninguém me ama

ninguém me quer

nunca ganhei

um Moliére



26-12-86



(1)

dia de hoje

agora presente

escapa/foge

momentaneamente



e determina

solto no leito

igual rotina

tal qual efeito



de permanência

selo eficaz

vã existência

leva e traz



solo de cordas

ao leve toque

som pelas bordas

que luz evoque



ponto exato

seja atingido

manso regato

rumo influído



marco fincado

no ar sem eira

vai demarcado

à sua maneira



tema repetido

ontem-amanhã

livro relido

atrativo imã



parte ao todo

se integraliza

de certo modo

completa e visa



o pleno espaço

em si retém

o desembaraço

de não e nem



de nunca ter tido

o tudo e nada

ser redividido

em conta somada



marca abstrata

e tão realista

imagem grata

suaviza a vista



relato inverso

enquanto revisto

unido disperso

não passa disto



traço incorreto

causa de impasse

contrato e teto

quisesse e ficasse



(2)

rito direto e rijo

sendo até rudimentar

da face faz-se desejo

beleza do elementar



atinge farto alimento

e faminta fome há

sede demais (sedento)

com vida revidará



o vindo de longas voltas

havido pelo vindouro

tendo amarras soltas

sem ter dado no couro



claro que firme e forte

estável estava fixo

supor obter suporte

ir pro lixo com o prolixo



perpetuar a fagulha

no escuro escondida

ela ali se vasculha

e sem escolha convida



ao fogo que ferro derrete

ferida quente confere

nenhum dito se repete

se não há quem o tolere



(...)



dez./86



PESSOA

tudo vale

a pena

se a palma

te acena

vale a pena

sendo tumor

benígno

não gangrena

vale a pena

a demasia

excessivamente

amena

vale a pena

voar

valseando

via Viena

vale a pena

ser dos ares

pássaro

até hiena

vale a pena

a vala

cavar-se

pequena

vale a pena

poesia

e poeta

de quarentena

vale a pena

a alma

não ter

esquema

vale a pena

solucionar-se

todo e qualquer

problema

vale a pena

desencadear

um terço

e novena

vale a pena

balancear

e medir-se

à trena

vale a pena

captar

ondas

de antena

vale a pena

cruzar

a ponte

de safena

vale a pena

apressar

tal qual

Senna

vale a pena

apreciar

o mar

de Cartagena

vale a pena

Navratílova

não se dizer

romena



vale a pena

loira

negra

ruiva/morena

vale a pena

a lei

libertar

se condena

vale a pena

ver dez

chegar

a centena

vale a pena

viver

com força

plena

vale a pena

repetir

e repetir

e repetir

a cantilena



dez./86



- Quem pensas que és?



- Sou o que penso...

Suspensos eis meus pés

em leve vôo intenso

de flutuante levitação

o corpo acima do chão.



- Ainda te lembras daquele tempo?



- Lembro. Mas já esqueci...



dez./86
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