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Contos-->Bumerangue -- 07/01/2002 - 11:44 (Ademir Garcia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
José Alfredo foi o último a bater na peteca e a deixou cair. Houve uma confusão danada. Era a regra, em que todos os participantes podiam dar um croque na cabeça do furão.
Em meio a tanta algazarra, todo mundo rindo à beça, alguns se aproveitando para fazer cócegas no coitado, ali deitado, ninguém percebeu que de tanto rir, ele havia perdido o fôlego. Estava até meio roxo.
Foi um tal de afasta daí. . ,levanta ele. . ,busca água ligeiro . . .
De repente o danado se levantou e saiu correndo, rindo e cantando; —Enganei a turma, bota na urna . . . se eu for eleito, não vai ter jeito . . . fico sem ajudante, tem trouxa bastante . . .
Voltou minutos depois, ainda ria muito.
—Ô meu, onde foi com a peteca ?, — interpelou Celinha.
—Fui em casa tomar água, fiquei morrendo de sede.
—Você esfriou a brincadeira, disse Zezé.
—E daí ?, a gente esquenta ela de novo.
E começou tudo outra vez. Zezé joga prá Lúcia, que rebate pro Chico, que lança torto pro Zé Alfredo e ele esbraveja, — É marcação ! — Mas mesmo assim devolve prá Celinha, que atirou para o Emílio. Ele acertou um tapa tão legal na bichinha, que ela subiu uns quinze metros e veio caindo feito um foguete prá cima da Maria Célia. Furou.
—Ninguém me pega, vou prá Noruega . . ., saiu cantando.
Fugiu e não voltou. Era a única que estava na brincadeira usando saia e não quis arriscar ser jogada na grama em meio a croques e cócegas.
—Pega o Chico !, — gritou alguém entusiasmado.
Sobrou prá ele por que a regra funcionava assim, se a namorada foge, o namorado paga o erro e vice-versa.
Entardeceu muito rápido.
Em casa, Emílio entrou no chuveiro e nem pode dizer que tomou um banho restaurador. Ouviu um dos rapazes gritar no portão e se pôs alerta, querendo entender.
—Emilio , ô Emilio. . . .Emiliooo . . .
Sua mãe foi atender. Era o Rosinha. Seu sobrenome era Rosa e desde a infância o chamavam assim.
—O que foi ? Emilio acabou de chegar e está no chuveiro.
—Manda ele deixar o banho prá sábado.
—Por que a pressa ? Sexta também é dia de banho.
—Lá em casa a gente só toma no sábado. Minha mãe deixa.
A turma era irreverente. Todo mundo se sentia a vontade para brincadeiras, pois todos se conheciam. Também pudera, a cidade era tão pequena, que quando Armstrong andou na lua, se fosse em Reginópolis ele a cruzaria no terceiro passo. Antecipou o fim do banho. Rosinha já estava ali, na porta do banheiro.
—Ô meu, apressa aí que a turma tá querendo ir a um baile, no Ribeirão Doce.
—Mas é cedo e ainda não jantei.
—É isso ! Resolvemos fazer um piquenique com fogueira no caminho e no sorteio, sobrou nós dois prá comprarmos o lanche e a cerveja.
E lá foram eles. —Tchau Mãe !
Quando saíram, um pequeno desabafo ficou no ar. — Esses meninos não têm jeito mesmo.
Para essas ocasiões, na verdade rotineiras, tinham um esquema já quase montado. Primeiro no Zeferino prá comprar azeitonas e outras conservas, no açougue do Sidnei os cubinhos de carne, pãezinhos quentes e por fim, o Thirso fornecia a cerveja e os frios.
Tinham tudo organizado por volta de oito da noite.
Dividiram a turma em cinco carros e partiram. Vinte e dois ao todo.
Foi uma noite inesquecível. A presença da lua no céu deu um banho de camaradagem, iluminando como se fosse por ordem divina; um dia depois do crepúsculo.
Tinham o que um grupo de jovens pode desejar. Amizade, muita alegria, merenda farta, o Zé Luis no violão e o Bita na gaita.
As meninas inflamavam a diferença; sabiam a letra de todas as músicas do momento. Rolava a Bossa-nova.
Dispuseram os carros em um grande círculo e com os pisca-piscas ligados prá dar um clima, todo mundo caiu na dança. Lua, rock-and-rol, iê-iê-iê e por aí afora.
Em certo momento, o Nadir, talvez o mais quieto deles, lembrou.
—Pessoal, hoje é sexta-feira treze.
Não deu outra, sempre tinham os mais levados.
João Herculano, Elias Moura, Chico, Bardy e até meninas, Maria Adélia, Nenê e Neuza, e mais alguém cujo nome fugiu da memória, saíram em direção a um sítio próximo.
Contaram que apanharam mamões verdes e neles perfuraram caricaturas, fixaram sobre mourões em volta da casa, com velas acesas dentro deles.
Foi muito engraçado. Daí surgiu ambiente para muitas histórias de mula sem cabeça, sací-pererê, casa mal assombrada e outras superstições típicas do lugar.
Naturalmente, logo algumas meninas reclamaram e a festiva retornou.
Certamente já passava das três da madrugada e, da fogueira, apenas o vermelhão das brasas no meio da grama, quando o Bita convidou.
—Ei ! Vamos cantar Sentado a Beira do Caminho.
Era sua música preferida. Cantaram.
Súbito, um estampido e latidos de cães. O dono do sítio descobriu a brincadeira dos mamões, autênticas caveiras e pelo jeito não gostou nem um pouquinho.
A fuga também foi divertida. Muitas coisas sobre os carros, namorados separados, sapatos trocados e toda aquela correria com os faróis apagados. Uma verdadeira caravana silenciosa.
Meia hora depois já estavam na praça e como se não fosse possível se despedirem sem um bom motivo de risos, Ângela deu o toque final.
—Ei, pessoal ! E o baile no Ribeirão Doce ?
Foi mesmo uma risada geral, pois haviam se esquecido totalmente do baile.
Sempre que se deitava após uma noite tão agradável, Emílio tinha uma enorme dificuldade em dormir. Seu espírito ficava desperto e muito agitado. Às vezes sentia um certo medo em pensar que um dia as coisas mudariam.
Um calafrio. Com efeito, era sua reação diante da idéia de mudanças. Nelas via a partida de vários amigos, o casamento de outros, enfim, mudanças.
Tinha fortes razões para acreditar que estariam próximas. A cidade era pequena, empregos escassos e, principalmente, no máximo em dois anos estariam terminando o colégio.
Isso sempre volta à sua lembrança, e lhe trás saudade.
Dois anos se passaram.
Um fevereiro desses de Carnaval, lá pelos idos de 1973, viu-se Emílio, diferentemente dos motivos da maioria de seus amigos, na contingência de se transferir para a Capital.
Diferentemente sim, porque alguns estavam se mudando para outras localidades, a fim de complementar os estudos e outros, em busca de emprego. Ele já possuía um bom emprego e cursava contabilidade na vizinha cidade de Pirajuí.
Num baile de final de ano, talvez uma formatura, daqueles em que toda a pretensa sociedade comparece, lá estavam eles dispersos pelas mesas. Afinal, no seu entender e quiçá de toda a turma, aquela juventude representava a essência de qualquer festa.
Ficava a impressão que, em se tratando de falar em festas e bailes, podia escapar de forma insuspeita sua paixão por esse lado da vida. Adorava dançar.
Ah! Se as pessoas dançassem sempre, a vida seria uma festa contínua. Costumava expressar.
Foi nesse baile que as coisas transformaram seu destino, ou fizeram com que ele mantivesse o curso normal.
A certa altura, dirigiu-se a uma mesa ao lado e convidou uma garota para dançar. Seu convite foi vetado. Quase um praxe de situações como essa, para disfarçar um pouco, sentou-se ao lado dela para um dedinho de prosa. Poucos minutos.
Bobagem dele. Repentinamente lhe ocorreu que deixava dúvidas entre ser menina ou menina-moça. Talvez debutasse naquela noite. Mas que estava no baile, lá isso estava.
Pouco tempo depois, estacionou um brutamontes barbudo em frente à mesa da turma e, dizendo-se primo da garota, queria tirar satisfações por ela ter se constrangido com o Emílio. Desferiu um soco que não o atingiu, mas derrubou seus óculos. É, usa óculos.
A batota também ficou constrangida. Eram de paz. Uma pureza conjunta.
Quando a banda iniciou nova seleção de músicas, o pessoal todo foi prá pista e no meio de tanta gente dançando, alguém conhecido, mas que não denunciam, deu uma rasteira no grandalhão e propiciou a todos um totózinho com o sapato. Disfarce geral.
Ele tinha um chefe naquele bom emprego. Era o Nacim. Era ele também um dos diretores do clube.
Ti-ti-ti prá cá, ti-ti-ti prá lá e pronto. Desconfiaram e a coisa chegou até eles. Expulsos do baile, um bailão, faltando ainda pelo menos duas seleções.
Pode ser que já tivesse outras experiências, mas com aquela expulsão descobriu que para muitas coisas, sempre há a primeira vez. Que vexame.
Vexame maior foi na segunda-feira. O Nacim resolveu que aquele assunto teria repercussão negativa em suas atividades. Não concordou. Insistiu. Recusou a insistência.
Bem, é um longo embate que terminou com sua transferência para a Capital.
Alguns anos mais tarde, pode-se dizer que assimilou as razões do Nacim. São amigos.
Guarda a impressão de que carrega aquele amanhecer, como se acontecido há poucos dias. Claro que todo dia amanhece. Mas, aquele dia o excitou inesquecivelmente.
Chegaram cedo ao bar do Ovidio, de onde partia o ônibus. Ele e sua mãe.
Não tão cedo que despertasse curiosidades, impertinências alheias do tipo; Ih! Tá com medo de perder o ônibus. Mas com tempo bastante para comprar umas guloseimas, cigarros e até mesmo ficar achando que o motorista atrasou, ou que fazia mais de hora que estavam esperando. Tudo excitação, enfim.
Sua mãe, sábia quanto os sagrados nomes do livro maior, mantinha-se em silêncio, numa quietude assim meio vigilante, demonstrando conhecê-lo profundamente e que naqueles instantes ele já fazia na mente uma longa viagem.
Crê que nasceu para viajar com a mente no mais corriqueiro dos temas.
Primeiro dia em São Paulo. Segundo dia em São Paulo.
Transcorria o destino em meses e anos. Pode-se dizer que fez muitos novos amigos.
Progrediu no emprego e certa vez protagonizou uma passagem assim:
—Você tem algum compromisso para o próximo sábado a noite?
A pessoa que lhe fez a pergunta não parecia muito convicta, tampouco conseguia disfarçar seu rubor. Eventualmente, socorria alguma amiga.
—Não. Estou sem qualquer compromisso. Porque ? Devolveu a pergunta.
—Sabe, é que tenho uma amiga que me pediu para vender alguns convites de seu baile de formatura, então pensei . . .
Nem havia necessidade de pensar. Imagine alguém lhe convidando para um baile.
Por outro lado, ele jamais assumia compromissos para sábados e para dia nenhum. Desde criança gostava que os acontecimentos ocorressem de maneira natural.
—Está bem ! Considere-me um dos convidados. Quem mais já convidou ?
—Vão a Marlei, o Gilson, a Marisa e ainda vou convidar outros conhecidos.
—Que ótimo! Creio que me acham uma pessoa bastante expansiva, mas na verdade levo uma vida meio peregrina e na maioria das vezes gosto de estar sozinho. Me faz bem quando estou reunido com uma boa turma. Parece um oásis na azáfama.
Voltaram a seus afazeres, sem que o fato tenha trazido qualquer interesse diferente, salvo na ante-véspera do baile quando mexeu ao assunto.
—E então, conseguiu vender todos os convites. Formulou a pergunta de maneira pouco interessada, muito mais com jeito de quem pretende mostrar-se simpático.
—Ah! Sim, vendi todos.
—E o pessoal, parece animado, ou estão acostumados a saírem juntos?
—Não notei. Mas creio que estão, pois é a primeira vez que sairemos juntos. Muitos são colegas de trabalho há pouco tempo.
