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Artigos-->A Publicidade como Texto Cultural -- 13/09/2004 - 17:41 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A Publicidade como Texto Cultural





Luiz Carlos Assis Iasbeck

Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC/SP)

Pesquisador Associado FAC/UnB





Publicidade e Cultura





Durante muito tempo a publicidade não foi bem aceita nos meios universitários. Hoje, essa rejeição parece superada. A propaganda e a publicidade parecem ter conseguido, finalmente, afirmar-se nos meios acadêmicos brasileiros como uma produção cultural das mais significativas. Porém, o que levava os intelectuais a despejarem sua ira nessa atividade tão relevante?

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Passado o período da crítica irada ao consumismo - as duas décadas em que importamos dos franceses a condençâo à midia que insuflava o consumo nervoso e descontrolado - o estudos das técnicas da publicidade se aprofundou para além da "genialidade" inexplicável de uns poucos que pontuaram para si o território de um dos mais promissores mercados deste século.



As técnicas desenvolvidas pela publicidade para vender produtos, serviços e idéias, conceitos, comportamentos fazem brilhar os olhos dos e das aspirantes ao mercado glamouroso do consumo. Sem abandonar essas importantes conquistas - que também nos ajudarão a entendê-la como uma das linguagens de maior pregnância na modernidade - interessa-nos aqui mostrar que a sua importância política e social ultrapassa em muito a mera função de divulgação que o marketing lhe empresta no rol dos seus "pês".



A noção de "mercado" hoje não se restringe mais ao espectro das trocas econômicas. Há todo um mercado simbólico que se movimenta diuturnamente desarranjando e arranjando signos, intercambiando valores culturais (de uso, de troca)



Realçando signos de uma cultura, pontuando os limites entre o desejável e o indesejável e orientando seu discurso para finalidades muito mais amplas que simplesmente aquelas evidenciadas pelas expectativas mercadológicas, a publicidade é hoje um saber que não pode ficar mais confinado aos insigts dos profissionais que ganham a vida vendendo anúncios.



Ninguém questiona que, hoje, a linguagem publicitária extrapolou os limites que formalmente instituiu, os dos meios de comunicação. Ela já faz parte integrante dos diversos discursos da modernidade. Emigrou dos jornais, das revistas, dos cartazes, das telas dos televisores e dos cinemas para as conversas rotineiras do dia-a-dia, freqüentando o repertório dos profissionais das mais diversas áreas do saber e do fazer, pontuando o discurso dos burocratas e dos políticos.



As teorias da Semiótica nos proporcionam um eficaz instrumental para penetrarmos, sem preconceitos, alguns segredos capazes de tornar os textos publicitários tão pregnantes e tão sedutores, enfim, tão significativos a ponto de perturbarem produtivamente as diferentes percepções da realidade.



Nessa abordagem, centramos nossa análise nos slogans - frases breves e compactas - que podem ilustrar muito bem os conceitos e os valores culturais presentes na publicidade. Afunilamos nossa pesquisa para direcioná-la a um setor específico do fazer humano que concentra, de forma condensada e deslocada, um vasto repertório sígnico. Num "banco" de aproximadamente dois mil slogans da publicidade de instituições financeiras - detectamos conceitos que invariavelmente se repetiam, ainda que travestidos em idéias afins. Observamos, também, que as estruturas retóricas que possibilitavam a produção de sentido desses signos verbais giravam em torno de algumas fórmulas exploradas à exaustão.



A partir dessas primeiras constatações, descrevemos os processos de construção dos slogans para, posteriormente trazer à luz diversos outros signos que os interpretam. Nossas hipótese iniciais eram de que:



a) as peças publicitárias mais eficazes desprendem-se do caráter meramente referencial em vantagem das conotações simbólicas;



b) os slogans publicitários procuram criar, provocar ou sedimentar relações funcionais com os demais sistemas culturais;



c) os slogans necessitam alimentar-se de elementos periféricos ( da não-cultura) sob pena de se tornarem excessivamente redundantes e, conseqüentemente, obsoletos.



Daí, fomos buscar em Charles Peirce, em Harry Pross, Iuri Lotman e demais semioticistas eslavos a fundamentação para explicar tais tendências. Não hesitamos também em buscar nas idéias de Marx e de Freud os elementos de que necessitávamos para entender as metáforas do dinheiro, matéria-prima dos bancos, veiculadas nos slogans das instituições financeiras. Fomos, ainda, pesquisar em Ivan Bystrina elementos capazes de nos conduzir à comprovação das hipóteses inicilamente aventadas. O texto que se segue constitui, pois, um resumo dessas considerações.





Os Slogans do Dinheiro





Segurança é com a Caixa Econômica Federal



Ourocard, quem tem vale ouro



A solução do seu problema (SOS Itaú)



Seu dinheiro em boas mãos (Fundo Bradesco de Curto Prazo)



Se você está com o Bemge, bom sinal.



O Bradesco sai das palavras e vai para o ar



Todos os homens têm um futuro pela frente. Uns mais que os outros

(Fundo de Aposentadoria Bradesco)



Tradição que se moderniza (Banco do Brasil)



O futuro sem medo (BRADESCO)



Sua tranquilidade muito mais garantida (UNIBANCO)



Um amigo na praça ( BANORTE)



Seguro prá valer (Banco Bandeirante)



O banco do guarda chuva (Banco Nacional)



O banco que está ao seu lado (Nacional)



O Itaú está onde você precisa (Itaú)



Ponha nossa força para trabalhar para você (Bamerindus)





Segurança, solução, força, tradição, boas mãos, bom sinal, conforto, renovação, viver sem medo, tranqüilidade, garantia, amizade, proteção, solidariedade, tudo isso parece "valer ouro" porque, de uma forma ou de outra, traduz valores perseguidos, sonhados ou idealizados pelo homem durante séculos.



Porém, nos slogans citados, tais qualidades de vida não nos parecem outra coisa senão metáforas do dinheiro, essa espécie de bem que serve de intermediário na aquisição de outros bens.



Numa rápida abordagem diacrônica, é possível perceber que o dinheiro demandou pouco tempo para transitar de ícone a símbolo. Houve um primeiro momento no qual seu valor era algo intrínseco ao seu suporte físico, a sua materialidade. Aos poucos, os metais preciosos foram sendo substituídos por papéis representativos de quantidade equivalente em ouro e prata depositada nos cofres públicos. A escassez de materiais nobres e a crescente complexidade dos sistemas de troca no mundo ocidental, sobremaneira incrementada com o apogeu do capitalismo, fizeram com que o dinheiro adquirisse força indiscutivelmente simbólica, tornando-se convencionalmente aceito e legalmente institucionalizado.



Enquanto sistema codificado de valores quantificáveis, o dinheiro muito se aproxima da aritmética, da qual herdou não apenas as operações básicas, mas também - e principalmente - o caráter arbitrário de sua natureza simbólica. Usando terminologia peirceana, podemos dizer que o dinheiro é um legi-signo e, como tal, atua competentemente mesmo na ausência do objeto que originalmente representava. É, assim, um signo palpável, que se transmite de mão em mão em cada ato de comércio.



Mas não constitui apenas mais um símbolo a povoar nosso fértil mundo de signos. É um símbolo muito especial, capaz de incorporar o valor de qualquer outro signo colocado em situação de troca. Desta forma, adquire tanta importância na vida moderna que se prolifera em metáforas, passando a confundir-se com os mais profundos anseios do homem.



A publicidade praticada pelos bancos intenta, em seu proveito, solidificar a dependência ao dinheiro, num fluxo contínuo de mensagens que se desprendem do caráter referencial em vantagem da conotação metalinguística .



Tentaremos analisar algumas dessas mensagens, tomando como fundamentação teórica as idéias de Marx e os trabalhos de Iuri Lotman, Ivan Bystrina e Harry Pross, semioticistas que se ocupam em pensar os fenômenos da cultura.





