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Artigos-->O Triatlo da Mídia nas Olimpíadas da Opinião Pública -- 13/09/2004 - 16:05 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O Triatlo da Mídia nas Olimpíadas da Opinião



Luiz Carlos A. Iasbeck





A cultura grega tem sido um porto bastante seguro para a inteligência ocidental ancorar arcabouços teóricos, premissas e primeiros capítulos de trabalhos escolares.



Poucas são as monografias/dissertações/teses cujos prolegômenos não se reportam ao modo como os gregos pensavam e organizavam o pensamento. Os pré-socráticos, Platão, Aristóteles ... são fundantes e fundamentais. De resto, a história da filosofia ocidental é apenas uma continuação – muitas vezes mal sucedida – do necessário desenrolar do pensamento daqueles gregos que foram poupados da dura tarefa de empilhar pedras nas pirâmides.



Ainda hoje, uma casta de intelectuais e empresários privilegiados prefere não usar as mãos sequer para limpar a sujeira que produzem, porque o tempo deles é a medida do produto que excretam. Há os que podem e devem ocupar os espaços do fazer cotidiano, da repetição e da redundância, os que constroem o previsível mundinho de todo dia. Em qualquer lugar eles convivem com os que se julgam predestinados à produção do inefável (aos quais se subjugam), oferecendo trabalhos menores a preços módicos.



O ideal grego da luta de classes não existia. E se existisse, só poderia ser entendido após Marx ter categorizado a noção de “trabalho”, apondo-a a de “capital”. Mas, como os gregos antigos não conheceram Marx, temos de buscar explicações para a boa vida dos pensadores gregos na formação política que produziu a “polis”.



Werner Jaeger, em seu “Paidéia” – palavra grega que quer dizer algo como a coleção de valores que orientavam a educação do cidadão grego – afirma que uma boa explicação para o florescimento do pensamento grego estava num outro conceito, uma espécie de virtude que não incluía qualquer tipo de moralidade, mas que pode ser identificada como um comportamento respeitoso em relação às competências de cada um.

A palavra é “Arete”.



Traduzindo, “cada um no seu lugar e um lugar pra cada um”. Todos, na Grécia antiga eram importantes a sua moda, exceção feita aos escravos, ao híbridos de todas as espécies e aos renegados por uma severa lei que punia desvios de conduta e problemas psicológicos. O Brasil nunca poderia ter sido Grécia. Só pra começar, somos um país de mestiços condenados à confusão ideológica e ao assédio dos politicamente corretos e dos estudantes de antropologia. E se só isso não bastasse, temos em contraposição aos afro-descententes normais, uma elite que gosta de parecer (ainda) francesa ou inglesa e que só faz cuspir e arrotar um certo nojo pelas confusas tradições desse povinho.



Longe de nós o ideal grego da polis contemplativa, na qual o conhecimento podia existir apenas para produzir prazer, sem o compromisso de gerar produtos de consumo para “melhorar a qualidade de vida da população”. E se naquela época existisse uma espécie de CAPES ou CNPQ, o dinheiro para a pesquisa jamais se destinaria a alguém que perdesse e meses e meses refletindo sobre uma sombra na caverna ou conversando fiado numa farta mesa de restaurante. Platão e Sócrates teriam de pedir ajuda a algum figurão do Parnasso para continuarem suas pesquisas acerca da natureza das idéias e das imperfeições humanas.



Hoje a Grécia está nas manchetes, é a vedete da mídia porque lá se realizam as Olimpíadas que, aliás, nasceram lá, evoluíram e hoje – bem diferentemente do tempo de um Heráclito de Éfeso – jamais poderiam ser iguais àquelas de outrora. Imaginem gregos antigos disputando uma acirrada partida de futebol na pedra? Como poderiam jogar vôlei de praia se ainda não tinham inventado os óculos escuros? E em que estádios poderiam reunir uma animada partida de basquete entre Brasil e Japão. É que naquela época, por mais fundantes que fossem as idéias e ideais, não existia avião. E viajar demandava muito mais preparo físico do que dispende a ginasta brasileira afro-descentente para superar seu problema no joelho.



A cultura grega está nas olimpíadas, mas não se resume a elas. Os gregos não são apenas bons armadores. Eles sabem cozinhar e ganhar dinheiro no mundo da especulação porque cresceram como Pais malhando seus corpos e mentes sob a severa convicção de que – como dizia o Cazuza – “O tempo não pára... não pára não! Não Pára!”.



Vê-se, temos também nossos filósofos. No caso, um pequeno e controvertido burguês que deu certo no mercado fonográfico porque seu pai era dono de uma gravadora. Morreu com a doença da moda. Viveu na moda e hoje voltou a ser moda no cinema. Temos também Renato Russo, com sua coleção de extensos versos cordel urbano, também. Filósofo bom é filósofo morto! Somos iguais a eles.



E o nosso povo tem opinião. Não freqüenta teatro, mas conversa muito no barzinho e enche a cara nos finais de semana. É assim que formamos a tal da opinião pública.



No Brasil, como na Grécia, há dois tipos de especialistas em opinião pública: aqueles que falam mais alto e mais grosso que os outros e aqueles que fingem não ouvir (ou esquecem tudo no dia seguinte) e montam silenciosamente suas próprias convicções.



Os primeiros, normalmente ou têm mídia ao seu dispor ou criam suas próprias mídias; normalmente têm dinheiro para comprar acesso aos meios de mais valia e são requisitados a opinar sempre que um jornalista precisa de algum argumento de autoridade para fazer valer suas rasteiras hipóteses noticiosas. Esses “formadores de opinão” sempre confirmam com um “com certeza” ou com um “evidentemente .. na realidade.. na verdade”.



Os segundos, não precisam falar para grandes públicos. Fazem o boca-a-boca terrorista e anônimo que desconcerta a mídia e cria pressões incontroláveis nos corredores dos escritórios e nas ante-salas dos diretores de empresa, coordenadores de cursos de graduação e na sala de imprensa do Congresso Nacional, dentro outros locais menos baixo-astrais.





Os makers de propaganda e marketing, assim como os jornalistas, funcionam como porta-vozes de um público que não lhe legitima representatividade, mas que é bastante susceptível de ser manipulado pelas práticas da provocação, da intimidação, da tentação e da sedução, artifícios que os gregos antigos conheciam muito bem, apesar de nunca terem sonhado com um jornal ou um canal de televisão.



Para aqueles que se julgam porta-vozes da opinião, a distorção e os métodos de extorsão surgem com sondagens de valor sempre aproximativo que proporcionam, no máximo, uma espécie de paralisação fotográfica de um momento de opinião.



O teatro grego antigo também conhecia esses tipos de gente. Eles já sabiam que existia uma opinião pública e um público da opinião. Tanto assim que no local onde se davam as encenações havia um palco (logeion), local em que se desenvolvia a trama e a orquestra, de onde o coro observava a cena e a comentava para o público nas arquibancadas da platéia (koilon).



A reação do público era observada e provocada, em muitos momentos, pelos integrantes do coro, que cumpriam uma esquizofrênica função: interpretar as cenas para o público e provocar os protagonistas da peça para corresponderem ao que o público queria.



O coro provocava e era provocado, assim como acontece com nossas revistas semanais de opinião. Tudo o que o coro queria era ser querido. E vendido. Tudo por dinheiro, ou melhor, por respeito.



Como instâncias intermediárias entre a opinião coletiva e o interessado direto nessa opinião, o coro muda os atores, reescreve a trama, rearruma os cenários, tudo para que, ao final, haja uma certa complacência consensual do público para com ele, o coro.



O coro, porém, não fala em uníssono. Há vozes dissonantes e há também um porta-voz que rege o consenso, conhecido como “corifeu”. Com a autoridade de "chefe do coro", o corifeu concentra as atenções da platéia, que o exige como legítimo apaziguador e, portanto, autêntico representante da opinião da "opinião".



É esse sujeito que vai filtrar tudo, acabar com as diferenças que incomodam e instaurar uma paz de mentira para acomodar o sentimento da platéia.



O corifeu representa tudo o que nós poderíamos sonhar em termos de liderança autocrática, ainda que travestido de democracia. Sem platéia, porém, ele não tem o que dizer, sua voz vai ecoar no nada, vai se perder sem repertório num auditório vazio.



Podemos dizer, então, que as Olimpíadas gregas de 2004 são somente piadas de mau gosto para produzir acomodações nas diferenças que sempre justificaram dominadores e dominados, cada um no seu lugar, no seu trabalho, com sua opinião e educação. As medalhas são símbolos vazios de gratificação e distinção a quem já tem direitos e qualidades de vida suficientes para tripudiar sobre seus vizinhos e confrontantes.



O grande corifeu – a mídia que ocupa todos os espaços das competições – não faz mais que confirmar o estado geral de um mundo carente de novas idéias e ideais, que enaltece corpos jovens-sem-mentes e se esquece das mentes desmaterializadas que se escondem por detrás do coro ... que o corifeu rege ... e ao qual reage.



Felizmente, o making off desse espetáculo está a cada dia mais transparente. Sua Paidéia vazia suplica por valores que justifiquem o investimento. O Corifeu ainda se equilibra entre custos e investimentos. Prestes a jogar a toalha na reta final dessa maratona.



Quem viver, verá!



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