olhando assim sem ver nem reparei que deparei comigo numa esquina ou numa encruzilhada de uma estrada que não levava a nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada nada ...
15-2-86
BOM JARDIM
Nas pastagens da fazenda
rumino minhas leituras
Rabisco tais escrituras
enveredando pela senda
da inspiração: oferenda
do ar dessas planuras
Dos olhos tiro a venda
e olho para as lonjuras
Águas, árvores, aves
Líquidas sombras suaves
Minha vida não tem fim
A paz é tanta. O gado
descansa ao sol, folgado
Ah! Fazenda Bom Jardim...
16-2-86
Dadivosas sois vós, filhas
do sonho imorredouro.
Sabeis o destino das ilhas,
tens o vosso ancoradouro.
Mercês dos ventos alísios,
deslizam nas ondas pacíficas,
içais as velas: são guisos
para rotas magníficas.
Ides rumo a Indonésia,
pela enseada de mar estranho.
Querendo ter amnésia
é só aí tomar banho.
A nau naufraga em Bali.
Balinesas, balinesas,
que minha boca se cale
diante de vossas belezas.
20-2-86
escrever a partir de um tema
raciocinar conforme o resumo
defendendo razões do esquema
do poema construído no prumo
daquilo que sou e presumo
obter a vertente da estética
da vontade/luz maiakovskiana
mensagem de nuvem hermética
ética frágil qual porcelana
o poema é meu supra-sumo
26-2-86
seu
tesão
é só
um T
maiúsculo
o meu
enrijece
cresce
aparece
desobedece
esdrúxulo
sangue
carne
desejo
ereto
músculo
28-2-86
não descarte
vidas
em Marte
destarte
em toda
parte
em remotas
rotas
entre estrelas
havê-las
nos poros
de meteoros
nos milhares
de quasares
nas lacunas
das dunas
2-3-86
(tens poesia no sangue)
deves dar sangue pela poesia
(tens poesia no sangue)
és poeta tipo sanguíneo universal
(tens poesia no sangue)
teu coração bombeia versos
(tens poesia no sangue)
anti-corpos e letras celulares
3-3-86
Posso escrever os versos mais tristes esta noite
e não ser Neruda
Ser trezentos e cinquenta
e não ser Mário de Andrade
Não ter nenhum caráter
e não macunaimar José Oswald
Ouvir o que disse o anjo torto
e infelizmente não ser Drummond
Leiloar um jardim multicor
e não ser a completa poeta Cecília
Pode fazer escuro e eu cantar
e jamais ser um Ferreirangular
Partir a gentil alma minha que Vaz
e não serei Luiz de Camões
Saber o segredo que a andorinha ouviu no fio
e toda cidade ficará sabendo que Henriqueta não sou
Na hora de trabalhar, as pernas pro ar
certo de não ser Murilo Mendes
É minha sina
Sabe como é
Quem desde sempre assina Flávio José
5-3-86
SOLIDÁGUA
Sou um homem cético
diante do poema concreto
pagando pra ver o poético
que há em cada objeto
Dando ao escalafobético
um sentido dito completo
sendo intérprete eclético
nele vendo o raro e seleto
O poema concreto solidifica
a vitamina palavreada
de ríspida rima rica
tateando a desmetrificada
água corrente de bica
de sua nascente purificada
6-3-86
Silêncio maior na tarde de outono.
Árvores amarelando suas folhas.
Paisagem serena de sol e mormaço.
O ar parado espera pelo vento.
E tudo é calma na sombra do tempo.
6-3-86
MÁRIOANDRADIANO
Não há um, nem dois, nem três,
nem outro tanto ou mais.
Nem dez, nem mil.; não vês
que sendo um já sou demais?
Sou tantos, inúmeros, vários,
diversos, incontáveis, enfim,
sou mais de cento e cinquenta Mários
e ainda assim sou terça parte de mim.
Não vês que não caibo dentro
de ti, de tudo e de nada.;
e por isso mesmo nem entro
na caixa toráxica vertebrada
deste corpo que se julga o centro
de minh alma descentralizada?
7-3-86
Ela vinha
de manhã
sem calcinha
e sutiã
Mas
(que falta de graça)
jamais
tirou
a couraça
8-3-86
Ei-lo, estampado sobre a paisagem.
Seu leque de raios abanando calor.
No deserto causa a sede e miragem.
Solapa do céu nuvens de seu vapor.
Infringe a regra da natural busca.
Solfeja o sol impondo nos ares.
A sombra de si por si só se ofusca
e faísca seu véu cobrindo altares.
Soletra cada raio e lazer propicia
ao corpo solto nessa altitude fria:
píncaros abismais de minh alma vazia.
9-3-86
AMOR VOGAL
I love A.
I love E.
I love I.
I love O.
I love U...
10-3-86
leu duas páginas:
a primeira e a última
e aliviado
livrou-se do livro
ali no vaso sanitário
ele é crítico literário
11-3-86
O que fará o faraó
finda a farra, ao se ferrar?
Os súditos lúcidos, ó,
obra a obra vão cobrar.
O que farão os esfarrapados?
Sua fanfarra erra: dá dó.
Abrem as asas os azarados:
uns são contra, outros pró.
O que dirá o diretor
da direita do Itororó?
É direito do reitor
reatar o laço e dar nó?
12-3-86
VISÕES
Profético, visionário,
anunciando o caos,
decorei o dicionário,
aprendi tocar Strauss,
tornei-me templário
de trinta e três graus.
Deste instante em Dante,
entre inferno e céu,
subi pela escada rolante
da torre de Babel
e desci pela estonteante
trança de Rapunzel.
13-3-86
somos
como
somos
graças
aos
cromossomos
13-3-86
As madrugadas se alongam.
Nem tudo dorme. Prevalece
um interromper constante.
Demorado amanhecer surge.
Repete-se o mormaço diário.
Dias vão e vêem.
Confirmo o crescimento definitivo
de raízes do homem à cidade,
num apego determinado.
As nuvens do destino modelam
formatos em variedades
as mais diversas possíveis.
