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Contos-->Com o tamanho e a cor da esperança -- 14/01/2002 - 13:17 (Sandra Falcone) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Com o tamanho e a cor da esperança


Diziam-no esquizofrênico.

Catalogado assim em todos os postos e hospitais psiquiátricos de São Paulo a Salvador.

Tinha sido uma longa caminhada aquela, dez, vinte anos? Nem mais sabia. Também não importava. O tempo há muito tempo não contava. Dos dias tomava tento em função da noite.


Era quase impossível acreditar que, vivendo no meio de tanta violência, ainda estivesse vivo. Mas estava, contra tudo e contra todos, estava.

Era inteligente, acima da média, sabia disso, era uma certeza intima. Logo aprendeu que, pra sobreviver, tinha que ser esquizofrênico. Não tinha escolha, ou vagabundo, ou esquizofrênico. Preferiu a ultima alternativa.

Sempre ajeitava um leito de um hospital psiquiátrico qualquer, por dois ou três meses, até que lhe dessem alta. Na verdade a alta era ele mesmo quem se dava, aprendera a conhecer os sintomas da doença, tornara-se um especialista e quando o hospital ficava cansativo, melhorava.

Sempre sobrava um par de sapatos, roupas e algum dinheiro das Assistentes Sociais. E voltava a cair no mundo. Lá era o seu lugar, na rua, na chuva, no sol.

Já não tinha mais idade pra sentir frio e, naquela noite, o frio era tirano. De há muito deixara de freqüentar os albergues...Antes dormir na rua. Era duro ter que levantar cedo e, vez por outra, quando a policia batia no albergue, levantar e ser revistado, atirado no chão com a boca pra baixo. Não era ladrão, nem assaltante, nem drogado, apenas não era nada.

Mas fazia frio... muito frio...

Fome não sentia muito, o estomago já havia se acostumado a inconstância da comida. Mas um café , bem quentinho era tudo que queria naquele momento.

De repente sentiu o perfume... doce-seco... inebriante.

Já esquecera quando sentira um cheiro que não fosse o cheiro da rua. Ficou quieto, fechou os olhos, entregou-se à fragrância.

Dama da noite era essa a flor noturna que perfumava as suas calçadas de menino, sim esse cheiro era conhecido.

Devagar e mansamente seus membros foram adormecendo. Uma dormência estranha, quase uma carícia. Tanto tempo que não sabia o que era receber ou fazer um afago, um carinho!

A dormência agora tomava seu corpo todo, numa carícia integral e, com ela, as lembranças quase apagadas, uma a uma, cinematograficamente, surgiram.

Magicamente começou a correr pelas calçadas, empinando a sua pipa, ouvindo historias de fantasmas, pulando a fogueira de São João, subindo no pé de amora, nadando na enchente, sentindo a lambida do seu vira-lata; batendo figurinhas, o estilingue.

Os olhos da Joaninha, o cabelo preto tingido da mãe, a alça do caixão do pai. O beliscão gostoso da irmã mais velha...As risadas do seu irmão caçula medindo o tamanho dos "pipis...

O arrepio na costela olhando a mulher pelada na Revista!

Era menino outra vez e a esperança tinha o tamanho e a cor do céu, daquele céu bonito que gostava de olhar quando acordava e fazia sol.

.....

Comunicação Interna: na madrugada fria mais um indigente foi recolhido, morto de frio, pelo agente de plantão, João da Silva, lotado no 15o Distrito. Aparentava 45 anos, moreno, com 1,75 de altura, perto dos 67 quilos, sem documentos de identidade. O corpo ficará no Instituto Médico Legal durante 15 dias para eventual identificação. Decorrido o prazo retro estabelecido tomar as providências de praxe!


Serviço Social
Departamento Central
Chefe de Serviço


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