Parado, ali à calçada, senti-me assolado pelo vazio. Não havia qualquer razão para mover-me. Acabara de ser tomado de assalto por este sentimento, por mim tão conhecido. Tal qual buraco-negro rodeado por uma infinidade de astros e estrelas radiantes e tremeluzentes.
Muitos foram os nomes que tal sensação recebeu: angústia, solidão, desespero, náusea; mas nenhum o abraça e o define como o “vazio”. Nem mesmo poderia nomeá-lo sentimento, pois nada se sente. É a completa ausência de tudo, e de nada.
De repente, não mais que de repente, vemo-nos arrastados a um profundo, úmido e escuro abismo, nem mesmo tem-se a sensação de queda; não se tem qualquer sensação.
Dezenas de minutos após, ao conseguir-me mover, tomei uma resolução. A mais segura e inusitada decisão: daria cabo a tudo. Para tanto, deveria extinguir-me, soprar a chama de minha existência. Mas não, não poderia ser por minhas mãos, mãos que nunca foram condicionadas a tão nobre gesto. Precisava encontrar quem estivesse disposto a fazê-lo.
Encontrei-o num sujo apartamento de um bairro periférico. Entreguei-o minhas economias, não mais necessitava de provisões, uma arma-de-fogo (carregada) e um itinerário de minha rotina. Fiz-lhe a seguinte exigência: “o senhor deverá tirar-me a vida de súbito, poupando-me qualquer sofrimento. Deverá ser num momento, a seu critério quando e onde, em que não o espere”.
Estava assinada minha sentença de morte, assinada por mim, e que deveria ser aplicada por mãos alheias e implacáveis.
Semanas já se haviam transcorrido e minha absurda existência ainda podia ser apalpada. Caminhava pelas calçadas, atravessava ruas, ia a lanchonetes, e sempre com o terrível pressentimento de que poderia ser a qualquer momento.
E assim transcorria minha vida, em dúvida, receio e impaciência. “Por que a demora?” - perguntava-me.
Foi a partir do segundo mês que outro sentimento, inédito em minha existência, apoderou-se de mim (o vazio há muito desaparecera). Passei a ser assolado pelo medo. Medo de que a qualquer instante poderia ser baleado e morto. O medo foi ampliando-se em tal escala que trouxe o arrependimento.
Voltei ao sujo apartamento, mas ninguém mais habitava-o. Durante o resto de minha errante existência fui acompanhado por estes dois sentimentos. Se acreditava jamais ter “vivido”, agora não mais poderia “viver’. Somente aguardava, aflito, o encontro mortal de meu verdugo.
Taitson Alberto Leal dos Santos
* Texto publicado no "Jornal de Piracicaba" em 17/12/1999.
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