Usina de Letras
Usina de Letras
100 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62296 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22541)

Discursos (3239)

Ensaios - (10393)

Erótico (13574)

Frases (50687)

Humor (20041)

Infantil (5461)

Infanto Juvenil (4785)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140825)

Redação (3311)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6213)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Humor-->Hiper-Chato -- 29/04/2002 - 22:07 (Jactâncio Futrica) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
HIPER-CHATO _ Chato é aquele sujeito talentoso, capaz de falar apaixonadamente durante três horas seguidas, até conseguir levar seu interlocutor à conclusão de que a água é úmida ou que o gelo é gelado.

O anedotário popular é rico em definições e assertivas. Algumas delas:

1- Chato é aquele cara que só não ronca quando dorme sozinho.
2- É aquele cavalheiro que quando você pergunta “Como tem passado?”, ele responde. Tintim por tintim.
3- É aquele sujeito que só fuma pra poder filar cigarro dos outros (e se pára de fumar, dana a infernizar os antigos companheiros de vício com milhões de estatísticas e curiosidades médicas sobre o assunto).
4- O chato quando tá com tosse, não vai ao médico; vai ao teatro.
5- Todo mundo tem o seu dia de chato, mas o chato é chato todo dia.
6- Existem várias maneiras de ser chato, mas o chato escolhe sempre a pior.
7- O chato nunca perde o seu tempo; perde o dos outros.
8- Todo chato cutuca. (Se estiver bêbado, não usa o dedo, mas o corpo inteiro!)
9- O chato quando chega em casa, a família finge que tá dormindo.
10- Quando o chato se cala de repente, é porque morreu.

Até aí nada demais; definições são apenas palavras. Observado a uma distância segura, o chato, por mais maçante que seja, continua sendo apenas “o chato”, ou seja, aquela figura docemente folclórica, que nos alegra e diverte por molestar fulano ou beltrano _ não a nós. Como dizia Tina Turner, pimenta no cu dos outros é uma beleza!

Mas eis que, um lindo dia, um chato se instala em sua vida. Até então você se julgava o filho do Sol, o xodó da Lua, o bibelô das estrelas; acalentava, como todo mundo, a ilusão da juventude eterna e achava que desgraça só acontecia com indivíduos de segunda categoria _ ou seja, com os outros. Como o azar haveria de bater justamente à sua porta?.. justo você! capricho mais fofo da natureza.

Sim, o pior aconteceu: ei-lo transformado de voyeur em vítima; de filho do Destino em brinquedo da loucura humana. Aconteceu! Um carrapato de 70 quilos grudunhou no teu saco; tua estrela escafedeu-se, meu nego!.. Um abatimento súbito, uma perda de fé, uma sombra, o milenar mistério da inhaca revelando-se em su’alma. É isto aí! O mundo ficou mais mórbido e cinzento hoje. Faça um instante de silêncio, feche os olhos, faça o sinal da cruz... e você poderá entreouvir um grito surdo e louco perpassando o seio natureza, de um lado a outro (aquele mesmo gritinho que inspirou Munch). O fato é que foste premiado com a proverbial cagada de urubu. A jovialidade risonha com que encaravas a existência foi, positivamente, batizada.

Saiba, antes de mais nada, que o hiper-chato pertence às forças negras do Universo. Ele é o instrumento pelo qual os homens se iniciam no conhecimento da morte; é o arcano secreto do Tarô e da Cabala, o Flagelo da Babilônia... Alguns autores sustentam mesmo que o h.chato é um ser desprovido de alma, existindo somente em função de sua missão cósmica: jogar areia nas engrenagens! Agora, deixando de lado os aspectos metafísicos, concluamos: o atributo que difere o chato do hiper-chato não é apenas o grau de chatice, mas, necessariamente, sua condição de proximidade física em relação a nós.

Vamos imaginar o drama: este lazarento (também conhecido por mata-defuntos, desmancha-roda, íngua, inconha, sarna, pentelho, pentelho-encravado-na-virilha, pelinha, péla-saco, pé-no-saco, encrôo, espinho ou praga), sem qualquer motivo compreensível adquire uma fixação doentia por você. Basta lhe ver que dispara no seu encalço, como um lince atrás da lebre indefesa. Ele lhe elegeu seu confidente número 1. E você se sente obrigado a lhe dar atenção, seja por polidez, seja por piedade, por conveniência social, profissional ou por que motivo for; o fato é que ele tá sempre ali, no seu pé, pois cismou que tu és um irmão espiritual... uma alma superior, como ele, capaz de vislumbrar toda a maravilha que se esconde nos recônditos do infinitesimal.