O Dinheiro e a Produção de Textos Culturais





Visto como signo, o dinheiro não pode falar senão de seu objeto imediato, ou seja, daquilo a que se refere: o valor arbitrado de uma mercadoria colocada em situação de troca. O objeto do signo dinheiro não é, pois, nem a mercadoria – que não pode ser confundida com o seu valor de troca, pois possui valor de uso — nem sua conformação material em cédulas ou moedas de metal — que hoje já não possuem valor imanente, apenas simbólico.



O signo dinheiro pode ser entendido também como um sistema sígnico do ponto de vista de sua estrutura interna: as cifras monetárias. Elas supõem uma gramática própria, estruturada em códigos contábeis específicos, cujos elementos estão em constante interação, modulando valores diferenciados. Este sistema nos fornece informações, na medida em que seus componentes são colocados em operação, mas pouco significam se desvinculadas dos objetos aos quais atribuem valor. As relações intra-sistemáticas que ocorrem no fenômeno dinheiro nos levariam a compreender o mecanismo funcional desse sistema, mas seriam insuficientes aos nossos propósitos de evidenciar as relações financeiras enquanto formadoras de "textos culturais". Marx também sabia que a significação do dinheiro na cultura do capital resultava da formação de redes de significados, onde vários signos entravam em constante interação. Por isso, não concordava com o fato de se enfocar o dinheiro como "mero signo":

Podendo o dinheiro ser substituído, em certas funções, por meros signos dele mesmo, surgiu o outro erro, que ele seja mero signo. Por outro lado essa noção implicava vislumbrar que a forma dinheiro da coisa é externa a ela mesma e mera forma de manifestação de relações humanas ocultas atrás dela. (Marx, 1983:83)

O texto cultural é formado pelas relações que envolvem diferentes sistemas sígnicos em uma "unidade informacional fechada em si, relativamente delimitada, com começo, meio e fim, fronteiras externas e internas e uma mensagem significativa" . Neste sentido, o dinheiro é em si mesmo texto cultural, pois só adquire significado na medida em que é relacionado a outros sistemas; mas é também, por excelência, formador de textos culturais onde quer que se apresente: possuir muito ou pouco dinheiro são situações que fazem proliferar inúmeras significações, múltiplos textos. O sistema "dinheiro" só gera mensagens significativas quando em relação direta com outros sistemas comunicativos individuais. Mesmo quando trocado por ele mesmo, adquire significações diversas, emprestadas pelo contexto no qual a atividade se realiza: a acumulação de riquezas, segundo Marx, não se dá pela aquisição de bens, mas pelo capital acumulado e multiplicado, através do dinheiro, no comércio financeiro (1983:110-113).



Quando dizemos que algo "custa muito dinheiro", não estamos nos referindo apenas à quantidade física de dinheiro – equivalente de troca – mas também, e principalmente, ao valor atribuído ao objeto colocado em situação comercial. "Custar caro" é algo que gera um grande número de significados, tais como sacrifício, frustração, ambição, desafio, recusa, impossibilidade, importância, dentre outros tantos. Cada uma dessas possibilidades, por sua vez, é capaz de gerar outras tantas séries significantes.



Só é possível entender o dinheiro como texto cultural na medida em que constatarmos que a sua função é essencialmente relacional. Tudo o que pode ser valorizado em referência a ele, tudo o que pode ser vendido ou trocado, faz emergir, em cada ato distinto, uma informação única de caráter semiótico, com implicações culturais, sociais, políticas e, até mesmo, biológicas.



À publicidade dos bancos não interessa referir-se àquilo que o dinheiro pode comprar, mas à significação cultural (textual) da aquisição, da mesma forma que não se refere ao comércio do dinheiro pelos bancos, mas às metáforas eufêmicas que atenuam a rudeza das relações financeiras, deslocando-as para as "qualidades" de vida possíveis a quem detém riqueza acumulada. Alimentam, assim, o fluxo "desejo-satisfação", lembrando a falta através da evocação enaltecedora, maciça e múltipla, de valores de satisfação.



Os publicitários sabem disso. Sabem que o deslocamento da função referencial para a metalingüística – que não informa sobre o produto, mas sobre a informação do produto – é mais eficaz. Em outras palavras, sabem que quanto mais variadas as possibilidades de formação de textos culturais, mais recursos terão a explorar através de seus apelos:

A pergunta – a única – que tem de ser feita é a seguinte: o que as pessoas estão comprando de nossas empresas? Uma vez respondida, ela facilita tudo mais que vem pela frente (...) Charles Revson fundador da fábrica de cosméticos Revlon, ... deu a resposta: "na fábrica produzimos cosméticos e é isso o que vendemos; agora, o que as pessoas compram de nós é a esperança. E é isso que importa". (...) As pessoas não compram o produto-objeto caneta; compram serviços de escrita em diferentes opções de cores e espessuras de tintas. As pessoas não compram o produto-objeto relógio; compram os serviços de informação das horas, dia, lua, segundos, temperatura e ainda os serviços de complemento da elegância ao vestir-se. As pessoas não compram o produto-objeto martelo, compram os serviços de fixar pregos em paredes; não compram brocas, compram os serviços de fazer furos; não compram as religiões, compram serviços de transporte, numa transportadora de confiança, para a vida eterna. (Madia, 1991:14-15)

Seria, pois, desejável que os publicitários possuíssem consciência de que em suas criações estão articulando — de forma explícita ou não — diferentes códigos, ou seja, dando um certo corpus aos textos culturais presentes numa determinada cultura, em determinado momento histórico.



Lotman nos diz que, em todo texto cultural, diferentes códigos se articulam; para decifrá-los, é preciso mais do que simplesmente conhecê-los; é preciso entender o mecanismo das relações, a partir da organização hierárquica:

Os textos reais das distintas culturas, de modo geral necessitam não de um código determinado para decifrá-los, mas de um sistema complexo que, às vezes, tem uma organização hierárquica e um conjunto mecânico de vários sistemas mais simples e elementares. (Lotman, 1979:41-42)

O dinheiro, tal como aparece na publicidade dos bancos, é um conceito plástico e altamente variável, podendo ser cambiado em diferentes graus, segundo as relações que venha a manter com outros sistemas de uma mesma cultura. A produção de sentido, operada através da linguagem, só se dará na medida em que proporcionar contaminação entre sistemas. Somente assim poderemos entender como o dinheiro é anunciado como "segurança", "conforto", "proteção", etc.



O dinheiro não pode, pois, ser reduzido àquilo que Marx denomina "a sua essência". A cultura não é produzida nesse estágio da significação. Ela se dá na criação simbólica, espaço virtual onde "essência" e "aparência" se alternam dinamicamente e se equivalem. É esse um dos mecanismos operativos básicos da "segunda realidade".



A Publicidade do Dinheiro e a Segunda Realidade



Como "operador de cultura", o texto publicitário – especialmente os slogans – não pode deixar de ser analisado segundo os códigos de que se utiliza para promover transformações de linguagem e multiplicar os diversos modos de se ver o mundo. Para respaldar tais estudos, é indispensável que nos aprofundemos no conhecimento operativo dos códigos da cultura que formam os "textos culturais".

O semioticista tcheco Ivan Bystrina, em seu "Semiotik der Kultur" classifica-os em três grandes grupos:

- os hipolingüais, códigos das trocas biológicas;

- os lingüais ou sociais, códigos das línguas naturais e que possibilitam a comunicação social das espécies, e

- os hiperlingüais ou culturais, criados pelo homem para superar, simbolicamente, os problemas trazidos pela natureza dos dois primeiros.

Dentre os problemas "tratáveis" pela realidade hiperlingüal, algumas inevitabilidades de caráter biológico se colocam no eixo das criações culturais: a morte, as doenças, as inseguranças, os medos, a fragilidade.



Nos textos culturais, entram em jogo os mecanismos simbólicos desse terceiro código, que, por se despreender das relações imediatamente necessárias à sobrevivência, Bystrina denomina "segunda realidade".



Apesar de extremamente complexas, as relações culturais se organizam, basicamente, segundo modelos muito parecidos com aqueles que também estruturam os códigos hipolingüais e lingüístico-sociais. Esses modelos são, para Lotman "mais simples e elementares", apesar de em torno deles gravitarem complexas combinações.







Os Universais da Cultura



Além de simples, tais mecanismos básicos não são, também, numerosos. Pelo fato de estarem na base de quase todas as culturas, são denominados por Ivanov universais. Assim os classifica Ivan Bystrina (1989):



a) O Binarismo



É um mecanismo presente na conformação do corpo humano (dois olhos, duas pernas, duas mãos, etc.), nas linguagens (o dia e a noite, o sol e a lua, ontem e hoje, hoje e amanhã, o claro e o escuro, etc.) e determinante nas criações culturais (certo e errado, bonito e feio, puro e impuro, domínio e anarquia, espírito e matéria, etc.).



b) A Polaridade



Contida no binarismo, sinaliza os opostos. Nasce das situações práticas, da observação empírica da realidade e atribui valor positivo ou negativo a cada um dos elementos binários. Nascimento e morte, começo e fim, surgimento e desaparecimento, entre outros, são polaridades que pontuam as fronteiras de uma existência possível. Segundo Norval Baitello Jr. (1990), a tendência à polarização advém da observação de alguns elementos dos códigos hipolingüísticos (biológicos): ao polarizar, a cultura copia alguns fatos da natureza, conotando os pólos, para, posteriormente, criar mecanismos simbólicos capazes de superá-los.



c) A Assimetria



É o percurso possível entre os dois pólos binários, entendido que entre eles não há força equivalente: o pólo conotado negativamente é sempre mais forte e tende a exercer domínio sobre aquele positivo: a morte anula o nascimento, a velhice destrói a juventude, a insegurança é uma constante ameaça à segurança, o amanhã sucede o hoje e o hoje é a morte do ontem.



d) Os Indicativos para a Ação



Culturalmente são criados mecanismos para compensar o fato constatável de que aquilo que destrói e que agride os valores tidos como positivos é que possui maior força. Segundo essa ótica, são os valores negativos que fazem surgir a cultura. A força opressora da assimetria faz com que as criações culturais invariavelmente reposicionem os pólos através de artifícios, tais como "a morte é o início de uma nova vida", "nada melhor que um dia depois do outro"," a velhice traz a sabedoria", etc. Para esses fins, tanto contribui a religião quanto a ciência, os mitos, as artes, enfim tudo aquilo que se pauta em códigos, conjuntos de linguagens e regras arbitradas e legitimadas culturalmente. Assim, através de ações simbólicas, o homem passa a operar numa outra realidade, onde a morte se converte em vida eterna, as dificuldades do dia-a-dia são desafios que fazem crescer, onde a beleza interior é mais bela que aquela aparente (e vice-versa), onde ter dinheiro é ter poder para enfrentar e superar as intempéries da vida, e assim por diante. Norval Baitello Jr. diz que o homem, "antes de vencer algumas doenças através da penicilina, já as havia vencido pelo símbolo" , reportando-se à prática dos xamãs. Veremos, também, como a publicidade dos bancos vai recorrer aos mecanismos de superação da primeira realidade através das metáforas do dinheiro.





e) Estratégias de Superação



Decorrem da natureza do quarto universal da cultura, os indicativos de ação. Como a superação só é possível no nível simbólico, os padrões de solução, todos eles, localizam-se na esfera da cultura, na forma de regras de operação e transformação. Funcionam como matrizes de pensamento, módulos de ação cristalizados pela história, transmitidos e armazenados como informação pela tradição , sofrendo poucas e não substanciais variações. Trata-se de respostas do homem aos desafios da natureza e da sociedade (a sociedade, imitando a natureza, também cria assimetrias). Vejamos, pois, quais são as estratégias mais comuns, relacionadas por Bystrina. Exemplificaremos tais operações, analisando conceitos presentes em alguns slogans de bancos:





1) alteração dos pólos binários: relativiza-se o pólo negativo, tornando-o positivo; conseqüentemente, numa oposição binária, o pólo positivo passa a ser insinuado como negativo ou a ter sua positividade condicionada àquele que foi relativizado.



