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Artigos-->Produção e Recepção na Comunicação Publicitária -- 13/09/2004 - 18:11 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Produção e Recepção na Comunicação Publicitária

Uma questão de identidade





Luiz Carlos A. Iasbeck







A necessidade premente de se otimizar a comunicação publicitária para atender às necessidades dos anunciantes tem proporcionado o surgimento de sérios impasses, comumente solucionados por decisões de última hora e que nem sempre contemplam a complexidade semiótico-conjuntural daquilo que convencionamos denominar "realidade".



A publicidade, parte integrante do discurso do anunciante, é entendida como manifestação de sua identidade e uma das formas de comunicação que mais fortemente contribuem para a formação da imagem de uma empresa ou de uma marca na mente do público. Entretanto, para que possamos entender a publicidade como ingrediente de "identidade" é preciso, antes, considerarmos as múltiplas relações embutidas nos conceitos - aparentemente banais - de "discurso" e "imagem" .



Para tratar esse assunto, recorremos à metodologia semiótica extraída, em parte, da Teoria Geral dos Signos de Charles Sanders Peirce (1845-1914), filósofo norte-americano iniciador dos estudos da semiótica, contemporâneo e conterrâneo de Walter Dill Scott ( autor de Theory of Advertising, 1903), Ernest Cals Kins e Ralph Holden (autores de Modern Advertising, 1905), primeiros estudiosos que se dedicaram a tratar a publicidade como saber cultural nas universidades americanas do início do século XX. Embora a publicidade não tenha sido abordada especificamente por Peirce, o desenvolvimento de suas teorias sobre os mecanismos da percepção e da produção sígnica possuem elementos capazes de balizar um tratamento análogo a qualquer modalidade de produção cultural da modernidade.



Utilizamo-nos, também, de algumas das originais idéias desenvolvidas por Yuri Lotman, semioticista eslavo fundador da escola de Tartu, sobre o conceito de "texto" e sua aplicação aos estudos da cultura. Umberto Eco, W. Mitchell, dentre outros, comparecem nesse breve estudo para tornar mais densas as relações entre percepção e realidade, bem como para nos apoiar na proposta de reformulação dos conceitos de "discurso", "identidade" e "imagem", no âmbito dos fundamentos teóricos da publicidade.



Discurso, Identidade e Imagem



Se perguntarmos a uma pessoa de cultura mediana sobre o significado desses três termos, haveria grande possibilidade de sua resposta girar em torno de algo assim:



"Discurso é aquilo que se diz a um público relativamente numeroso, algo que se fala sobre algum assunto, palavreado vão ou tedioso, etc..."

"Identidade é o conjunto de características próprias e exclusivas de uma pessoa ou de alguma organização";

"Imagem é a representação de uma pessoa, geralmente famosa, ou de um objeto, de forma artística ou não.” ·



Nosso fictício entrevistado está rigorosamente abonado pelo mais famoso dos dicionários da Língua Portuguesa. Entretanto, nenhum desses conceitos, da forma como dicionarizado, contribui para que possamos entender algumas expressões muito utilizadas no meio publicitário tais como "discurso institucional", "identidade visual" ou "imagem corporativa, de produto ou de serviços".



Com o propósito de resolver alguns problemas instaurados na comunicação publicitária, ampliamos o espectro desses conceitos; a partir daí, propomos soluções para situações que, nesse meio, normalmente são resolvidas com base na criatividade e em insights de oportunidade.





1) O Discurso e o Texto



Todas as linguagens - escrita, a falada, a linguagem das artes, da fotografia, do cinema, da televisão, dos gestos, do layout, da arquitetura, da publicidade - organizam-se em códigos próprios e diferenciados, afirmando-se como meios de expressão singulares e idênticos a si mesmos. As línguas "naturais", tidas como primeiras manifestações expressivas do homem, forneceram, segundo os estruturalistas europeus, a matriz para que outras linguagens se organizassem, até mesmo modificando modelos primários em sua essência. A linguagem do cinema, por exemplo, dispõe códigos visuais e sonoros (planos, narrativa, sonoplastia) numa gramática peculiar que a diferenciam até mesmo da linguagem de um outro meio de comunicação audiovisual bastante próximo como a televisão.