Apesar de rejeitado por todos (e não sem razão, pois a chatice, de fato, faz muito mal à saúde), o hiper-chato sai-se esportivamente, julgando ser a ingratidão do mundo um estigma próprio aos grandes homens... “É histórico!..” Sua sobrevivência deve-se apenas a alguns equívocos, que o livram do suicídio. Primeiro: ele não tem lá muita noção de ridículo. Segundo: ele se considera um filósofo da vida; sua mente está besuntada por uma sopa anestésica de doce demência. Terceiro: ele sabe que sempre haverá no mundo uma criatura mimosa e fofa como você, onde ele poderá se grudar como uma ostra.

O hiper-chato nunca gosta de uma coisa; cisma com ela. Tem uma pretensa afinidade com o clássico, o bucólico, o erudito, o transcendental _ e com temas charmosos tais como espionagem internacional, guerra biológica, microrrobótica, assuntos de Estado (i.é, teorias conspiratórias), civilizações desaparecidas, OVNI’s, aberrações sexuais, profecias cinematográficas sobre a ruína final do planeta etc. Tem o poder de aliar uma aridez mental extrema a um palavratório caudaloso, torrencial _ porém calmo e tranqüilo... como o Araguaia nos braços do entardecer. Seu ritmo narrativo é de uma lerdeza mortificante, agravada por indefinidas repetições e pausas de efeito dramático; o estilo, salpicado com aspectos decorativos intelectualóides, e fiel a um procedimento analítico entediante (e rigorosamente onírico).

Três coisas nunca faltam na vida do hiper-chato: uma correspondência assídua (e unilateral) com os orgãos oficiais (todo chato tem um lado cidadão); um caderninho de poemas lavrados em caligrafia preciosa (todo chato tem um lado borboleta); e uma carteirinha de filiação a algum partido político populista (pois todo chato tem um lado estadista-de-botequim)... Outra coisa recorrente na vida do estafermo, se bem que em menor grau, é o esoterismo. Você já deve ter visto alguma vez, um desses diplomas de sociedades secretas pendurado numa parede, em algum lugar. Procure se lembrar do dono, do insigne titular, dignitário e plenitudinário daquela excentricidade honorífica. Com certeza lhe virá à mente a imagem de um senhor distinto _ meio circunspecto, meio bobo _ e chato até dizer chega! Nos flashs da memória surgirá a imagem do nefasto, com aquela cara de aérea satisfação ao lado de seu cômico diplominha de mestre maçônico (alguns patéticos dizeres em latim e a assinatura do grão-mestre ao lado da sua).

Pra se despedir do hiper-chato é preciso ser brusco e seco; caso contrário, qualquer ‘A’ a mais será pretexto pra que ele torne a por em pauta o seu ilimitado e palpitante elenco de assuntos, e torne a repisar, rediscutir, recapitular e reprisar velhos temas, tais como aquela infalível questão do seu litígio judicial com a ex-mulher; os casos de exploração por parte da filha vagaba ou por aquela raça de garotões vadios e manemolentes, que pensam que ele é viado... Uma vez é a filha que lhe faz um rombo no orçamento, comprando no seu crediário uma coleção inteira de lingèries de grife. Outra vez é um rapazola que vai até sua casa, fingindo cultivar como ele a mesma bobeira por cartões telefônicos ou embalagens de manteiga da década de 70; depois, achando que cativou o suposto pederasta com seu frescor juvenil, acaba lhe pedindo um empréstimo. Não conseguindo, dá um jeito de subtrair uma máquina fotográfica, um cinzeiro de prata ou qualquer objeto facilmente fazível... ganhável. É sempre assim... O hiper-chato, de um jeito ou de outro, tá sempre arranjando um modo de se chatear desnecessariamente, que é pra depois poder alugar o ouvido de seus confidentes com mais uma historinha interessante.

