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Contos-->Além do Atlântico -- 07/01/2002 - 12:59 (Ademir Garcia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ALÉM DO ATLÂNTICO


Reconheceu Carla pela voz.
Sentiu-se um pouco agitada enquanto aguardava no saguão, sem entender muito bem a demora. Ficou especulando com as idéias, de que Carla teria trazido grande excesso de bagagem, muitos presentes, roupas, perfumes e um monte de besteiras. Carla sempre foi de comprar bobagens e depois descobrir que não sabe suas utilidades.
Olhou tantas vezes para os relógios do braço e do aeroporto, que em certo momento exclamou: —Já nem me lembro por quanto tempo estou esperando!
Começou então a fazer contas, lembrando que se levantara às cinco da manhã, porque a chegada do vôo estava prevista para as sete. Exclamou de novo: —Meu Deus, já são quase dez horas ! Deve estar acontecendo alguma coisa de errado.
Foi ao balcão de informações e disparou.
—Por favor, o senhor quer me informar o que está ocorrendo naquela ante-sala. Minha amiga desembarcou há horas e ainda não saiu. Será algum problema ? . . .
—A senhora pode me dizer a origem do vôo que trouxe sua amiga ?
—Paris.
—Ah ! Sim, houve um pequeno contratempo, porém os passageiros já estão sendo liberados. Respondeu com delicadeza o rapaz.
—Contratempo ? Com minha amiga ou com outros passageiros ?
—Sinto muito, senhora, mas não tenho essas informações.
Enquanto inquiria o jovem informante, houve a liberação dos recém-chegados.
O tal probleminha envolveu realmente algumas pessoas, entre elas Carla, pois saíram da ante-sala com suas bagagens já nos carrinhos. Os demais retiravam seus pertences na esteira rolante.
—Ah ! Minha amiga, eu já estava aflita. Disse, enquanto envolviam-se num abraço bem demorado e completou: —Não vejo a hora de saber como foi tudo, tim-tim por tim-tim, inclusive sobre aquela paradinha a mais na Espanha.
—Tereza, eu é que estou louca para contar-lhe tudo. Menina, foi ótimo.
Seguiram até o carro com ajuda de dois carregadores, pois realmente havia muita bagagem, como Tereza tinha previsto.
Já na rodovia, Carla começou a contar sua viagem.
—Menina, você tem que viajar comigo nas próximas férias. Tudo é tão maravilhoso, mas após alguns dias senti muito a falta de companhia, sabe como é, a gente tem vontade de compartilhar as coisas. Na Inglaterra, por exemplo, saímos de uma boate numa noite e resolvemos parar num “pub” freqüentado por marinheiros. Já estava de boa prosa com um oficial norueguês e o pessoal resolveu ir embora. Sempre tem alguém que só quer ficar dentro do roteiro, outro que tem hora certa para telefonar aos filhos e o que é pior, teve um homem que ficou com ciúmes da mulher e aprontou uma. Acredita que ele deu um murro tão forte num marujo que o grandalhão desmontou feito uma abóbora madura. Aí foi um fuzuê completo.
—Mas e o norueguês ? Você não deu o telefone, sei lá . . .
—Que nada, esses homens não querem saber disso. Você sai de cena e eles já estão em outra companhia. Eu também não podia ficar marcando compromissos, queria tempo prá conhecer outros lugares, mas se tivesse alguém que acompanhasse, poderia ter esticado um pouquinho mais a noite. Na Espanha sim, abandonei a turma da excursão e não quis nem saber. Mas, depois te conto melhor.
Fez pequena pausa e continuou falando muito sobre Londres, seus castelos, a imperdível troca da guarda no palácio de Buckinnhan.
—Paris não é mais bonita ? Interrompeu Tereza, com voz de quem não estava prestando muito a atenção. Carla não deu relevância, mas notou.
—Ah ! Claro, Paris tem uma vida noturna inigualável, mas isso não diminui a beleza londrina, com aquele agradável jeito de austeridade, acho que é influência do sistema de governo, com rainha, príncipe e princesa, sei lá. Paris é o oposto, as pessoas são mais românticas, despojadas no modo de se comunicarem, aí creio que já seja por causa da moda, dos perfumes. Por falar em perfume, . . .
Parou de falar e ficou observando a amiga ao volante.
—O que houve com você, Tereza. Está aí toda ensimesmada que nem me ouve. Tenho certeza que vou ter que contar tudo outra vez. O que é que há, amiga ?
Realmente, Tereza estava distante e não ouviu tampouco a observação de Carla.
—Ei ! Dá prá dizer o que houve ? Repetiu.
A amiga entretanto, não só guiava de forma automata, como também tinha os olhos marejados.
Ficaram ambas em silêncio por vários minutos, Carla como se quisesse participar do problema, demonstrando um certo respeito.
Chegaram ao prédio onde moravam e já o porteiro e o zelador estavam esperando para ajudar. Tereza tinha providenciado isso. Sempre fora prestativa, assim como era prestimosa.
O elevador de serviço subiu lotado com as malas e os dois homens.
Quando entraram no elevador social, Tereza não mais se conteve. Abraçou Carla feito uma criança carente, bem apertado e começou a chorar. Não havia como interrompê-la. Soluçava muito forte.
—Isso faz bem, chore . . . desabafe. Balbuciou Carla, consternada.
Ao descerem, acalmou-se, enxugou os olhos e fingiu esboçar um sorriso aos homens que saíram do outro elevador.
—Desculpe-me, creio que me emocionei com sua chegada, mais o cansaço, ontem dormi tarde e hoje madruguei. Desculpe-me, insistiu.
—Nem pense nisso, eu é quem devo lhe agradecer . . .
Mais uma vez Carla notou que havia algo de errado. Calou sobre isso e começou a desfazer as malas, enquanto Tereza foi completar a mesa, já que havia solicitado à empregada que preparasse uma deliciosa feijoada. É praxe receber quem volta do exterior com feijoada e Dalva, a empregada de Carla, é um primor na cozinha.
Qualquer um que conheça um pouco dessas duas amigas, poderia imaginar o resto daquele dia.
Já durante o almoço, a coisa foi se tornando muito engraçada. Um pedaço de costeleta em meio a um telefonema prá avisar a Luiza de seu retorno, mais um pouco de feijoada sentada no sofá para abrir uma caixa cheia de souvenirs, um copo de suco debruçada na cama enquanto mostra a Tereza umas camisolas. E Tereza vendo as peças e ouvindo Carla, ainda achou tempo de ir ligando às outras amigas, Silvia, Roberta, Renata, Maria Clara e aos amigos Pedro Henrique e Percival. Todos foram convidados para um cafézinho mais à tarde. Se não convidados, viriam do mesmo modo, principalmente contando com o agito do Perci, como é chamado o Percival, cabeleireiro de todos os outros. É uma locomotiva, como ele próprio se define. É homossexual.
Dalva andava atrás das duas por todos os comodos, retirando um copo aqui, um prato ali, uma xícara acolá, querendo evitar bagunça maior.
Em determinado momento, ficaram em pé no meio da sala, entreolharam-se, olharam ao redor e começaram a rir. As três riram escandalosamente.
—Não dá mais prá andar dentro de casa. Disse Dalva.
—Então, sua danadinha, comece a jogar estas caixas vazias. Respondeu Carla.
Tocam a campainha e Tereza vai atender.
—Mas toda a cambada de uma só vez ? Podem esperar uns minutinhos ai fora, porque aqui dentro não cabe mais ninguém. Começaram a rir novamente, agora acompanhados pela turma do lado de fora.
Retiraram uma parte da bagunça em meio a abraços, beijos e muita brincadeira.
—Não quero nem saber o que você já contou, pode começar tudinho de novo. Isto propôs Perci e foi atendido.
—Antes, preciso entregar uma lembrancinha prá Tereza, esperei vocês como testemunhas.
Uma bonita embalagem de madeira, em cada lado um ponto turístico de Paris, ou seja, a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, Champs Elisés e o Lidô em noite de festa. Dentro da embalagem, doze dos melhores perfumes franceses.
Tereza ficou sem fala uns instantes, depois disse com voz muito embargada.
—Amiga, assim você me mata . . . Abraçou Carla e chorou mais um pouco.
—E a tal história espanhola ? Indagou Maria Clara.
—Ah, Sim ! Fomos assistir uma tourada em Madri. Eu jamais tinha imaginado que fosse tão emocionante. Aqueles touros enormes indo prá cima dos toureiros com toda força, aqueles chifres pontudos, uma loucura. Cada vez que o touro vai prá cima deles, a platéia fica num silêncio de meter medo, dá até arrepios.
—Mas, é só isso ? Espetou Roberta.
—Que nada, aí eles tiram a capa com toda aquela elegância e um grande coro entoa, Ooooolééééé´. . . é muito lindo.
—Mas, é só isso ? Apimentou de vez Renata. E Tereza, já refeita completou.
—Tô esperando essa saga desde o aeroporto.
—Vocês são muito impacientes. Acontece que no final, o toureiro sempre atira a sua boina e um deles, em vez de atirar, veio e deu a sua na minha mão, por cima do cercado da arena.
