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Artigos-->O ato de escrever -- 15/07/2004 - 18:01 (Claudio Bertode) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Discutir o ato de escrever é tanto mais difícil na medida em que comporta uma ação múltipla. Podemos escrever uma carta, uma carta de amor, uma carta de desamor, um bilhete de rancor, uma frase de advertência, uma redação escolar, uma frase obscena no muro, um documento jurídico, etc. Mas convém lembrar que estas modalidades de uso da escrita representam aplicações do ato de escrever com alguma intenção utilitária. Mesmo a frase obscena no muro é útil a nossa forma de protesto ou nosso pretexto a liberdade de expressão da rebeldia ou da luxúria. Assim, também é útil um uso da escrita para documentação de fatos coletados de um determinado período da história da humanidade.



Para comprovar a importância do uso da escrita em nossas atividades de intenção utilitária dispensa longas argumentações: é um consenso no mundo burocrático da modernidade que a palavra escrita vale mais que a oralidade ou, mesmo, mais que uma presença física de um ser. A presença física da pessoa, sempre que possível deverá recorrer a um documento escrito que lhe ateste a existência. Isso lembra a anedota do homem que há três anos tenta provar que não está morto: ele não sabe como provar que está vivo, pois existe em posse da justiça um atestado de seu óbito. O juiz diz que só invalida o atestado se esse senhor trouxer um documento escrito provando que está vivo de fato. Esse é o poderio do império da palavra do mundo letrado e utilitário.



Mas, apesar do poderio e império da palavra escrita existem certas aplicações indignas do ato de escrever que a primeira vista não representam nenhuma utilidade. É essa modalidade que vem enlouquecendo e envelhecendo muitos pensadores, antes do tempo. Por isso, é acerca desta aplicação sem intenção de utilidade que seria importante refletir sobre o ato de escrever.



Escrever muito e sempre ou de pouco a pouco, ou ainda, mesmo que seja só uma vez em toda a vida, sentar-se com uma folha de papel e escrever sem nenhuma intenção útil, sem nenhum desejo de agradar, sem querer salvar o mundo, sem querer melhorar a vida de ninguém com aquelas palavras: só expressar qualquer coisa que não somos nós, expressar algo que após escrito não nos mais pertencerá, uma palavra ou duas que ganhem vontade própria e ganhem vida e tomem um pouco de nossa juventude ou de nossa velhice para si e ganhem pernas e vão pelo mundo.



Ah! então nesse único dia, nesse único momento de devaneio o ser construi asas de cera e voa tão alto como um Ícaro ou como um Prometeu sondando os céus para roubar o fogo sagrado. A partir de um dia assim esse ser sabe que fez um pacto ruim com o demônio de si mesmo. Num dia assim, desse único momento do ato de escrever sem fim utilitário o ser se condena e já não pode voltar. As palavras toda noite voltarão e roubarão o sono e roubarão a calma e escravizarão. Elas querem que o ser resolva o que deixou inacabado na página da noite passada.



Daí escrever se torna um ato criminoso e pecaminoso. No mundo de hoje se torna um ato solitário e incestuoso: o ser envergonhado e sem auto-estima diz que só escreve para si mesmo. Escrever se torna como um ato tão horrível que devesse esconder dos outros. As pessoas perguntam desconfiadas: “você escreve?”, mas o escritor nega: “São só rabiscos atoa!”. Ah! no fundo é maior que seu próprio ser: é sua visão e explicação de suas crenças e descrenças mais íntimas. Quando um ser nega o que escreve é como se negasse seus argumentos mais secretos: ele nega a si mesmo e nega todos os poetas anteriores que perderam o sono e a existência para fazer desta inutilidade algo que se portasse como útil e digno de no mínimo um pouquinho de respeito...



E vem sendo assim desde que Platão quis expulsar os poetas da cidade perfeita. Desde aquele dia sentiu-se certo sabor de crime e de pecado ao usar e ousar o ato de escrever para expressar utilidades invisíveis. Ah! talvez seja isso: a utilidade do ato de escrever (Poesia (Criação inútil (qualquer criação verbal ( ou deverbal (ou expressão da loucura mais íntima) seja só uma arte da invisibilidade. Nesse caso uma invisibilidade e uma mudez move a intenção do ato de escrever. Sim, a literatura bem que poderia ser uma arte invisível e muda ou uma arte invertida e cega e mesmo assim ainda seria a inutilidade mais digna já cometida por um ser humano: mesmo que só por um dia de sua existência, mesmo que só uma vez durante esta triste vida... o ser cometa este crime contra a utilidade...





Claudio Bertode (Claudio jose siva)

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