Se a amiga leitora, ou leitor, permitir contarei uma história.
Aliás retifico: com ou sem o seu consentimento contarei a tal história,
afinal quem manda aqui, pelo menos aqui, sou eu. Então não há porque para pedir
sua permissão.
Assim, com toda sinceridade que tenho e não tenho, caso você não queira da
história saber, basta parar por aqui e apagar essa mensagem.
Contam os sábios zaratustras da vida... - é, pelo jeito você quer saber da
história, vamos lá, não há mais nada a fazer!.
Contam os sábios zaratustras da vida que uma onça ao voltar de um exaustivo
dia de caça, trazendo segura nos dentes uma pequena corça, encontrou sua
toca vazia.
Imaginando, como toda mãe, que os filhotes estivessem nas imediações,
pôs-se a procurá-los com diligência, como toda mãe também.
Olhou e examinou cada canto, sem encontrá-los.
Preocupada com a demora que já era mais que séria, desesperou-se e
esgoelou-se em urros que encheram de espanto toda a floresta.
Uma anta - tinha que ser uma anta, diria algum engraçadinho - decidiu
questionar.
Chegando junto da toca, a tal anta, jeitosamente, procurou saber o que
estava acontecendo:
Devoraram meus filhotes! - gemeu a onça - Infames caçadores cometeram
friamente o maior de todos os crimes: mataram os meus filhos...
A anta conciliadora - já estou até desconfiando que foi a anta que contou
esse caso para algum homem, que se apropriou dessa história, típico de homem.
Enfim, a anta conciliadora, porém franca, não deixou que a oportunidade se
passasse sem que dissesse à onça certas verdades que embora dolorosas,
careciam ser ouvidas por ela naquele momento.
Então tascou:
- Mas senhora onça, se analisar bem o fato, há de convir que suas acusações
não procedem.
Perdoe-me a franqueza, nessa hora de desespero. Respeito a sua dor, mas
devo dizer-lhe que fizeram uma vez aquilo que a senhora pratica todos os dias.
Não pode negar que vive sempre a comer os filhotes dos outros, não é
verdade? Ainda agora acabou de abater uma corçazinha...
Tomada de indignação, também pudera!, a onça arregalou os olhos como que
espantada pela coragem e atrevimento da anta, falando com um ódio mortal, sem
falar no bafo, a onça tava com um bafo terrível:
- Oh, estúpida criatura! É isso que você tem a dizer para consolar o meu
coração ferido pela dor? Com que direito se atreve em comparar os meus filhos
com os filhotes dos outros? E como pode comparar o meu sofrimento e
desolação ao dos demais?
É preciso considerar primeiro a minha posição, em relação à dos outros
animais, para depois pesar a situação...
Foi nesse momento que um velho macaco, em cima de uma árvore, como quem não
queria nada, que assistia ao diálogo, falou revestido de autoridade:
- Amiga onça, é sempre assim: A dor alheia só atinge aos altruístas, mas
jamais ao egoísta...
Será que esse macaco conhecia Machado de Assis, ou então o Quincas, que
disse: Tão certo que a paisagem depende do ponto de vista e que a melhor forma
de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo na mão.
Anderson
P.S.: Toda e qualquer semelhança desse texto com os EUA terá sido mera
coincidência.
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