Usina de Letras
Usina de Letras
60 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62315 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22541)

Discursos (3239)

Ensaios - (10400)

Erótico (13576)

Frases (50700)

Humor (20050)

Infantil (5472)

Infanto Juvenil (4792)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140835)

Redação (3311)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6219)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cartas-->Roberto -- 25/03/2002 - 15:06 (Isabela Mendes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CARTAS
Roubamos as cartas de Ester. Um dia ela será uma grande mulher. Mas essas cartas são da Ester garota que saiu do
interior e foi estudar na capital. Nessas cartas podemos ver que ela sentiu as diferenças do que é uma cidade movimentada
e cheia de “coisas para fazer”.
Ester também escuta a rádio. Elas se liga muito no que o nosso cronista diz. Ela também é casada com um.
Vamos conferir essa história à medida que formos lendo as cartas.
Isabela Mendes

“Curitiba, 15 de Abril de 1998
Roberto,
Hoje foi um dia especial para mim, queria que você estivesse aqui.
Liguei pra mãe, hoje é aniversário dela. Lembra como você adorava aquele bolo de fubá? Pois é... Aposto que ela fez aquele bolo. Você sabe que a mãe gosta das coisas simples. Só que esse bolo nem eu, nem você pudemos comer. Você ainda tem mais chances que eu. Afinal você mora na mesma cidade que ela. Já eu...
Sabe que esse curso que eu estou fazendo na capital está dando lucro? Já dei entrada nos papéis e tão logo me chamem já estarei estagiando. Hoje é que eu mandei a papelada toda. Estou com muita esperança, Roberto. Torça por mim.”

“Curitiba, 27 de Abril de 1998
Roberto,
Hoje já faz um semana que eu comecei o estágio. Eu estou começando a ajudar os peixes grandes. Digitei as reportagens todas do segundo caderno. Aquelas aulas na escola de datilografia da Diva estão sendo muito úteis. Mas aqui eu não bato à máquina, não. É tudo no computador.
Esse computador, todo mundo diz que é complicado, que tem que fazer curso, mas uma garota, a Cíntia, com quem eu fiz amizade, disse que nem precisa fazer curso, que se aprende sozinho. E é mesmo, Roberto. Para pedir para aumentar a letra, gravar, essas coisas, é só colocar a mão num negócio chamado mouse, que é rato em inglês, só que parece mais um sabonete. Esse sabonete tem uma flechinha correspondente na tela. Aí você vai empurrando o sabonete até a flechinha ficar em cima do que você quer que o computador faça, quando isso acontecer é só apertar um botão zinho no sabonete. Só que eu nem mexo muito com o sabonete. Eu mexo mais no teclado, que é bem mais delicado que o da máquina de escrever. E é por isso que a Cíntia vive dizendo: ‘Cuidado com essas teclas, menina. Isso aí não é máquina de escrever.’ Essa gente é metida a saber de tudo, né? Sabem até o que a gente não fala, eu não falei pra ninguém que batia à máquina.
Eu estou adorando fazer estágio, daqui a pouco sou eu que vou estar falando que nem eles.
Mesmo que eu mude, não vou me esquecer de você. Confie em mim.”


“Curitiba, 5 de Maio de 1998
Roberto,
Hoje estou com muito trabalho. Estou fazendo uns exercícios para melhorar a minha redação. Assim eu posso revisar o que eu estou digitando. Sem precisar perguntar para outra pessoa. E como carta também é redação, estou escrevendo essa para você.
Não liga que eu troque de caneta. É que isso aí de cima eu fiz quando a Cíntia estava aqui. Ela é que está me ajudando muito. Trouxe um monte de livros de como escrever, e também alguns livros de história. Gosto muito do Machado de Assis e ela tem uma coleção enorme de livros dele.
Agora eu vou falar das coisas mais pessoais. Eu sei que vai ter festa da padroeira da cidade, Sant’Anna. Mas esse ano eu não vou poder ir. Na festa do ano passado a gente já não estava mais junto e eu me lembro que você aprontou bastante. Ai, Roberto, respeite que eu não estou aí, não extrapole dos limites. Um dia você vai ver que esses comportamentos não levam a nada. Já passou da hora de se ajuizar. Você vai ver que quando você tomar juízo a vida vai ficar bem mais leve.”