"Nossa experiência, sua garantia." (Banco Econômico)

O conceito "experiência", associado à tradição, aos muitos anos vividos (idéia de passado) e experimentados no ramo de trabalho bancário relaciona-se com o conceito de velhice, pólo negativo, uma vez que lembra a proximidade da morte. A cultura eufemiza a velhice através do enaltecimento da experiência, um valor positivo se contraposto à inexperiência. O universo conceitual é pois deslocado para outra binariedade polar e assimétrica, onde "ser experiente" é ser mais eficiente, é correr menos riscos e, assim, estar mais garantido. Os velhos, pela memória da cultura, são tidos como mais experientes e, portanto, mais sábios e mais garantidos, muito embora sejam mais vulneráveis — ou seja, menos garantidos — contra ameaças de natureza biológica.



Já "garantia" é um conceito que, no slogan, diz respeito a uma situação presente (estar garantido) ou futura (você estará garantido se estiver com o Banco Econômico). Seria um valor positivo, se contraposto à falta de garantia, à vulnerabilidade. Porém, no slogan, torna-se uma ameaça velada pois está condicionado à experiência do Banco. Como tudo o que ameaça possui conotação mais forte do que o que se defende, a garantia funciona como pólo negativo.



O slogan consegue, dessa forma, desestabilizar as garantias de quem tem dinheiro para aplicar e, ao mesmo tempo, condicioná-las à experiência de quem sabe fazer melhor. O dinheiro não aparece na frase senão simbiotizado com a própria sobrevivência do indivíduo. O que está em jogo não é a garantia do dinheiro, mas da condição de vida do potencial aplicador ou tomador de empréstimo.



É o conjunto dessas significações embutidas que nos autoriza a concluir que o slogan é sempre um texto cultural.



2) transpolarização: a inversão dos pólos, dentro de um mesmo universo semântico-cultural, é outra forma de superação simbólica dos problemas da primeira realidade. O melhor exemplo dessa operação pode ser encontrado no dito popular "os últimos serão os primeiros", ou seja, o negativo será positivo.



"O cliente em primeiro lugar." (Bamerindus)

Citando, de certa forma, o provérbio norte-americano que diz "o cliente sempre tem razão", o slogan processa uma transpolarização que é culturalmente aceita como discurso e entendida como verdade existencial.

Aos bancos interessam em primeiro lugar as operações financeiras que geram lucros no comércio do dinheiro. É essa a razão de ser dessas empresas. Até mesmo os denominados "objetivos sociais" de bancos ligados ao Estado, como o Banco do Brasil, devem submeter-se ao lucro, ainda que eufemicamente referido como "remuneração adequada ao acionista" . Reconhecer, entretanto, a frieza e a crueldade das operações financeiras como atividade realmente primeira dos bancos em nada contribui para que vendam positivamente sua imagem ao público.

Ao banco, não cabe ocupar-se da pessoa do cliente (sujeita a paixões, carências, desejos de toda ordem). Pessoas só se tornam clientes quando abrem conta ou solicitam empréstimo aos bancos; é pois um interesse direcionado que cria a condição-cliente. A figura de linguagem aí empregada é a sinédoque que, como vimos no capítulo anterior, caracteriza o todo pela parte, criando a ilusão de que a função não aliena o todo.



O deslocamento do foco de interesse da operação financeira para a pessoa-cliente é apenas um caso ilustrativo da medida de inserção do fenômeno da transpolarização nas práticas culturais. De tão comum, chega a passar desapercebido, a ponto de o próprio cidadão estar convicto de que aquele banco que melhor o atende é, por isso mesmo, aquele que mais o valoriza como pessoa.



A mensagem – que possui inúmeras variantes do tipo "Banco do Cliente Especial" ou "Um Amigo na Praça" — induz o receptor a entender que suas peculiaridades, suas singularidades serão consideradas como únicas por aquele banco, ou seja, que ele terá tratamento pessoal, individualizado, com altíssima deferência.



Este é um recurso muito utilizado pelos sistemas utópicos, pelos programas sociais do governo e, comumente, pelos meios de comunicação. O rol dos clientes de um banco é constituído de inúmeros mosaicos e comporta inúmeras contradições. Porém, os bancos não se curvam ao pluralismo: atendimento pessoal e diferenciado só é possível àqueles que possuem muito dinheiro e, conseqüentemente, podem dar mais lucro à empresa.



Em resumo, o mecanismo cultural da transpolarização possibilita a inversão de valores, em proveito da renovação do discurso da cultura. Na publicidade, ele funciona na razão direta do interesse do anunciante em ser aceito socialmente e ter o seu produto ou serviço consumido por um maior número de pessoas.



3) união dos opostos através da mediação: é um dos modelos de solução mais comumente utilizados pela cultura. O elemento mediador possibilita a passagem simbólica de opostos distantes e dificilmente apaziguáveis. Assim, entre Deus e o Homem, introduz-se a imagem do sacerdote; entre a ignorância e a sabedoria, a figura do professor. É o mediador que possibilita a repolarização. É possível verificar tal mecanismo na maioria dos slogans de bancos: normalmente, a instituição financeira é colocada como elemento intermediário entre desejo e satisfação, ideal e realização, entre espera e encontro:



"Ninguém tem um problema igual ao seu. Ninguém tem uma solução igual à nossa." (ABC)

"Nós seguramos o futuro de sua empresa." (Seguro Ouro Empresarial - Banco do Brasil)

"O banco que resolve seu problema." (Noroeste)

"Atender bem é resolver o problema do cliente." (Econômico)

"Nós sabemos aonde você quer chegar." (Chase)

"A força ao seu lado." (LLoyds Bank)

Tais slogans evidenciam as instituições bancárias como a "chave" da compatibilização entre as carências humanas e os diferentes objetos da satisfação, na medida em que os Bancos possuem o dinheiro (ou o crédito), ou seja, a força, a solução do problema, a garantia de um futuro auspicioso, etc. Conforme vimos anteriormente, em Marx, o dinheiro afasta as necessidades, eliminando-as ou preenchendo a ausência do objeto de prazer.



d) as zonas cinzentas: denominação dada por Van Gennep aos espaços intermediários, às zonas de transição de um pólo binário ao outro. A passagem pelas zonas cinzentas é estágio obrigatório nas tentativas de superação simbólica da primeira realidade. Entre o certo e o errado, por exemplo, haverá um espaço/tempo fronteiriço, onde algo pode ser certo-e-errado, onde a delimitação não se faz com precisão. Por serem incertos, é neles que se dá a indecisão, a polivalência, a grande insegurança. Não se localizar em nenhum dos pólos, não pertencer nem a um sistema nem ao outro é algo que gera angústias. Por isso, a cultura cria leis que delimitam até onde é permitido ir e até onde o homem está sujeito a punições: o cidadão tende a se sentir mais seguro quanto mais se acredita cercado de regras, crenças e dogmas. São essas necessidades que promovem as diferenças entre os povos e que estabelecem os limites de cada cultura particular, no tempo e no espaço.



Porém, muitos são os casos em que a transposição dos limites é desejável e até imprescindível. Para que isso ocorra sem dor, a cultura cria rituais — ritos de passagem —, como as cerimônias de batismo, casamento, transmissão de cargos, posse, perda ou aquisição de cidadania, concursos, exames, candidaturas, sepultamento, entre outros, e leis capazes de proteger e legitimar a transição.



"É a busca do pólo considerado positivo que nos faz passar constantemente pela zona cinzenta", diz o professor Norval Baitello Jr. , pois a tendência da cultura é fugir, ainda que simbolicamente, à forte atração do pólo negativo.



A segurança contra os riscos, que a posse do dinheiro propicia, pode também amenizar as passagens, reduzindo os perigos e as possíveis adversidades do desconhecido. Traduzido em cheques de viagem, cartão de crédito ou apólice de seguro, além das diversas modalidades de crédito rotativo, o dinheiro pode servir como documento de apresentação e garantia de boas performances na passagem e no ingresso em culturas diferentes. A necessidade de os bancos afirmarem suas presenças junto aos clientes (em qualquer lugar e a qualquer hora) é também uma resposta ao medo da solidão, ao temor do desamparo que as passagens inevitavelmente trazem.



"Viaje despreocupado com os cheques de viagem Chase Manhattan."

"A apresentação que vale ouro." (Ourocard)

"Travelers Cheques Banco do Brasil: com ele o mundo fala a sua língua."

"Um banco sem fronteiras." (Banco do Brasil)

"Presente em todos os momentos." (Banco do Brasil)

"Não saia de casa sem ele." (American Express)

"O Itaú está onde você precisa."

"Nós sabemos aonde você quer chegar." (Chase)

Estão embutidas nesses slogans as sensações de temor à adversidade, do medo do desconhecido, da solidão de quem tem de se deslocar da sua "casa" e das incertezas de quem quer "vencer" na vida. Todos os que vão passar pelas zonas cinzentas devem estar protegidos e ,para tanto, podem contar com o seu banco. Aproveitando-se da fragilidade do momento, o apelo ganha em pregnância e em persuasão.



Vê-se, assim, como os mecanismos universais que operam a segunda realidade, a realidade da cultura, comandam a formação de estruturas comunicativas, baseados em fatos da primeira realidade. Entretanto, é preciso ressaltar que a realidade hipolingüística, por si mesma, não gera as criações simbólicas que vão constituir a cultura. É a consciência do risco, dos perigos e, em última análise, a consciência da morte que vão desencadear o fazer cultural . Os animais não dotados de consciência não criam cultura; o homem, animal simbólico por excelência, se defende no mundo dos signos e se faz no jogo semiótico das linguagens.



É nesse jogo que, conjugado a outros subsistemas, o sistema "dinheiro" forma textos culturais, através dos quais ele é entendido como absolutamente responsável pela sobrevivência social e cultural das pessoas.



Dinheiro é texto cultural



Vimos, portanto, alguns mecanismos semiótico-culturais que estão presentes nos slogans de Instituições Financeiras e como eles explicam a necessidade de as metáforas caminharem em determinadas direções.



Sabemos, entretanto, que o dinheiro ocasiona inúmeros outros textos culturais onde quer que se apresente. Jean Baudrillard, por exemplo, analisando o sistema de crédito - quando há consumo sem a prévia existência do dinheiro - levanta uma série de questões que, basicamente, invertem algumas posições que aqui defendemos: o instrumento hábil de aquisição, nesses casos, é a possibilidade do dinheiro, entendido, assim, sua ausência como a potencialidade de consumo. Os conceitos de segurança, proteção, tranqüilidade e conforto ficam, no caso do crédito, altamente fragilizados, adquirindo feições de uma inevitável corrida contra o tempo.



Porém, não temos dúvidas de que em qualquer unidade informacional gerada pelo sistema "dinheiro" estarão presentes e atuantes os mecanismos básicos dos universais da cultura, polarizando as mesmas binariedades básicas presentes nos códigos da primeira realidade.



Embora tenham multiplicado os usos do dinheiro, criando-lhes substitutos específicos para cada modalidade de transação financeira, os bancos irremediavelmente nos mostram - através de suas mensagens publicitárias - o quanto o homem necessita de matrizes geradoras de padrões de pensamento e de ação para alimentar seu imaginário e, assim, fazer frente aos desafios da natureza e da sociedade. O fato cultural não se constitui de outra coisa senão dos resultados parciais desses esforços se superação simbólica das inexorabilidades da primeira realidade.





Bibliografia



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