—E daí. Disse um deles.
—E daí que me reconheceu do hotel, deu a boina e falou: —Até a hora do jantar, senhorita. Depois curvou-se naquele gesto galanteador.
Quanto terminou essa frase, Pedro Henrique estava curvado, repetindo a atitude do toureiro. Riram todos, pois sabiam que ele era descendente de espanhóis.
—Cuidado, Pedro Henrique, nossa amiguinha não pode ver um espanhol que já fica toda dengosa. Maria Clara disse isso e deu uma cutucada com o sapato na canela de Roberta. Ambas conheciam a queda de Pedro Henrique por Carla.
Riam o tempo todo.
—No hotel, ninguém sabia onde se encontrava Hugo Herrera, “El Espadachim” como era chamado. O gerente disse que talvez estivesse comemorando, ou coisa assim, como é o costume deles.
Então Carla contou mais, que El Espadachim era lindo, moreno de olhos azuis, muito forte e que tinha reservado a melhor mesa de um famoso restaurante. Mandou buscá-la de carruagem e durante o jantar, os músicos vinham até perto da mesa reverenciá-la com canções românticas. Parecia apaixonado, talvez até estivesse, pois convidou-a em outras noites para vários eventos.
—Mas você não voltou casada, não é ? Brincou Renata, a mais tímida deles.
—Aí entra a pior e a melhor parte. Creio que vou abandoná-los, meus amigos, é a parte ruim. A melhor, é que realmente nos apaixonamos e quero organizar minhas coisas, os negócios e em mais ou menos um mês devo estar indo embora para nos casarmos.
—Isso tudo aconteceu assim tão rápido, você é fogo, hem amiga ! Será que comigo também vai acontecer uma história assim, toureiro, moreno . . . Agora foi Perci quem brincou, com seu jeito delicado. Perci tem gestos afeminados, mas não deprava.
Todos os amigos receberam vários presentes de Carla. Ficou mesmo a impressão de que muitos objetos não eram para presentes, ou deveriam sê-lo para outras pessoas. Com o tal caso espanhol, a necessidade de livrar-se mais rapidamente de tudo que pudesse, quem sabe a influenciou a esbanjar um pouco com os amigos mais chegados.
Maria Clara e Roberta deitadas no tapete da sala, trocavam impressões sobre o que ganharam; relógios, perfumes, roupas, maquiagens de todo tipo e Pedro Henrique, apesar de um pouco chateado com a mudança de rumos de Carla, dava-lhe atenção redobrada na varanda, em meio às piadinhas de Perci.
De repente Perci interrompeu não só uma piada, mas deu um susto geral.
—Ei ! Onde se meteu a Tereza ? Essa maluquinha anda meio diferente desde ontem à noite. Pedi comida chinesa e ela nem comeu.
Encontraram-na no quarto, sentada no chão e de bruços sobre a cama, chorando copiosamente.
—Meu Deus ! Que recepção você vem me fazendo. Desde o aeroporto que anda estranha, pois agora não tem mais desculpa, vai contar a todos nós o que está ocorrendo. Carla falou tudo isso num tom meio apelativo. Imperativo, talvez.
Escurecia. O apartamento já se apresentava em meia penumbra e nenhum deles se lembrou de acender as luzes. Espaçadamente a cidade vinha sendo gotejada com as luzes das ruas e de outros prédios. Uma janela aqui, uma varanda mais adiante, enfim, vinham salpicando o entardecer de pontinhos brilhantes. Pairava melancolia diante do silêncio que se apoderou de alguns minutos, ainda assim o lusco-fusco era bonito. Dalva trouxe um copo d’água como lhe pediram.
Pouco a pouco Tereza ergueu os olhos. Tristes olhos, em péssimo estado, muito vermelhos miravam Carla numa mistura de choque e consternação.
Já menos incisiva ante aquele modo de olhar, Carla insistiu.
—Bem, agora mais calminha, conta aqui aos seus amigos o que te aflige tanto.
Numa atitude lenta, como se não desejasse fazê-lo, Tereza estendeu-lhe a mão fechada, segurando firme um papel. Quase não abria os dedos, tão fortemente fechados.
Quando Carla com muito jeito tirou-lhe o papel da mão, Tereza verteu novamente em lágrimas. Comoveu os demais que também já tinham os olhos marejados, mesmo sem conhecerem os motivos da amiga.
Era um telegrama de Madri para Carla, recebido um dia antes dela desembarcar.
Querida Carla vg perdoe noticia vg Hugo em treino arena sofreu grave acidente com touro vg não resistiu pt ti amamos muito pt familia Herrera pt


AdeGa/97


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