—Vão se entrosar. Faz bem de vez em quando acontecerem reuniões entre colegas, fora do ambiente de trabalho. Melhora o relacionamento e surgem novas amizades.
—É. É verdade . . .
Apesar de reticente em continuar conversando, o diálogo não teve a apatia do primeiro, quando lhe ofereceu o convite.
Chegou o sábado e, coincidentemente vizinhos, não foi difícil marcarem o horário, quando então deveriam passar pela casa da Marlei e de algum outro carona.
Embora com certa simplicidade, parece que Emílio se trajou com esmero para aquela noite. Iria acompanhado de uma pessoa que, depois do convite, passou a observar com mais proximidade, com olhos menos profissionais. Sem dúvida começou a admirá-la com simpatia.
Ainda desconhece as verdadeiras razões que provocaram a ausência dos demais convidados, os seus conhecidos, evidentemente. A Marlei mostrou-se bastante gripada quando foram apanhá-la e tinha o recado de alguns outros, que também não poderiam comparecer, por motivos variados como viagem, visita de última hora, etc. .
—Puxa ! Que pena. — Expressou de maneira casual, porém sincera. Mais tarde sentiu que seu inconsciente teve motivo para outro sentimento com relação às ausências. Absteve-se de expressá-lo.
—É mesmo. Nem sei o que vou justificar para minha amiga. É sua formatura e acho que seria legal que fossem bastante conhecidos ao seu baile.
Foram apenas os dois. Dançaram e conversaram longamente no salão da Casa de Portugal, lugar do evento.
Ah!, sim, ele e Sú dançaram I Left My Heart In San Francisco na voz de Tony Benetti. Houve um beijo durante aquela dança. Pôde parecer um beijo atrevido, mas foi espontâneo.
Isso sempre lhe volta à lembrança e trás saudade.
Como dizem os filósofos, nada detém o destino. E ele continuou sua marcha, ora de maneira serena, ora com seus atropelos, mas sempre destino, sempre seguindo.
Com essa expressão, a caminhada pela terra parece resumir-se a essas poucas situações . . . . . . .ora serenas, ora com atropelos, pensava Emílio.
Logicamente que esses intervalos foram recheados de aventuras, lufa-lufas, alegrias, umas corriqueiras e outras abundantes, tristezas, algumas banais e outras amargas. As tristezas podem ser também muito amargas.
A mais amarga delas, que inda hoje mantém o gosto de fel guardado no âmago dos seus sentimentos, ocorreu quando perdeu sua poetisa, a sábia mãe que a partir dos idos de 1987 deixou de lhe remeter suas cartas. Sua mãe não escrevia cartas, escrevia poemas. Todo mês um poema. Era assim que ele entendia cada epístola sua.
Ah! Mas também há que se referir a alguma alegria, não corriqueira, uma alegria abundante, daquelas que desordenam a alma, descompassam o coração.
Sente enorme dificuldade em descrever suas alegrias. Demonstra a impressão que elas vão ocorrendo na vida das pessoas e se somando em suas entranhas.
Insiste na verdade, que constantemente lhe prende o siso, a idéia de que tantas foram suas alegrias até os dias de hoje, o que lhe deixa bastante à vontade para afirmar que a vida é simplesmente uma grande felicidade.
Abundante a alegria de ter seu pai, seu herói, oito irmãos maravilhosos, seus companheiros, uma esposa, verdadeira cúmplice e três filhos muito amados.
Amigos. Há um sem fim de alegrias deixadas por seus amigos.
Tantos anos se passaram, diz que não será interpretada como maldade sua se disser quem é o seu amigo que derrubou o grandalhão, aquele do baile que mudou o trajeto do seu destino, ou pôs ele no curso, sabe-se lá !? Pois bem, seu nome é Alcino.
Ah! Sim, vale lembrar que se casou com a garota do baile. A Sú, com quem dançou I Left My Heart In San Francisco naquela noite inesquecível.
Tudo lhe volta sempre à lembrança.
A vida sempre volta à lembrança e trás saudade.
Bumerangue . . . . . .

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