14-3-86
A CIDADE (I)
A cidade é o relato dos homens,
a vida passada, vivida no tempo,
entre árvores, casas e ruas antigas.
Mãos anônimas a construíram,
fincando alicerces para sempre.
Silenciosas, traduziram a certeza
de sua realidade concreta e simples.
A cidade rompeu seu espaço
e cresceu, a planície habitada,
desde o turvo córrego ao pé da serra.
Em si, ela avança seus limites
e traduz seu lado contrário,
sustentado por vigas verticais,
se contendo como quem cai de sono
e jamais adormece por estar despertando.
A CIDADE (II)
As janelas são incontáveis.
Pelas portas que entram, saem.
Telhas por sobre as casas,
folhinhas verdes das sibipirunas,
esquinas por onde se cruzam.
Os homens, estes vivem para o trabalho:
edificar a cidade. A vida passa.
Essa terça-feira é apenas mais um dia.
15-3-86
Molhadas de chuva,
as árvores verdejam a cidade.
Copas folhadas folheiam ao vento
as páginas do tempo:
saudade, teu livro relemos
indo e vindo pela vida.
A manhã de amanhã
fica a dezesseis horas de agora.
A hora presente pressente o orvalho.
Chove.
A tarde toma banho.
Esta cidade já foi mais limpa.
16-3-86
Pajem do bebê poema
sugo maternal palavra:
leite sadio
no seio desta página.
Vigio.
Atento ao branco
saboreio dissabores.
17-3-86
Abro teu corpo
e aprofundo-me.
Dentro dele
alço vôo
percorrendo
delícias
paisagens
carnais.
Oh! altar
de néctar
sublimação
de esperas.
Desejo-te
ao sol
coração
de luz.
Dentro de ti
nossos corpos
se fundem
raízes suspensas
em prazeres
e ais.
18-3-86
O homem segue seu caminho.
Vai ao longe,
aonde quer chegar.
Chega.
Andando sozinho, sozinho.
E vê que ali
(ou lá)
não é seu lugar.
18-3-86
rever:
tudo passou
uma história in
terminável
uma história in
e narrável
19-3-86
O dia passou
num chove não molha.
Árvores tomaram banho
e sorriem para a noite.
O ar está parado.
Meu coração escurece
e a luz de nossos olhos
enfraquece.
19-3-86
antes muito antes
muito antes de ontem
dias muito distantes
dos dias nem me contem
são dias emocionantes
antes muito antes
muito antes de ontem
são lembranças constantes
que os sonhos remontem os amantes
19-3-86
de tempos em tempos
os balões flutuam
subo o mais alto
num vôo suave
lá de cima olho
minha cidade
zinha
19-3-86
Silêncio. Ouçam! Ouçam pelo vão.
Há uma voz interior sussurrando
com ofegante emoção,
se perguntando: até quando?
Até quando esperar o vindouro,
na crença de vir a verdade?
Meu coração vermelho fugiu do touro
e de suas ventas de atrocidade.
A voz tem som oco/tosco/opaco,
ressoando seu timbre vibrado,
qual tatu tatuado no buraco,
morto porque antes enterrado.
A fala destila trilha sonora de ecos.
A garganta é chão e galhos secos.
20-3-86
Um tema:
o risco que se corre
é a linha descrita
pelo poema
(...)
Se se retrai te trai
e não merecerá
este quase hai-kai
20-3-86
CACOFONIA é
o modo de ver
as coisas
que
loucas são
20-3-86
DACTILOS
o teclado da máquina de escrever tem 27 letras
pela ordem ei-las:
qwertyuiop
asdfghjklç
zxcvbnm
além do asterisco
da porcentagem
e do cifrão
exclamação
interrogação
os números
e tudo mais
a datilografia
é uma grande
é a maior curtição
(se bem que no computador
é bem superior)
21-3-86
atrás de vós
uma sombra
inocente
&
útil
torna-vos
personalista
&
fútil
- vosso é o sol?
consulte-o! -
21-3-86
o hipócrita
honra vos informar
que a mentira
de pernas curtas
está calçando
botas de sete-léguas
21-3-86
O SOPRO DO LUCRO
(I)
O som
de gaita
que ouço
é o som
da gaita
no bolso
(II)
dos mortos nada temo
que estes se foram
matéria etérea
plantada no chão
com os vivos cuidado
pois estão por aí
e mais e mais se humilham
por menos de um milhão
21-3-86
NOCAUTE
- Doadores de sangue
que fiquem próximo
ao ringue
(doadores
fizeram
fila)
Mike Tyson
vs.
Maguila
22-3-86
(I)
não
escrever
é
permanecer
no
ostracismo
(II)
que palavras tenho a mais
lições de vida prática
oficinas da gramática
de consoantes e vogais
22-3-86
Thelonius:
este é o nome
este é o homem
amado amém
ela delirava ao som da lira
e como Ava gardeneava seu filme
ele mitológico escreveu antologias
eros zeus phatos endeusados
ambos, ei-los,
à sombra de uma pilastra do Ateneu
24-3-86
RASCUNHO DE ANTERO ZUAL
Já não se vê o que se ouvia
quando vinha o alvorecer.
E à noitinha um tanger de plenitude,
a juventude tinha tudo sem poder,
numa atitude totalmente irreal.
Todavia, toda vez e quase sempre,
em que eu me lembre nunca deixei de pensar
nas esquinas nas meninas nos momentos
nos inventos criativos:
muito prazer!
25-3-86
Corpo de mulher, suave escultura
modelada em barro, em carne e osso.
Uma palavra te define: formosura!
Não me mates que ainda sou moço.
Expressão perfeita, doce criatura.
Ver-te sempre me causa alvoroço.
Amo-te, ó musa de minha literatura.
Não me mates que ainda sou moço.