“Curitiba, 20 de maio de 1998
Roberto,
Está quente aí? Tomara que esteja e que mão estrague a festa por causa do tempo.
Aqui está chovendo, chovendo muito. Nem sei quando vou pôr a carta no correio, mas mesmo assim estou escrevendo. Talvez quando a carta chegar, já tenha até acabado essa festa. Essa chuva... Lá na redação chega um monte de coisas relacionadas à chuva. Que enchem os rios, inundam alguns bairros. Para essa gente é ruim que chova, pois eles perdem as suas coisas, tem gente que perde até as casas. Uma tristeza!
Mas a chuva para outras pessoas é uma benção. Para os agricultores aumenta a produção. E eles adoram que chova. É bom pra todo mundo, aumenta a produção e daí se tem o que comer. Aumenta também o lucro do país.
Tem tantas outras coisas sobre chuva. Tem até uma crônica... Sabe o que é um crônica? Crônica é quando uma pessoa escreve sobre um determinado assunto e coloca a opinião. Não é que nem reportagem que só conta as coisas. Eu não me dou muito bem com esse negócio de pôr a opinião no jornal. E se ela estiver errada? Melhor mesmo é só dar as notícias, que nem no jornal do pai aí na cidade.
Mas essa crônica me chamou a atenção. Falava que os antigos agricultores da Europa não sabiam por que chovia, mas eles sabiam que quando chovia a plantação crescia. Então passaram a associar a chuva com coisa boa. Quando chovia, vinham junto com a água os trovões. Eles achavam que os trovões existiam porque um deus chamado Thor tinha um martelo, e quando ele queria que chovesse, batia esse martelo. Eles gostavam muito desse deus Thor, porque era ele que fazia crescer a plantação. O autor finaliza dizendo da sabedoria que as pessoas têm, mesmo quando inventam histórias. Exemplo disso é a história de Thor que tem uma coisa bonita de ilusão com fundo de realidade.
Eu achei isso tudo muito poético. E você, Roberto?”

“Curitiba, 27 de Maio de 1998
Roberto,
Sabe aquela carta da chuva? Pois é... Você deve ter percebido que não atrasou, né? É que – veja só que coincidência – eu estava falando para a Cíntia que eu tinha escrito uma carta para você e que se essa chuva não parasse ia atrasar a correspondência. E eu não queria que atrasasse porque estava falando da festa e se quando a carta chegasse já tivesse acabado a festa aí a carta ia ficar meio sem sentido.
Aí veio um rapaz que escreve pro jornal e trouxe umas coisas dele para eu arrumar. Ele me chamou, falou que estava com pressa que tinha que ir levar umas coisas no correio. Aí eu até pensei em pedir pra ele, mas o moço tava com uma cara meio brava e eu não falei nada. Só que a Cíntia, que é meio cara-de-pau, falou pra ele levar, por favor.
Quando eu fui dar os trocados dos selos pra ele, ele ficou mais bravo e até gritou comigo. Disse que não ia ficar se lixando por uns míseros centavos. Veja só que absurdo!
Essa gente da capital é muito nervosa. É por isso que eu tenho saudade daí. Se fosse aí, iam dizer ‘que é isso, não precisa’. Mas não, gritam, falam as coisas de um jeito que parecem que estão brigando.
O moço até que era bonito, mas de ficar bravo, gritando já fica um tanto feio. Estou com muita saudade daí... Não sei quando vou voltar. Cada dia tem mais coisa pra fazer...”

“Curitiba, 3 de Junho de 1998
Roberto,
Sabe aquele moço que levou a carta da chuva pra mim no correio? Você não vai acreditar: foi ele quem escreveu a crônica! Que coisa esquisita, né? Mas mais esquisito ainda foi como eu fiquei sabendo que ele é quem escrevia as crônicas.
Esses dias ele chegou com mais uma crônica, essa falava de cartas. Falava umas coisas muito interessantes de carta... Que carta é um pedacinho de vida enfeitado pelas palavras e eternizado num pedaço de papel.
No meio da crônica ele conta tudo! Sem a menor vergonha. Ele conta que foi levar a carta para uma fada – ainda por cima me chama de fada! – e que não resistiu e abriu a carta. Disse que quando abriu a carta teve uma surpresa. A carta era pro Roberto. Você, Roberto. O nome dele também é Roberto! E por um momento ele pensou que a carta fosse pra ele. Lendo aquelas linhas ele teve uma segunda surpresa: a carta mesmo não sendo pra ele falava dele – ou da crônica dele. Ele disse nessa nova crônica que só a escreveu porque a última frase da carta era ‘E você, Roberto?’ Aí ele pensou ‘Essa pergunta é pra mim.’ E começou a escrever.
No fim ele fala que eu conversei com dois Robertos numa cartada só. E o cara-de-pau ainda escreve isso na maior! Viola a minha correspondência e sai contando por aí... Será que as pessoas que lêem sabem que isso é real?
Roberto, Roberto. Estou me sentindo estranha. As pessoas se comportam de um jeito muito estranho... Eu não sei mais o que esperar da vida! De repente eu estou aqui nessa cidade tão diferente daí. E as coisas são tão diferentes!
Bom, Roberto, você já deve estar cansando de ler... Essa carta está comprida demais... Tudo culpa do outro Roberto.
Ah! Manda o cartão para a sua irmã. Eu não esqueci o aniversário dela.”


“Curitiba, 10 de Junho de 1998
Roberto,
Definitivamente essas pessoas da capital são muito estranhas. Fui tirar satisfações com o tal do Roberto sobre ele ficar lendo as minhas cartas. Como ele tinha sido tão bravo aquele dia que ele mandou a carta da chuva (e leu também!), eu pensei que ele fosse ficar bravo de novo, dessa vez por eu ter gritado com ele. Em vez disso ele me disse que eu tinha toda a razão. Que ler cartas era uma coisa muito pessoal, mas que tinham cartas que são bonitas e todo mundo devia poder ler. Que, por exemplo, aquela carta da chuva (ele também chamou de ‘carta da chuva’) foi muito importante pra ele, que ele tinha gostado muito da carta. Aí ele perguntou se eu tinha gostado da crônica e eu disse que tinha gostado muito da crônica.
...Ele falou que eu escrevia bem, perguntou se eu escrevia sempre. Eu disse que escrevia sempre para você e ele riu. Na hora eu pensei que ele tinha rido que nem a Cíntia que riu quando eu disse que escrevia para um ex-namorado. Mas aí eu lembrei que ele não me conhecia e que não iria adivinhar que você é meu ex-namorado. Não sei o que me deu pra pensar que o bocó ia saber da minha vida. Ele só me leu em uma carta e uma carta não é uma vida, é só um pedacinho dela, como ele mesmo disse... ou escreveu.
Nessas histórias de dizer e escrever. Ele me pediu para escrever mais. Aí eu falei que tudo bem que o nome dele era Roberto, mas eu escrevia para outro Roberto. E ele disse que se ele era Roberto, eu estava escrevendo pra ele também... Confundiu sua cabeça? A minha também.
Esse Roberto está virando a minha cabeça... Sem querer acho que já comecei a escrever mais. Acho que está sobrando alguma coisa nessas cartas.”

“Curitiba, 17 de Junho de 1998
Roberto,
Aquela última carta que eu te mandei dei pro Roberto ler. Por que você não me respondeu? Será que também concordou que estava sobrando alguma coisa nessas cartas? Ou será que achou a carta comprida demais e nem terminou de ler? O Roberto gosta das cartas compridas. Ele diz que é muito gostoso me ler. Que dá vontade de responder. Já você... me manda umas cartas bem curtinhas, mais contando do pessoal daí. O Roberto disse que suas cartas são monossílabas. Achei isso muito engraçado.
Em vez de você me responder a carta, quem me respondeu foi o Roberto. Ele disse que as pessoas da capital são mesmo muito estranhas. Vivem cheias de coisas para fazer, que são escravas do relógio e é por isso que ficam bravas o tempo todo. Ele disse que já sabia o que estava sobrando nessas cartas. Vou terminar por aqui para não sobrar essa daqui também... Nem sei se você responde mais...”

“Curitiba, 24 de Junho de 1998
Roberto,
Toda a vida eu sempre amei o Roberto. Desde pequena. Escrevia sempre o nome dele no caderno, no vidro embaçado da janela... Aí a gente começou a namorar. E eu continuei o amando mesmo depois da gente ter se separado. Eu vim estudar pra cá e escrevia cartas pra ele para eu não me sentir tão distante dele. Mas eu percebi que mesmo nessas cartas eu estava ficando cada vez mais distante dele porque eu comecei a me aproximar de você. Escrevia cartas pro Roberto, mas eu não escrevia mais pra ele. Escrevia pra você.
É por isso que eu não fico brava de você não ter colocado a carta do nosso encontro no correio. Eu concordo com você, o que estava sobrando nas cartas era você. Mas discordo quando você diz que você está sobrado na minha vida. Não está. As cartas sempre contaram da minha vida e ultimamente elas só falavam de você. Você acertou quando pegou a carta do nosso encontro pra você. Foi o nosso encontro. E essa carta é o encontro das nossas cartas.
Comecei com um Roberto e estou terminando com outro. Terminando? Não. Estou começando. Começo a viver agora o Roberto das crônicas que gosta de escrever e de ler. Hoje estou escrevendo pro Roberto certo.”

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui