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Artigos-->As Virtudes Terapêuticas do Palavrão -- 13/09/2004 - 18:06 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




AS VIRTUDES TERAPÊUTICAS DO PALAVRÃO



Luiz Iasbeck







O antropólogo James Frazer, em sua obra The Golden Bough, de 1922 nos fazia uma interessante revelação de caráter semiótico: muitos selvagens são incapazes de dissociar as palavras - os nomes - daqueles objetos ou fenômenos aos quais eles se referem. É como se ao falar o nome, esses ainda “incultos” selvagens invocassem a coisa, trazendo-a para si.



O ilustre antropólogo inglês poderia ter tido menos trabalho para chegar a essa conclusão se tivesse, por exemplo, visitado o interior de Minas Gerais, onde o caipira se nega a falar o nome de qualquer coisa feia ou ruim para não atrair desgraça. Assim, falar em câncer ou em aids, nem pensar ... essas doenças são “aquela doença ruim”. Entre os grupos de risco – não só de Minas Gerais – é proibido falar em aids, senão com metáforas do tipo “tia”.



Conforme nos conta Susan Sontag em “A Aids e suas Metáforas” esse desvio do confronto verbal não é novo, pois foi precedido por idênticas estratégias na época em que a tuberculose era a doença da moda. Ela nos conta que o nome da doença parecia dotado de um poder mágico, de um poder de contágio e de afecção tamanho, como se o som da palavra fosse determinante para adoecer organismos medrosos.



Alguns médicos evitam dizer ao paciente o nome da doença que têm, certos de que a informação teria maior poder de consumir o enfermo do que a evolução da doença, ela mesma. . O Dr. Karl Menninger, em seu livro O Equilíbrio Vital afirma que a simples palavra câncer teria sido a responsável direta pela morte de vários de seus pacientes.



A mesma lógica mágica que aproxima o signo de seu objeto está presente no modo como as pessoas “educadas” evitam, socialmente, o palavrão. Não vai muito longe o tempo em que um presidente da república eleito pelo povo brasileiro afirmava ter nascido com “aquilo” roxo. À maneira dos primatas que sacodem o escroto para mostrarem virilidade, aquele sujeito escancarava para a opinião pública uma necessidade suficientemente bárbara para não ser escondida e suficientemente culta para não ser revelada.



O palavrão não é uma palavra grande como o aumentativo sugere porque pode ser formado por apenas duas letras ... ou mesmo por um gesto, numa tradução semiótica tão espontânea quanto erudita. Entretanto, muito mais que palavra, o palavrão é um ícone, ou seja, um signo que se confunde com o seu objeto, trazendo para o interpretante não a natureza deste, mas a força emocional que os torna indistintos e inconfundíveis.



O palavrão vale, pois, pela agressividade que comporta e distribui, contribuindo assim para aliviar sobremaneira o stress emocional de quem o libera. Um alivio relativo porque ao chegar ao seu destino, dificilmente se acomodará sem retornar ao remetente, à moda de um eficiente bumerangue.



Nas grandes cidades, o trânsito é o ecossistema preferido do palavrão em todas as suas modalidades e linguagens, com vantagens para as não-verbais, dadas as peculiaridades do ambiente. Revestidos de couraças de lata, pessoas simples, simplórias e indefesas consideram-se indestrutíveis, super-heróis do asfalto, pilotos indomáveis, até espatifarem seus chevettes, gols e audis num poste ou ... defrontarem-se com outro super-herói que educadamente “dá seta” para entrar na sua pista. Em Brasília, a pior condição para mudar de faixa é “dar seta” ... todos os motoristas, na certa, aceleram para que você não entre. É como se buscar um lugar para rolar na fila ao lado fosse invadir propriedade privada ou desafiar o poder dos enlatados já enfileirados.



Assim, no ambiente preferido do palavrão, também o carro é iconizado e tornado inseparável de seu proprietário. Um espaço, portanto, bastante apropriado para os inteligentes outdoors que já começam a ser instalados nas grandes cidades, às vésperas de mais um pleito democrático. O político que permite sujar ruas com folhetos e cartazes sempre teve nome e sobrenome, mas agora ele é filho da puta, porco e mau caráter, sem direito a qualquer tipo de imunidade.



O prazer que sentimos ao decifrar o enigma, com uma ajudinha gráfica, evidentemente, quase se equivale ao prazer de uma vingança contra aqueles que, ávidos de poder, dinheiro e privilégios nos assediam indecentemente suplicando o voto para serem eleitos. Porém, num segundo seguinte, no tempo mesmo de o outdoor sumir pelo retrovisor, aquele prazer parece diminuído pela sensação de permanência, de continuidade, de impunidade.



O palavrão, assim como nossos políticos, são passageiros, têm uma força efêmera e fugaz, não se contentam com o ineditismo e confundem o signo com a coisa, ela mesma. Não dá para separar a expressão filho da puta, do político, ele mesmo, assim como não dá para separar o político do filho da puta, ele mesmo.



Desse modo, o lugar que outrora era ocupado pelo mau caráter, pelo corrupto é hoje emotivamente tomado pelo mais nobre e vil todos os nossos palavrões, aquele que não pode ser dito ou traduzido à distância. É o tipo do palavrão que pede enfrentamento, olho no olho, boca e ouvidos atentos, corpos próximos, tudo em defesa da mãe ofendida e, por pequena extensão, à pátria mãe gentil .. que os pariu.



A campanha pela limpeza do espaço público que ora se inicia de forma tão inteligente precisa ser estendida para a limpeza dos órgãos públicos, infestados de filhos de mães igualmente mau-ditas.



O palavrão tende a ser confundido com a coisa que ele designa. Susan Sontag, o Dr. Menniger e o elegante Sir James Frazer ao identificarem nos nomes próprios a possível origem de algumas doenças poderiam ter-se debruçado um pouco sobre as virtudes terapêuticas de alguns nomes impróprios ... tão propriamente simbiotizados com aquilo que designam.



Quem sabe, repetidos como mantra, esses emoticons radicais engulam seus objetos, tornando-se tão estéreis quanto tem sido a já monótona denúncia - que a mídia insiste em atualizar - de corrupção no meio político brasileiro?











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