Um cacoete irritante deste mala-sem-alça é segurar seu interlocutor pelo braço pra impedir que ele fuja. Ele fica com o gancho engatilhado, e à primeira menção que você fizer de ir embora, ele lhe agarra com a firmeza duma torquês... E com isto a seção de tortura ganhará, tranqüilamente, uma boa meia horinha extra. Mas ele costuma lançar mão de outro expediente ainda mais implacável, às vezes até traumatizante: caso você, desavisado do perigo, esteja usando uma camisa de botão (nem que seja um solitário botãozinho de gola polo), isto lhe custará caro numa conversa com o h.chato, pois ele não perderá a oportunidade de o prender, sutil, porém tenazmente, entre indicador e o polegar, e aí sim, você conhecerá a incrível capacidade que este sonso possui pra tiranizar uma criatura humana! Numa situação dessas, não perca tempo; vá logo rasgando a camisa, porque não haverá argumentos nem xingamentos suficientes para demovê-lo de seu gesto carinhoso... Dor de cabeça, dispnéia, labirintite, náuseas, pânico, claustrofobia, desmaio: estes são apenas alguns dos sintomas relatados por pessoas que já passaram por esta experiência. Ser encoxado e praticamente abusado pelo emplastro até que é o de menos; o foda mesmo é que o mala, por força de sua vocação, costuma ter um bafo do caralho! Além do mais, encontrando-se em posição privilegiada, ele irá se fazer de bobo e começará a falar cuspindo, como um retardado, só de sacanagem. Se estiver num dia inspirado, ejetará a dentadura bem no meio da sua cara.

Conheço um molesto que fisga suas vítimas pelo cumprimento. Ele simplesmente não desfaz o aperto de mãos. Aos primeiros sinais de resistência da presa que tenta se desvencilhar, ele contra-ataca com a manjadíssima cantilena: “Tá ficando metido, né?! Não quer saber de conversa com os fodidos!” Então, depois de bombardear a mente do sujeito com uma infinidade de coisas vazias e infundadas, sem sal e sem importância, até deixá-lo meio morto, ele trata de reanimá-lo, espertamente, acenando com uma falsa esperança: “Sin-te-ti-zan-do!” _ ele promete, sibilando. Só que esta alentadora promessa fatalmente acabará encalhando em milhares de pormenores infernais, e ele prosseguirá, calmo e prolixo, rodeando e esmiuçando, em retrospectivas que irão se estender praticamente até a vida intra-uterina. “... Peraí, que você já já vai ver onde é qu’eu tô querendo chegar... Foi exatamente em outubro do ano retrasado _ minto!, setembro _, que tive um sonho e-nig-má-ti-co!.. Mamãe gritava pra mim: você estragou meus seios, pivete! E começou a se transformar num gorila. A minha mãe, cara!.. Supondo um componente edipiano clássico... veja bem ... está seguindo o meu raciocínio?.. eu sei que você está ocupado, mas é só um segundinho... ... ...”

Outra dica bastante útil pra se lidar com o hiper-chato no dia a dia é a seguinte: não é necessário prestar atenção ao que ele fala. Basta, mais ou menos a cada 15 minutos, soltar alguma interjeição: “Ahã!” “É mesmo?!” “É um absurdo! “Taí a pura verdade!” “Deus sabe o que faz!”... Se ele falar “pipoca”, você diz: “Com certeza! esse negócio de pipoca é mesmo um caso sério!..” E ele continuará tranqüilamente o papo, enquanto você aproveita o tempo pra planejar a agenda da semana, as providências, os telefonemas que tem a dar; ou pensa no que fará nas próximas férias, no que faria se ganhasse 50 milhões na Mega-Sena; ou planeja uma vingança, bola uma armadilha pra baratas, inventa um molho pra sanduíche, brinca de fazer contas de cabeça etc... Pois bem, agora que já sente o coração aliviado por mais uma boa ação e tá a fim de dar no pé, comece a interrompê-lo a cada dez segundos pra pedir dinheiro emprestado. Você vai ver como o filho-da-puta fica arisco rapidinho!


HIPER-NORMAL _ É aquele sujeito que, após anos de rebeldia, transgressão comportamental e filosófica, arroubos artísticos e fúria revolucionária de ambições cósmicas, queda-se enfim domado a um novo e grande objetivo: tornar-se um homem honrado. A única coisa que arde loucamente dentro dele agora é o desejo crucial de provar a todos que é digno de confiança, ou seja, que os termos do seu acordo com a ordem estabelecida e com a sanidade mental são óbvios, imediatos e decorrentes de tudo aquilo que ele naturalmente sente. De minuto a minuto ele se esforça pra ser a média aritmética perfeita da espécie humana.


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui