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Artigos-->Eisenstein e as Funções da Linguagem Cinematográfica -- 13/09/2004 - 16:25 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eisenstein e as Funções da Linguagem Cinematográfica



Luiz Carlos Iasbeck



"Não é por acaso que neste período nasce um novo conceito de linguagem fílmica. Não me refiro aqui à crítica do cinema, mas à expressão do pensamento cinematográfico, na medida em que o cinema foi chamado a dar forma concreta à filosofia e à ideologia do proletariado vitorioso." (S. M. Eisenstein, in " Del Teatro al Cine" , 1934)





É com essa citação, saudavelmente panfletária, que se inicia o capítulo Teoria e Linguagem no Cinema Mudo Soviético da obra "Cine Soviético de Vanguarda", assinada, dentre outros, por Serguei Eisenstein e Dziga Vertov, o mais radical dos cineastas russos do início do século . A idéia de que era possível ao cinema expressar-se dissertativamente, desenvolvendo conceitos e articulando lógicas imagéticas, guiou grande parte das experiências dos russos com o cinema na década de 20, e em especial, orientou a produção intelectual de Serguei Eisenstein, visivelmente ancorada (e engajada) na filosofia marxista que, a duras custas, realinhava a ordem econômica no leste europeu.



Nessa mesma época, um outro russo vinculado à poesia e à lingüística, amigo de Maiacóvski e Khlebnikov, fundava o Círculo Lingüístico de Moscou, um espaço privilegiado para a discussão da arte literária e dos mecanismos da poesia e do som . Roman Jakobson iniciava, então, um dos movimentos mais expressivos da intelectualidade russa da época, o movimento formalista, impropriamente associado ao apego às estruturas formais que exacerbavam uma separação drástica entre forma e conteúdo. Em 1920, Jakobson foi viver na Tchecoeslováquia, onde desenvolveu importantes estudos sobre fonologia e fonética, sobre poesia comparada e estruturas narrativas, fundando ali um novo e importante núcleo de estudo, o Círculo Lingüístico de Praga. Quando as tropas nazistas invadiram Praga, Jakobson fugiu para a Escandinávia, onde escreveu sua obra fundamental, na qual analisa os distúrbios da afasia e conclui pela classificação dos dois eixos da linguagem - os eixos paradigmático e sintagmático - base para o desenvolvimento das pesquisas que o levaram a formular as funções da linguagem.



Eisenstein e Jakobson se aproximam pelas preocupações e ocupações intelectuais. Enquanto o primeiro experimentava as possibilidades artísticas da recém-nascida sétima arte, o segundo decifrava mecanismos de uma magia tão antiga quanto o homem, a competência de articular artisticamente as diversas linguagens que interagem na comunicação humana. E ambos desafiavam as potencialidades das linguagens.



Hoje, pode-se dizer com segurança, que muito da linguagem do cinema, tal como a conhecemos, foi inaugurada antes de Eisenstein. A descoberta de que o lugar do cinema no universo das artes estava associado à competência narrativa de imagens linearmente articuladas não se deve a Eisenstein mas ao norte-americano David W. Griffith e ao francês Georges Méliès que, depois de ganhar muita fama com suas féeries, morreu pobre e abandonado nos subúrbios de Paris.



Griffith entendia que um filme só poderia ser significante se o material sobre o qual ele trabalhasse também o fosse. Dessa forma, o filme só seria considerado arte se trabalhasse metalingüisticamente uma outra obra de arte. A mais adequada seria a literatura, pela sua estrutura narrativa. Por isso, filmou Shakespeare, Tennyson, Poe, Tólstoi, e muitos outros escritores, clássicos e da moda, devidamente traduzidos e transculturalizados pela sua ótica protestante e vitoriana. Eisenstein, citado por Machado (1997:84), chega a comentar maldosamente que "nas mãos de Griffith todo romance acabava virando uma história de Charles Dickens, porque "um e outro sabiam utilizar admiravelmente os traços infantis de seus públicos". Eisenstein também atribui a Dickens o papel de professor de Griffith na arte de editar em paralelo.



Apesar da farta polêmica instaurada e alimentada por André Bazin nos Cahiers du Cinéma, na décadas 60-70, hoje Griffith já é consensualmente considerado o fundador da moderna linguagem cinematográfica. Além de articular com maestria a noção de campo, contra-campo e criar a montagem paralela, ele estabeleceu as primeiras leis da continuidade, posteriormente aperfeiçoadas em Hollywood. Antes mesmo de filmar Intolerance, Griffith já havia aberto caminhos para o cinema conceitual de Eisenstein ao alternar paradigmas de riqueza e pobreza, abundância e desperdício, privação e ostentação em The song of the shirt (1908) e A corner in wheat (1909).



Mas, conforme diz Noël Burch, " ... a escola russa dos anos 20 (...) foi capaz de construir um grande cinema sem cumprir praticamente nenhum dos cânones da gramática griffithiniana" (Machado, 1997:191) Realmente, Eisenstein sabota e subverte os dogmas do cinema nascente, ao mesmo tempo em que constrói uma tradição que vai se reverberar até os dias de hoje em "escolas" de cinema não convencional, pouco afetas aos apelos de bilheteria do cinema comercial.



Naquela época, Roman Jakobson investigava uma tecnologia muito mais antiga - a da fala - com o objetivo de compreender, para além dos parâmetros autorizados pela ciência de então, os mecanismos que determinavam a produção de sentido.



Pelo que se sabe, Jakobson e Eisenstein encontraram-se apenas virtualmente nas academias, pela leitura erudita de suas produções. Neste artigo, reeditamos um novo encontro entre eles, atualizando um exercício que urge ressurgir para explicar as mazelas que antecedem a consolidação de linguagens em novos meios de expressão. Ainda que breve, esse encontro serve, também, para mostrar como o trabalho de artistas e pesquisadores, por mais díspares que sejam, acabam por convergir nas tendências de uma época.



O que distingue a experiência eisensteineana das demais - contemporâneas ou não - não é tanto o ineditismo ou a descoberta das técnicas de montagem, mas a coragem de utilizá-las para criar significados inusitados. Uma dos melhores exemplos do exagero e da ousadia de Eisenstein nós podemos encontrar numa cena de "A Greve": de um plano extremamente aberto (uma massa imensa de pessoas na rua) passa-se a um primeiríssimo plano (uma enorme boca aberta gritando), sem qualquer transição. O que seria uma aberração em Hollywood (um corte tão drástico assim) é aqui um recurso primário que corresponde à função fática da linguagem verbal, anotada por Jakobson no seu estudo da estrutura poética. Eisenstein faz com que a mensagem chame a atenção dos espectadores para si mesma, falando de algo que se encontra, ao mesmo tempo, dentro e fora da narrativa, como que experimentando a força do canal.



Eisenstein praticou a montagem em quase todas as suas modalidades. Desde a mais simples montagem paralela, que Bazin condena por acreditar ser "um processo de manipulação da realidade", até a mais sofisticada montagem conceitual, passando pela edição acelerada, retardada e por atração.



A montagem acelerada modifica o movimento natural do objeto filmado, fazendo com que o sentido da cena seja produzido pela sucessão de planos, como um recurso gráfico. Em "Outubro", filme sobre a revolução russa de 1917, uma metralhadora é acionada contra uma multidão e, apesar da mudez do filme, é possível ouvir o som da metralhadora. Imagens diferentes vão se encavalando rapidamente umas nas outras, provocando tremulação na tela pela condensação de tantas imagens em tão pouco tempo. Invertida, a mesma técnica provoca retardamento da ação, espichando uma seqüência para que o espectador possa lentamente usufruir de toda as suas nuances. Esse "tempo irreal" é justificado pela necessidade de decoupar a imagem, estabelecendo uma certa diretividade à leitura. É o que observamos, por exemplo, quando, em "Outubro", abre-se a ponte móvel ou quando da coroação do Czar, banhado em moedas de ouro, em "Ivan, o Terrível". Eisenstein consegue, assim, primeiramente, imprimir som num lugar onde ele não existe e, depois, obter leituras adensadas ou condensadas, dirigindo estrategicamente a emoção do espectador. Dessa forma, escancara imageticamente a lógica qualitativa dos conceitos que trabalha. Tudo fica hiperbólica e didaticamente "comentado", sem a necessidade de uma palavra sequer.



É assim que Eisenstein nos demonstra como as estruturas já conhecidas da linguagem verbal estão também presentes na narrativa imagética. A chamada função emotiva da linguagem (Jakobson, 1983:123 e seguintes), centrada no remetente e que evidencia "a atitude de quem fala em relação àquilo que está falando", ainda que simulada na ficção fílmica, está patente na intencionalidade da edição de Eisenstein: não há acaso no seu minucioso trabalho de recortar e justapor fragmentos de película para testá-las em movimento. Pode-se não concordar com Eisenstein, mas não há como não entendê-lo, tão claras e contundentes são suas violações aos códigos da excessiva "realidade" flagrada pela câmera.



A função referencial é quase sempre deslocada em benefício da função poética, na qual a referência é uma outra realidade, cunhada e lapidada pelos caprichos transgressores da cultura. A seleção das imagens combinadas nas principais e mais densas seqüências de "O Encouraçado Potenkim" é feita segundo critérios que alternam semelhanças e dessemelhanças, sinonímias e antinonímias, de forma a compor paradoxos quando justapostas. O humor e o trágico convivem de forma desconfortável na famosa cena do ataque nas escadarias, tecendo um suspense que jamais atinge um climax consolador. E isto acontece porque, ao projetar o princípio da equivalência do eixo de seleção sobre o eixo da combinação (Jakobson 1983:130), a linguagem poética faz com que todos os elementos de uma seqüência ajam por recorrência aos mesmos princípios paradigmáticos, que não evoluem senão quando suavemente cambiados ou interrompidos pelo corte abrupto. A metáfora da "escada" ilustra exemplarmente a função poética instaurada pelo diretor nos diversos planos-seqüência da cena.



Para Eisenstein, a representação cinematográfica não é cópia da realidade, não tem e nunca terá o compromisso de sê-lo . Ele demonstra, assim, possuir plena consciência semiótica de que tudo é representação, na medida em que é impossível a qualquer observador captar os fenômenos e os objetos do real em sua totalidade. Se a apreensão é sempre parcial e precária, o registro cinematográfico não se diferencia substancialmente da percepção do sujeito. Ambos, em diferentes graus, estão mediados por equipamentos e juízos de valor que não permitem isenção ao olhar. Ao invés de brigar com essa impossibilidade, Eisenstein propõe levá-la às últimas conseqüências, tirando dela todo proveito que sua criatividade permite. Assim, entende que o cinema não tendo vocação realista, deve assumir o inverossímel da ficção, processo para o qual as montagens, mais do que necessárias, são absolutamente indispensáveis.



Por isso, Eisenstein não se preocupou em dissimular cortes ou atenuar o impacto revelador de uma montagem que rompe o envolvimento do espectador com a narrativa. Para levar alguém a pensar e a criar ilações, desenvolvendo idéias abstratas a partir de imagens especulares, Eisenstein só poderia se escorar nos recursos da função metalingüística, estudos por Jakobson. Como o cinema conceitual ou intelectual precisa levar o espectador a pensar o pensamento, necessita propor uma meta-organização crítica sobre a imagem, para assim superar sua peculiar natureza concreta e primária.



O cinema de idéias que Eisenstein ambicionava teria de ser capaz de levar às telas a obra de Marx. Pesquiando formas sintéticas para traduzir conceitos complexos, Eisenstein chegou à escrita ideográfica dos chineses, buscando nela a inspiração para compor seus momentos de abstração na tela.



Para anotar o conceito de amizade, a língua chinesa combina os pictogramas de cão, símbolo da fidelidade, e de "mão direita", com a qual cumprimentamos um amigo. Cada um desses sinais, isoladamente se refere apenas a uma amizade particular; a combinação dos dois, porém, faz com que o signo resultante designe a amizade em geral (Machado 1997:195)



Aluno aplicado e pesquisador apressado, Eisenstein representou experimentalmente a greve enquanto conceito, abstraída do movimento habitual que causa nas classes trabalhadoras, nums cena em que roda de engrenagem gira sobreposta a outra, que contém três operários; quando eles cruzam os braços, as rodas param de se mover.



Diversas experiências metalinguísticas com as imagens ganharam corpo naquela época. Outro conhecido cineasta russo, Lev Kulechov, promoveu uma interessante experiência para demonstrar que a combinação de diferentes imagens tem prevalência na produção de sentido sobre os processos de seleção no eixo de um mesmo paradigma. Num primeiro momento, o rosto de um famoso ator russo, Ivan Murjikin, foi montado tendo como seqüência um prato de comida; para todos os espectadores, o olhar do ator traduzia fome. Num segundo momento, o mesmo rosto teve como seqüência uma cena de crianças brincando com bichinhos de pelúcia; os espectadores viram nele expressões de ternura e felicidade. Num terceiro momento Kulechov montou o rosto de Murjikin antecedendo uma cena de velório; todos viram nele uma expressão de profunda tristeza. Ficou provado que a imagem que se segue determina a impressão sobre o que a antecede e que, portanto, o sentido não está na imagem, mas na sucessão de planos por contigüidade. A fusão de imagens diferentes se dá na mente do espectador e é aí o lugar da produção de sentido. O fenômeno, conhecido depois por "efeito Kulechov", passou a ser considerado como o grande impulsionador do cinema intelectual soviético, que tem seu apogeu em Eisenstein.



Há ainda metalinguagem na montagem que se realiza num mesmo plano, sem necessitar apoio de combinações sintagmáticas. Em "Outubro", a cena da derrubada da estátua do Czar é uma metáfora da queda do Czarismo na União Soviética, como de resto o são quase todas as cenas do filme que mostram estátuas a serviço de uma função claramente simbólica.



Resta, ainda, comentarmos a presença da função conativa no cinema de Eisenstein. A função que Jakobson localizou no lugar do destinatário assume aqui uma prevalência nem sempre detectada por críticos e analistas deste tipo de cinema. Normalmente, as produções do cinema intelectual são acusadas de trabalharem o sentido de maneira excessivamente hermética, autocentrada e pouco respeitosa com o receptor. O suposto público de Eisenstein, segundo ele mesmo (1968:60-92), precisa ser convencido pela magia sedutora que resulta da união da imagem com o argumento. O incômodo, a sensação de desconforto provocados pelas interrupções de realidade que os seguidos cortes não permitem esquecer ( Eisentein chegou a fazer um filme com mais de 4 mil planos, enquanto um filme neo-realista costuma ter uma média de 200 planos) não são dirigidos senão, de forma conativa, a um leitor cuja inteligência é valorizada e, durante todo o tempo, exigida. O filme de montagem é também um filme a ser decifrado nas remontagens que a mente interpretante do espectador articula.



Infeliz ou felizmente, o trabalho de Eisenstein ficou confinado a pequenas salas especialmente destinadas aos iniciados. De modo geral, o cinema não seguiu por essa vertente hard, preferindo o entretenimento largamente difundido por Hollywood. O legado de Eisenstein será posteriormente resgatado (para usar um verbo novo e já esclerosado) pela vídeo-arte, que se encarregará de usar e abusar das novidades do início do século como se fossem inéditas e exclusivas. Será também banalizado pelo vídeo clip e cristalizado em momentos inesquecíveis do cinema de multidões: ninguém esquecerá o corte que representou a transição de milênios operada em fração de segundos por Stanley Kubrick em 2001, Uma Odisséia no Espaço, quando um osso lançado ao ar por um ser proto-histórico converte-se numa sofisticada nave espacial.



De alguma forma, as contribuições de Eisenstein operaram um corte que inviabilizou - desde o seu nascedouro - a possibilidade de a linguagem cinematográfica se fixar em estruturas fixas, exploradas à exaustão. Ainda que as fórmulas básicas se repitam, vez ou outra ameaçando o fim do cinema, sempre haverá, fora dos espaços autorizados, saudáveis transgressões, novas montagens e estímulos à associações e parceiras criativas de toda espécie. Como, de resto, acontece com a literatura, a música e a poesia.





Referências Bibliográficas



Eisentein, Serguei M. (1976) - Del Teatro al Cine - in Cine Sovietico de Vanguardia, - Serguei Eisenstein, Yuri Tinianov, Lev Kulechov, Dziga Vertov e Vladimir Nedobrovo - Alberto Corazon Editor, Madrid

Eisenstein, Serguei M. (1976) - El Principio Cinematografico Y el Ideograma - in Cine Sovietico de Vanguardia, - Serguei Eisenstein, Yuri Tinianov, Lev Kulechov, Dziga Vertov e Vladimir Nedobrovo - Alberto Corazon Editor, Madrid

Eisenstein, Serguei M. (1968) - The Film Sense - Faber and Faber Limited - London.

Machado, Arlindo (1997) - Pré-Cinema & Pós-Cinema - Papirus Editora, Campinas, SP

Jakobson, Roman (1983) - Lingüística e Comunicação - Ed. Cultrix, São Paulo

Oudart, Jean-Pierre (1969) - La Suture - in Cahiers du Cinéma ns. 211 e 212, abril-maio.

Tinianov, Yuri (1976) - Fundamentos del Cine - in Cine Sovietico de Vanguardia, - Serguei Eisenstein, Yuri Tinianov, Lev Kulechov, Dziga Vertov e Vladimir Nedobrovo - Alberto Corazon Editor, Madrid

Xavier, Ismael (1983) - A Experiência do Cinema - Ed. Graal. Rio de Janeiro

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