27-3-86
o termo
a ser usado
está enfermo
hospitalizado
o termo
a ser usado
veio de terno
engravatado
o termo
a ser usado
está na urna
esticado
o termo
a ser usado
pra seu governo
foi enterrado
28-3-86
Relatei o que vi:
como Ezequiel
- o visionário bíblico -
deitei de lado
emudeci
comi excrementos
lucidamente viajei
às tumbas do silêncio
até que o filho do homem
fêz-se carne
e devorou-se
30-3-86
versos
têm
versões
várias
noções
diversas
de
uni
versos
ver
sáteis
30-3-86
Vida e tempo presente:
duas facas de um gume
viver é constantemente
o tempo não se resume
Ambos se acompanham
no trajeto que procuram
se se perdem, ganham
o que entre si apuram
30-3-86
Todos
indistintamente
usamos
distintivos
racionais
e por mais
instintivos
que sejamos
ainda assim
raciocinamos
mas nem sem-
pre
agimos com-
o pensamos
2-4-86
Onde o verso escondeu-se
foi sombra um dia foi sol
hoje apenas musgos infligem
a natureza de sua presença.
O verso quis ocultar-se
no pouco de cada coisa,
entretanto deu um basta
e ficou sem nenhum ritmo.
A ele, dizem os loucos
poetas da atualidade,
chegarão palavras novas
sem vogais e consoantes.
Mas a língua portuguesa
rio d águas passadas,
de pobre fêz-se mendiga
de sobras gramaticais.
Fruto de igual sabor,
não se revela, esconde-se
nas grimpas de copa verde
de árvore sem raiz.
O verso depende dela,
a indecifrável matrona,
senhora de seus limites,
mulher indigna dos poetas.
6-4-86
Sondar as ruelas
da velha cidade.
Aqui pisou Tomáz
o poeta inspirado
pela mulher irreal.
Nessa praça o alferes
conspirou contra todos.
Naquela casa sem número
residiu o escrivão.
Nessa outra sem rebôco
viveram andarilhos
e bêbados irreverentes.
A velha cidade dorme.
O passado é só história.
O tempo encarregou-se
dos mártires e traidores.
7-4-86
Dentro há
transcendental
universo humano
de enigmas verbais.
Sussurros, acordes
de música silenciosa
captando um som qualquer,
inaudível, inaudível.
Ao acordares em ti
algum símbolo de homem,
traduzirás este mundo
além do inatingível.
8-4-86
tudo é maior e melhor
quando somos universais
seres dotados de sentimentos
servos de nossa crença
donos de luz própria
a nos iluminar e conduzir
10-4-86
tua beleza
é de loba grávida
dando luz
à lua
11-4-86
na hora nem notei
a indiferença peculiar
dos homens de negócio
administrei o assunto
e logo entrou dinheiro
na conversa
ele tem um sonho impagável
de ver sua fisionomia
na nota de dois milhões
12-4-86
se
a
seta
indica
outro
alvo
o
arqueiro
fica
são
e
salvo
13-4-86
Pensar é exercício:
a mente é armazém:
seu estoque é vasto:
meditou e me ditou
palavras imaginárias:
o cérebro é fiação
de artérias mui sensíveis
13-4-86
recuperaste meu verso
há muito perdido
estava no esquecimento
e ficou exclusivo
aguardando sua hora
de ser lido no tempo
incubado no casulo
desta tua cabeça intensa
14-4-86
descobrir
quantas telhas
exatamente
cobrem as casas
desta cidade
quando chove
certamente
o número de pingos
é dez vezes
maior
15-4-86
defendamo-nos todos
ante o inimigo comum
passa à nossa porta
olhando-nos de soslaio
vive à espreita
identificando sonhos
cataloga nossos dias
de agendas censuradas
carimba nossos papéis
interditando nossas v/idas
jamais vencerá, creiam,
está desarmado de amigos
16-4-86
Plantei um ipê amarelo
que cresceu e deu flores
A cidade ficou maravilhada
com minh árvore florida
16-4-86
Clara
descobriu desde pequena
o que nasceu
primeiro:
não foi o ovo
nem a galinha:
foi a gema
16-4-86
Praça da Matriz
966 metros de altitude
palmeiras/sibipirunas/la floenses
A torre implora o céu rumo ao infinito
apontando o silêncio altíssimo
de um amor que se foi
e ficou
fincado em cada uma de todas as pedrinhas
de teu calçadão
Amor: saudade vivida
em tua longa extensão
há de durar o tempo
deste antigo casarão
Praça da Matriz:
fui feliz?
17-4-86
Olhos floreiam
ondulações no espaço temporal
Árvore cresce
na verticalidade clorofilada
Tudo paira
resignado pela criação apressada
Houve luz
e naquele instante nada se ou/viu
18-4-86
PATRIAZINHA SALVE SALVE
A ordem
progride
O progresso
ordena
A vida
se agride
Ó alma
pequena
À cura
convide
O câncer
gangrena
19-4-86
ILHA DE VITÓRIA
Vi o mar pela primeira vez
numa tarde quase noite
dum rubro mês de outubro
Lembro-me dos navios imensos
imersos nas águas balouçantes
em meio a ventania e chuva
O porto era confusão de línguas
de homens vindos de longe longe
estranhos em terra estrangeira
Seus navios eram possantes
cada qual com sua bandeira
tremulante em terra brasileira
Um destes navios ancorou seu nome
em minha memória mineira:
"blue line" - linha azul
O mar de Vitória é lindo
lá sou homem-ilha
e o Espírito Santo é divino
21-4-86
ANTENAS
Quem te vê
vidrado
na caixa
de madeira
plástico
e vidro
Sabe que tens
o olho comprido
capaz de ver
imagens
captar mensagens
em todos os sentidos
Quem teve
canais modulados
válvulas
sistemas transistorizados
sabe sondar-te
idiota do vídeo
com teu controle
modernamente
remoto
21-4-86
Ele
lê
o abc
lê o d
lê
f g
h i j l
Ele lê
m n o p q
sem por quês
e se acaso erre
é esse
que t u
zês
21-4-86
deus:
dândi por onde ande
ateu enquanto Eu
muito quando Sou
teu
23-4-86
Cabe a mim julgar
necessário seja
a poética titica
de certos blasfemadores
amadores
do templo da carochinha
26-4-86
TENSÃO
O tempo realiza. A distância
de revelar-se o lado oculto.
Chega-se ao sonho com ânsia,
o passado fica, faz-se vulto
de uma espera rica em vidas,
a cada segundo ciente de si,
entre sombras interrompidas,
entre espaços do que há aqui
nesse momento de expectativa
em que a alma se sente viva,
em que o corpo entra em gozo
de estranhas sensações reais
e marcas fincadas e imortais
ilusões do silêncio nervoso.
29-4-86
AO NAVEGANTE AVISO
Escrevo, escrevo, reescrevo,
servo da escrita irrestrita,
sirvo-me de uma oficinaflita
pagando o preso que devo
soltar no papel que dita
linhas ariscas em alto relevo.;
e a desfolhá-las me atrevo
a correr os riscos da escrita.
Bardo a bordo da nau temporã,
colherei já os frutos de amanhã,
ou já será colheita tardia?
No mar de amar, armarei o esteio
e lavrarei o livro de joio e centeio
com frases que só o vento es/colheria.
2-5-86
MAIO
as tardesmaiam em maio
mês de virgens que fulguram
moças: maçãs permitidas
noivas ansiosas: sim sim sim
o altar é mais embaixo
(que vulgar
lugar comum)
o cálice contém fome saciada
2-5-86
A FIRMA
Durmo. O noturno aconchego.;
repouso em nuvens de cansaço,
e nesse berço acho sossego
longe daquilo que faço.
Atrapalho-me no emprego,
a ele me entrego sem embaraço,
e volta e meia peço arrego
diante de qualquer erro crasso.
E dormindo um sono transitório
encaixo-me dentro do escritório
no realismo da vida prática.
Bato ponto, sou produto/produzindo,
e assim, nem mesmo dormindo
descanso da vida burocrática.
6-5-86
O verso não compensa
o crime de ser ou não
poeta de primeira linha
Que pensa pensa pensa
para chegar à conclusão
de raposa diante da vinha
A vontade é imensa
mas quede a inspiração
que me teve e me tinha?
7-5-86
passeio pelo campo
arvorecido/aqualuz
camisa branca/flores
no céu azul sol arde
insetos inquietos
são mais que espertos
peixes e águas:
um se respira no outro
8-5-86
o verso
é cortina
de fogo
em janela
de água
corrente
estando
a palavra
em jogo
a criação
é chama
ardente
8-5-86
De manhã
o sol aquece
À tarde
paira o mormaço
À noite
o tempo padece
sob o véu
de seu cansaço
8-5-86
BORGES
O cego tateia
imaginária paisagem
escura visão
de imagens esparsas
formas perplexas
dele diante de si
como algo no vácuo
ecoando nos breus
Nu, sem rosto
mãos inatingíveis
pés ausentes do chão
abismo ismo
sons atonais
sondas infinitas
de espaços galáticos
e sombras
9-5-86
que bom:
o bom é que
o que é bom
o é
é bom que o
bom o que é
é o que bom
é o
9-5-86
Entro
dentro
de
dentr
Dentro
de
dentro
entr
9-5-86
ADAPTAÇÃO
sanguínea corrente
alagou o peito
represou no pulmão
reteve o fluxo
da pulsação
com aparelhagens sofisticadas
exatas e computadorizadas
cardiologistas graduados
socorreram apressados
europeus e asiáticos
americanos catedráticos
latinos mais práticos
russos experientes
enfermeiras assistentes
todos com a mesma missão
chegaram à conclusão
que das tripas
não se faz coração
10-5-96
MATRIZ
Se relampeja
de perto da igreja saio
que na torre tem pára-raio
Mas, chovendo,
mais que correndo
nela entro
e fico santinho lá dentro
Fugindo de mim
eu me sigo
e se ali estou com Deus
estou comigo,
penso! Este é meu credo
Na casa do Pai me hospedo
Examino as feições dos santos
Meu Deus,
são vinte e tantos
Quando a chuva passa
deparo-me com a praça
Êta chuva abençoada
deixou-me a alma lavada
11-5-86
Deus
fez de seu dedo pincel
e com ele pintou
de azul o céu
Nuvens passaram em branco
11-5-86
DIA SEGUINTE
sábado
sou lerdo e lento
qual cágado
sou quase o pingo
no i
de domingo
11-5-86
BACALHAU
No navio
escandinavo
vi o viking
e a rainha cega
da Noruega
12-5-86
BANANOSA
Em Manágua
debaixo dum pé d água
não plantei bananeira
mas deu cacho:
chamei Ortega
de Noriega
Eu acho que foi lá
que molhei meu chapéu panamá
12-5-86
as catedrais se alongam
estendendo silenciosas
nas tardes dos dias de semana
estátuas olham
olhar petrificado
olhos de compaixão
é tudo ladainha
que em coro decoramos
e eu já fui coroinha
12-5-86
PÓSTUMO
Senhor de suas convicções
travou batalhas em campo neutro
Não venceu todas
mas lutou para ganhá-las
Despojado de vaidades
armou-se para o embate
de êxito e triunfo
A morte o coroou
13-5-86
MUSICAL
No verso que escrevo me atrevo
a retratar com relevo o som
como símbolo do eco a seco
com ou sem o sim do nem
um sinal de ver a sombra
verde dever a crescer ao sul
sendo assim azul azul áz
da côr em forma de cór
coração pulsando em sol
lá lá que dá dó
13-5-86
dou ênfase ao circunflexo
ó, não me esqueço do agudo
acho o português complexo
não tenho certeza de tudo
só sei que os acentos somem
e o til não é amigo do homem
14-5-86
o que há de bom
bombeia
o que há de som
sombreia
o que há de tom
tomba
o que há de bom
bomba
o que há de som
soma
o que há de tom
toma
em bom som e tom
15-5-86
Olhai
o olhar sobre
sai
a menina dos olhos
na retina da vida
revira a visão
de quem vê
a ação da cor
no coração da razão
15-5-86
ALIANÇA
O moçolteiro
direitista
é noivo
Se se casa
passa para
a esquerda
16-5-86
BIC
bic(a)
alva
espessura
pássaro
pernalta
soltando
tintazul
no branco
céu do papel
16-5-86
GARÇA
ave
cheia
de
graça
16-5-86
Rio da noite.
E o riso flui
líquido
corrente
lento
escuridão
adentro
16-5-86
HITLERIANO
- Adolfo
que tal as férias
no Golfo?
16-5-86
AO MARUJO
Siga a rota
da frota no mar
No Índico
indica
No Pacífico
pacifica
que o Atlântico
virá por acréscimo
17-5-86
No momento digo não
digo não momentâneo
ríspido rápido
não certeiro
assim insípido
(digo não
ao dicionário)
18-5-86
LITORÂNEO
Diante do mar não me contenho
e me ponho a sonhar todo infinito:
traço em meu corpo um desenho
geografia de um ser livre e bonito
Sinto-me grande, sempre crescente
além da estrutura que me revela:
fora de mim sei que estou presente
nessa grandeza líquida e bela
O mar me assusta, às vezes,
faz em mim acumularem-se deuses
de uma soberania sem-igual
Sou temente, crédulo e puro
diante do mar eu quero, juro,
ser eu mesmo de forma natural
ser eu mesmo sem-fim, afinal
19-5-86
Doei doeu: a herança era ânsia
Sobrou assombrou o só sóbrio
Dista disto irrestrita distância
Pobre descubro sobre o opóbrio
Driblo o estribilho e embaralho
Aparelho volumoso alto-falante
Que cabeça! Comecei o cabeçalho
Acabei gabando-me galã galante
Ceder amanhã cedo com fome e sede
Sob o casebre de telhas de ar e argila
Na viga está esticada esta rede
Deito nela a costela e a carcaça cochila
O sonho não pára para além da parede
Doa a dor: inventaria amor pedi-la
22-5-86
A reta configura
um alvo. Direta!
Rumo da procura.
Certa. Uma seta!
Corretamente in-
dica do virtual:
Só apenas o sim.
En)(fim. Afinal( )
23-5-86
Diga-me com quem andas
e te direi quem tu és.;
e falarei por quais bandas
tu metes as mãos pelos pés.
Caminhas ao lado dos falsos
e dos principais opressores.
E oprimidos, nossos percalços
não são só de dissabores.
Como sombra és nitidamente
notado em qualquer lugar
mas se tornas transparente
logo hás de se aprontar
se in-vestir de inconsciente
ao lado de quem vais estar
25-5-86
juntamente conosco
vamos começar a tentativa
nossa iniciativa é primar
para que a causa sobreviva
o céu ficará fosco
a noite não será festiva
quem quiser se molhar
enxugue a sede tempestiva
a ânsia estará convosco
na inundação, à deriva
o lance é ir e voltar
a indecisão é decisiva
e conosco ninguém podôsco
nenhum radar capta tal sensitiva
mas o lance é adaptar
a liberdade ao que lhe priva
28-5-86
Ria. No Rio ou na Bulgária. Ria.
Ria. Do horário. Do salário. Ria.
Ria da reformagrária. Da história.
Da faixa etária: ria. Ponte aérea
em Pretória. Embarcaria na Síria.
Sem ou com cárie: ria.
29-5-86
O DOADOR
Rui doou um rim.
Ele riu.
Não doeu.
Nem foi ruim.
29-5-86
Ter a palavra em qualquer hora e lugar
e com ela expressar a infinitude mental
dos códigos fotocelulares instantâneos
Traduzir os símbolos e com eles assimilar
os graus reacionários da semântica:
deusa toda poderosa & Ltda.
Gramaticalmente um texto visualiza
o que representar sua metalinguagem
apresentando entre-linhas reticências...
A palavra é junção de signe-ficado
e está acima de suspeitas ortografais
da classe desunida mas letrada
Ei-la nestes versos presentemente:
aqui/agora impondo-se impressa
ante vossos olhos de leitores
Palavra: escrita e/ou falada
diz o que quer dizer e até mais...
Além do que deixa sub-entendido
2-6-86
(1)
O CAMARADA
Nosso herói: iòreh traz pra frente.
Um camarada companheiro.
100%.
Seu dia de folga no Volga - recente,
causa de nosso intento, digamos, invento.
Ele, o bardo a bordo da nau decapitada
versejava sem rumo, ou melhor, navegava.
(2)
NILÁTS
O tempo foi-se
em que ficávamos martelando,
camaradas.
O Politburo
O Kremlim
A Nomenklatura
A Rua Treblinka
Comemos couve em Kiev
Górki é o máximo.
(3)
EMON ED OSSON IÒREH
oto too
otto toot
-(é palíndromo
não de palindromia)-
nome de nosso herói
i m p o r t a m o s
-(saiba que importa saber
de navio
ou avion
se o inglês v(l)er
um: saberá igualmente
muito mais - mas
dois: toquei
na Toca do Áporo
na Oropa
que apuro)-
achamos que faltou ar/puro
-(enrouqueci com tanto barulho)-
(4)
RECAÍDA MOROSA
-(escura suíte do Othon
nem noto a foto do broto do otto
que traz-me um coto
para que eu então possa vê-lo)-
e no abismo da noite
ouvimos um saltério
(5)
A VOLTA
antes da viagem de volta
para o interior
voltou-se para dentro de si
a roupa é pouca
vou arru/má-la
podemos ir
ele fala,
e só, ri
4-6-86
Começo pelas árvores: que encanto!
Floreiam. E à sombra de uma centenária
e verde e possante
escrevo.
Eis os versos:
um aprendizado silencioso
de folhas ruflantes.
O vento ventando.
O frescor das lembranças.
A respiração ofegante.
Agora sei que tudo ficou de papel passado.
6-6-86
O VINDOURO
Enquanto tem encanto
não me encontra
no entanto te garanto
minh alma está pronta
tanto que te adianto
a troca e a compra
Isto! Posto que de sobra
tudo até se antecipa
o que deve e nos cobra
e aquele que nos evita
que é firme e se dobra
e portanto nos estica
8-6-86
MINERAL
O sólido, em seu estado,
retém a fórmula em si.
E se diz, diz-se formado
em Nova Dely e aqui.
É duro e muito dura
seu formato consistente.
Tanto bate e não fura
mesmo que insistentemente.
Mas a duração é o de menos
na concepção dos por quês
de objetos grandes e pequenos.
Pode ser, quem sabe, talvez.;
somando, obtendo os cosenos,
liquidará com a solidez.
12-6-86
o
tarado
em
estado
de
choque
trepou
num
poste
14-6-86
CORRESPONDÊNCIAS
Poetas, cantai vossas musas
em versos definitivos.;
dai-lhes palavras confusas,
enchei-as de adjetivos.
Para vós, são intrusas
tornando-vos cativos,
ou são venenosas medusas
com seus molares crivos?
São mulheres de carne farta,
risonhas e bem vestidas,
lendo de Hesse, o Sidarta
e vossas cartas não lidas,
envoltas em pele de marta,
as ovelhas enlobecidas.
19-6-86
A noite enviuvou-se.
Vestiu-se de negro
e tem sono.
Virgem de sol
grávida de lua
cheia
repousa
em quarto minguante
e nem sonha.
22-6-86
BLUE
Uma pétala da asa de Dédalo,
que pena - caiu.; outras caíram.
E ele, altíssimo, incrédulo,
não viu o que outros viram.
Nem Santos Dumont do 14 Bis
marcou tempo no relógio de pulso.;
afinal, o céu espaçoso de Paris
permitia seu pássaro avulso.
A Terra é azul
De Bali a Istambul:
ave-leve-nave-clave-de-sol.
Azuladamente.
Instrumento blue.
26-6-86
A PEDRA
No tocante à pedra, é duro
afirmar que a criei objeto
de invenção, inconcluso projeto
a ser deter-minado num futuro.
Ela é perfecta, mineral puro,
poemaugusto (bom e concreto).
Pelos campos filosofou Epicuro
sobre a matéria, seu tema dileto:
"Ordenando-a, não obedece.;
duradoura em imóvel posição,
como está, fica, permanece
como que fincada no chão.
A pedra é o que parece
em seu aspecto de sólida solidão."
29-6-86
Eis a palavra em desuso
para expressar-te o tanto
de sons mudos do canto
que só para ti traduzo
A palavra é qual recanto
(nele o poeta é intruso
autor de livro inconcluso)
a espelhar um quebranto
da palavrinha repetida
(imagem na íris retida):
tom sobre tom de cor
ou cores de tintas tantas
que as palavras - são quantas
para te revelar meu amor?
5-7-86
(1)
o arco
e s t i c a
na flecha
a seta indica
finca
&
fica
(2)
a seta
e o alvo:
(uma maçã
na cabeça)
do poeta
calvo
9-7-86
IMPRESSÃO
Pregue os olhos
nestas letras
Páginas brancas
elas pretas
9-7-86
traduzir de mim
para ti
o momento sublime
de tudo
em que sou
meu próprio escudo
protegendo algo
que já perdi
conduzir de ti
para mim
o instante solene
do nada
em que és e estás
bem guardada
e portanto sozinha
aqui
12-7-86
Secretamente.
Silencioso ouço meu coracão
atento
a criar algum novo invento
como bom cientista
amoroso
12-7-86
de fome anda sedenta
de sede anda faminta
a morte caminha lenta
a vida não há quem sinta
a febre é mais distinta
a fossa se quer nojenta
de verdade há quem minta
mentira não se comenta
o caos de tudo se isenta
realmente como se pinta
a realidade é tormenta
e a certeza quase extinta
dinheiros? menos de trinta
tem o peso que se ausenta
que com mais prazer se requinta
ante a dor que experimenta
ei-la ali se apresenta
na vida que a todos finta
de forma clara e cinzenta
conforme é a cor da tinta
15-7-86
Ligo o belo ao livre
e trago líquido e certo
um som que ouso tinir
longe e às vezes perto
Sigo o vale do simples
e levo comigo a foice
para cortar certas ervas
da vegetação que foi-se
16-7-86
te chamo
camarada
e ficas
com essa cara
amarrada
te chamo
companheiro
e queres
me comprar
com dinheiro
te chamo
de amigo
e pensas
que só amo
meu umbigo
te chamo
de irmão
e dizes
precisar ir
mas não
assim
não
te
chamo
mais
de mais nada
18-7-86
se me chamam
bardo
digo:
ardo
com minha poética
de apimentações
sem estética
ou definições
contra caretas
o bardo da Garbo
e outras gretas
19-7-86
vendo com olhos livres
a s s i m
se não pagas
o olho da cara
pára
de te prenderes
(em pesares e prazeres)
a mim
21-7-86
DESVARIOS
Demonstro não ser - e sou.
Eu - primeira pessoa - singular
a destruir (oh! Deus) o altar
que minha ira amaldiçoou.
No melhor de meus sonhos acordo
e transbordo a noite: imaginações.
Estou em ti em todas aparições:
no teu barco, teu mar, a bordo.
Esqueço-me e perco-me em abandono
triste e só a recuar, indo sem volta.
Teu olhar me prende e assim me solta
deixando-me ficar entregue ao sono.
O mais é um silêncio absoluto
de espirais que aumentam e diminuem
de dias que vão e noites que fluem
na vastidão do passageiro minuto.
E cada segundo se torna o limite
entre a ida e vinda da vida diária.
A esperança é uma dor hereditária
que teu amor nega para que eu acredite.
26-7-86
Na floresta dos embaraços refugiei,
correndo sem rumo, louco, fugindo.
Uma perseguição que traduzir não sei
de tão cruel correria, assim vou indo
exaustivamente apavorado e temeroso,
ciente dos tantos pavorosos perigos,
fujo de mim, de Deus todo-poderoso,
fujo da paz, deixando-a aos inimigos.
E só, vejo-me entre árvores trançadas,
raízes à mostra e suas copas desgalhadas
dando um sombrio ar misterioso.
Tropeço, caio, levanto-me, insisto.
Quero ir, chegar, ficar não resisto.
Estar nessa floresta é muito perigoso.
8-8-86
A seu tempo deduz-se a constância
de uma vida renovada diariamente,
que sendo plena, é de alta relevância
no pedestal construído firmemente.
A ela volto meus olhos desvendados,
pois para vê-la torno-me mais vivo.;
atencioso, aconteço sob meus cuidados,
sobrevivendo aos dissabores que cultivo.
E na vida, tudo há sempre acontecido,
com mistério de viver o revivido
ante a certeza do que está por vir.
A vivência entende-se pelo existido,
realizado muito antes de ter havido.
Verei o que virá, bastando apenas resistir.
8-8-86
Cautela, cada passo medido,
num dado momento e trajeto.
Se o caminho é sempre reto,
é também o mais comprido.
Em altos e baixos se estende,
dando-se inteiro e estranho.
Um dia perdido é ganho,
uma luz se apaga e acende
o lume da dúvida expressa
no ir-e-vir desta estrada
que pé-ante-pé se atravessa,
sem se chegar ao destino
que em torno de si é nada,
a não ser um grão pequenino.
19-8-86
TE VI
A tela na sala
é cela, e cala
a família.
A tela brilha
como bela ilha
para náufragos
da imagem
que
à deriva
se salvam
sãos
e
são alvos
23-8-86
Kafka disse:
quando vier
a peste
quero estar
em Praga
24-8-86
ESTRELAS
respondes ao firmamento
as incontáveis estrelas contadas
e recontadas ao longe
em longas noites
quatrilhões delas
vermelhas e amarelas
estrelas estrelas estrelas
amarelas e vermelhas
24-8-86
NUVEM DE TERNO E GRAVATA
Na União Soviética
sem etiqueta: ética só vi
na boutique poética
do camarada Wladimir
25-8-86
CANSAÇO
O rústico fustiga o sentido
e afasta o fortuito fazer.
Empresta um frasco devolvido
contendo essência do ser.
É fragância vendida na fonte,
rente ao ponto de parte partida.;
vive a frente da sombra defronte
dessa árvore frondosa: a vida.
E reverte na volta um salto,
um rito solfeja o contralto
e palavras compõe, letradas.
De acordo com ele, quem revela
o laço contorna a parcela
das subidas desenfreadas.
26-8-86
Rara esta hora nesta era.
Agora, explora do presente
a aurora, pois em si prepondera
a tua mente onisciente.
Deveras, deverás ter tato
e trato, em contraste manifesto.
A hora é um vão a jato
e sabes o mais, o resto.
Deves desenvolver o dom
em afinidade, sem ou com.
(Quebrei o ritmo do poema.
É nisso que dá a falta de tema.)
27-8-86
a composição do corpo
como objeto vivificado
de líquido quente corrente
fazendo mover troncos
membros e cabeças
o sangue só se extingue
ao longo adormecer no mormaço
o corpo é composto do oposto
com restos de artefatos e outros
e com sangue que por si só se distingue
28-8-86
fora isso
o sucesso é um desserviço
o bagaço é um desperdício
o começo come só o início
e o mais é fictício:
fora isso: piço
(que esse é o único vício)
fogos de artifício
do alto do mais alto
edifício
28-8-86
1969
Que Yúri
procure
entre constelações
desde o solo
de sua Apolo
o inventivo
e criativo
Deus
Nos breus
interestelares
nos quasares
no inatingível
no invisível
nas galáxias
no buraco negro
de seu rumo cego
29-8-86
CRIANÇA:
Mama com fé e bagulho
na terra em que cresceste.
E nunca nunca pergunte
que país é este.
29-8-86
Em dado momento ruiu-se o muro
de Berlim e seu maior arquiteto,
um falso alemão que, credo, esconjuro,
o Fuerer enrabava direto.
Como cabia no orifício (furo),
aquele falo possante e ereto,
ejaculante... teso e duro,
osso colossal do esqueleto?
Hitler urrava, rasgava a suástica,
suava e gemia: era sua tática
de melhor possuir-se pelo garanhão.
Adolf, quem diria, segredava
sua tara nazista (e dava)
seu rabo sujo de líder alemão.
30-8-86
O pássaro age nos ares.
Suas duas asas flainando
são apenas penas ruflando
no vôo por sobre hectares
de terra.; vários lugares
ele perpassa voando.
Suas penas plenas pairando,
suspensas em seus pulsares.
Ele se eleva em sol/clave
de grave-canto, corpo-nave,
levemente pesando no ar.
Seu pouso é pausa-descanso
leveza no espaço manso.
Há tanto céu pra voar...
1-9-86
Divina fez média
na comédia
que estreou
Que tragédia
quem pagou
não gostou
2-9-86
V:
letra
de virtude
e vício
vês
o vôo
em que vou
aspas
vespas
ou
asas
de aves
vulg
ares
8-9-86
RIBEIRÃO BOM JARDIM
Admiro as quaresmeiras
margeando o Bom Jardim:
florescem alvissareiras...
Todo agosto é assim!
9-9-86
ESCALAFOBÉTICA
O que somos sem os sons?
Somos só soldados do soul
ou somos solitários do rock in roll?
yes or not?
Nossas posições são as mesmas
no braço da velha ranheta guitarra.
Não estamos sós. Viemos após.
Poeira da visão metálica.
O tempo é este. O tempo é já.
O tempo é tampa de jacá.
A unidade é unicamente
a união de um simnão!
13-9-86
O BOBO DA CORTE
O bobo da corte era cortês.
No palácio era palhaço.
- De bobeira,
com inteligência,
farei rir Vossa Excelência.
Porém, disse o rei:
- Não, nunca rirei.
Ria e ria a rainha,
sorrindo tudo que tinha.
Chorou de rir a princesa,
estampando toda tristeza.
O príncipe, a princípio,
coitado, de ira, riu, pirado.
O rei, de porre,
desceu as escadarias da torre.
Absoluto, pediu silêncio:
- Psssiiiuuu...
De súbito, deu de cara
com um súdito.
E de ímpeto,
estourou-lhe os tímpanos.
Depois contou os degraus
dois a dois.
Caiu.
E barulhento, disse:
- Ordeno e eu próprio
me condeno.
O rei riu, riu e riu
de sua lei.
17-9-86
Determinado a deter. Minado
da cabeça aos pés, eis que eclode
o estopim: um barulho sacode
e faz mover o imóvel ora parado
Corro só e grito socorro. Quem acode
o sôfrego poeta desinspirado?
Soneto, trova, elegia, ode...
Quem pode é apoderado.
21-9-86
A PROVA DOS NOVE
(I)
Os aventureiros chegaram.
Vieram todos ao mesmo tempo.
Uns maiores e melhores que outros.
E todos a fim de começar aquela batalha.
Dispostos a desvencilhar qualquer indefinição.
Certos de serem os vencedores apesar de tanta coisa.
Os aventureiros chegaram e já estão a caminho de novo nova mente.
(II)
São tantos.
Quanto mais
melhor.
Assim sem conta incontável
distinguem-se pelas vozes
e às vezes aprofundam-se
pens’ativos pensando
no que deixaram
no que ficou do que restou
muito antes de tudo enfim se acabar.
Agora era trilhar o desconhecido
buscando conhecer as fronteiras.
As afrontas enfrentarão de frente.
Aprontarão diante da calmaria
e seguirão o indicativo presente.
E futuristas jamais voltarão
e do jeito que são
quem sabe eles sabiam.
Quando vinham viam.
Onde iam
não.
(III)
Se chegassem chegariam.
A condição duvidosa das indicações:
por quais caminhos caminhariam?
Inúmeros. Muitos. Diversos. Demais.
Cada um no seu e cada um na sua
e todos atrás do bem-comum
do incomum que lhes comunicasse
a próxima verdade acerca do sim
que nada dá senão a certeza
(a não ser que certamente acertassem)
dos erros percalços
de uma caminhada longa
no lengalenga da mentalidade
de quem assim pensasse
sobre quem agisse
longe do disse-me-disse
eles ou algum deles falaria
o que na certa diria qualquer um
ou nenhum dissesse:
se fosse o que acabou-se
antes sêsse mas não ésse.
(IV)
Eis que dentre todos
apenas um: ele
o aventureiro do silêncio não se calou
e ergueu-se disposto a caminhar
posto que os outros ficaram no lugar
indecisos entre estradas atalhos e trilhas.
E ele sim - não pensou se compensava
tentar conhecer com tentativas
indo de encontro ao que lhe esperava
em algum ponto.
Se fosse iria.
E foi então que se ofereceu
digno de ser aceito caminhante
recusando-se esperar pelos demais
que ali estavam aguardando
dando um tempo sob o céu e o sol
e o clima era propício
para quem ficasse
e para quem fosse.
(V)
O caminho retoma o que há de
liberdade, pois se encaminha.
Vem de encontro. E encontra.
Busca para si o que traz para sempre
em suas duas paralelas de idas e vindas
de vidas que à sombra de dúvida
retornam ao começo e recomeçam.
Ir. Com o impulso mover-se
até que chegando lá
saindo daqui
são horas e dias e meses e anos.
Então é melhor dar o primeiro passo
que assim se chega longe e devagar.
(VI)
Foi. A ida é para chegar.
Ainda que muito diferente seja
mas é igual ao que não se iguala
a ante-sala do mistério primeiro
que era onde se encontrava o ar
que respirava o bravo e corajoso
herói na penumbra daquele lugar
onde nada se ouvia. Nem o silêncio.
Foi. Indo só com ele e ninguém mais
que mais ninguém entendeu o limite
e atendeu o convite que não se faz
a não ser pelo caminho que transite
este que é aventureiro e por aí vai
contraindo emoções
emoções que atrai.
(VII)
O que dizer
se ensurdecedoras
são as doentias audições do homem só?
Com essa ele resumiu a síntese.
E tratou de arranjar companhia.
Logo que possível queria conversa
com o verde que era cor disponível
ali no escuridéu de olhos e vendas
e sendas lindas pelas quais se via
uma sombra de gelo sobre paredes.
Não tremeu porque se aqueceu em si
de dentro e de fora aquém e além
como alguém que se revestisse bem
de quem também estivesse com frio.
(VIII)
Lembra-me a nave a neve e o nível
da penúltima onda branda espraiando
a meus pés no espaço frio de um mar.
O novo a nuvem e o níquel se aniquilam
nas mãos desta nossa poça a qual peço
não respingar no branco desta folha
que é pra não manchar o poema fresco.
Lembra-me de correr o risco e salientar
a fórmula mística que no íntimo guardo
de qual norma reativando o retrocesso
um processo sem sucesso e sem nada de nexo
um número fixo no eixo e eu não
eu procuro esquecer aquele ano de sessenta e
(IX)
O aventureiro reconhece:
que texto confuso este!
Ele hoje vai bem, obrigado!
É um chevalier da Ordem
primeiro vigilante
guardião iluminado
acabou como um iniciado
da Liga Municipal de Antropofagia.
Os outros (aqueles)
os demais aventureiros
- coitados -
não sabem o quanto é
bom e agradável
ocupar a cadeira de Mestre Oswald
30-9-86
POESIA PAU-
Armado de unhas e dentes
vais para a batalha carnal,
com teus pensares indecentes,
antropofágico, canibal...
És o mais entre os dementes.;
te julgas um deus, o tal...
Só pensas no entrementes
onde metes a cara-de-pau.
Vejo-te a pedir arrogo
ao apagar-se o fogo
que incendeia tua tocha.
Pagú, Antonieta, Tarsila...
São frios corpos de argila
para ti, Oswald, brocha...
6-10-86
O MORDOMO
O domínio do medo
se confirma nas pálpebras
do mordomo do castelo.
As olheiras de fraque azul-escuro
passeiam pelas tábuas do assoalho
enquanto no porão o gélido cadáver
está coberto de flores.
O assassino às soltas
esconde-se nas folhagens da paisagem
um campo verdejante expande-se além.
O perigo é de se temer
o medomina olhos estranhos
do serviçal que viu e calou-se
uma vida entre altas paredes
trancada por portas possantes.
É o velho morcego das noites
transeunte nos cômodos espaçosos
sinistramente sombrios.
O mordomo serviu o chá.
O morto, desde as duas.
Meia-lua entre nuvens.
O assassino fugiu a tempo.
Chegaram a polícia e a funerária.
A principal testemunha é uma tal senhora Lady Agatha.