Focalizaremos o "discurso" na acepção mais geral possível, aquela que se confunde com o próprio conceito de linguagem. Por "discurso" entendemos - como os semioticistas da cultura - toda manifestação expressiva (toda linguagem) de que algo, alguém ou alguma organização se utiliza para comunicar-se com seu ecossistema, seu interlocutor ou seus públicos. Todavia, o discurso não se confunde com uma linguagem específica. No entender de Perez Tornero (1982), ele é uma modalidade privilegiada e específica de aplicação de linguagens diferentes e está ligado a enunciados concretos e processos identificáveis de produção social e cultural.



Se o discurso não demanda uma linguagem específica, mas caracteriza práticas sociais, culturais, econômicas, políticas, científicas, ele deve possuir características que o tornem identificável, classificável e diferenciável. Iuri Lotman, nos fala do discurso como algo que apenas se manifesta por representação - um signo, um significado global – acrescentamos -, tomando forma como uma entidade abstrata, evidenciada apenas a partir das produções que realiza, ou seja, da matéria significante que lhe dá sustentação e afirmação. O que torna o discurso visível é, para Lotman, sua estrutura textual, ou seja, o conjunto dos textos que o sustenta.



O reconhecimento do discurso através dos seus textos se dá pelo somatório das leituras que eles possibilitam. O texto é, assim e em última análise, tudo aquilo que pode ser lido: um cenário, a composição do vestuário, os modos de reagir de uma pessoa ou de um grupo, uma obra de arte, um texto verbal escrito.



Tomado como substrato do discurso, o texto é o espaço onde jogam e se articulam semioticamente as diversas linguagens. Em A Estrutura do Texto Artístico (1978), Lotman nos informa que um texto pode ser caracterizado por possuir:



a) expressão (ou conteúdo) – o que compõe internamente o sistema textual, dando-lhe encarnação material;

b) delimitação (ou fronteiras) - limites que circunscrevem o texto, criando oposições com outros textos cujos signos não entram no seu conjunto, e

c) estrutura (ou forma) - uma organização (gramática) interna que o transforma, ao nível sintagmático, num todo estrutural.



Outra peculiaridade dos textos, segundo Lotman, é o fato deles constituírem sistemas invariantes de relações, mesmo quando possuidores de alta complexidade. Porém, mesmo fechados, não sobrevivem se não mantêm diálogos extratextuais. A importância da comunicação entre os sistemas de textos é de vital importância para a produção e a proliferação do sentido:



"As ligações extratextuais de uma obra podem ser descritas como a relação do conjunto dos elementos fixados no texto com o conjunto dos elementos a partir do qual foi realizada a escolha do elemento utilizado que é dado. (Lotman, 1978-102)



A compreensão do funcionamento de todos esses elementos que constituem a organização do texto, no sentido que lhe confere a semiótica da cultura, é imprescindível para que possamos entender a "fala" do discurso publicitária. Constituem essa "fala" todas aquelas características (identidades) que nos levam a diferenciá-la de outros discursos específicos, tais como o discurso científico, o literário, o discurso filosófico, dentre outros, e para entender a competência persuasiva de que ele se utiliza para convencer e provocar adesão.



Umberto Eco afirma que a eficácia persuasiva da publicidade não se dá em textos particulares mas no seu discurso global, totalizante. E assim explica o fato de seus resultados, em muitos casos, contrariarem os próprios publicitários. Ele entende que, na maioria das vezes, os publicitários não se dão conta de que:



a) o produto é apenas um pretexto para recordar fatos, situações ou idéias;

b) não se promove um produto, mas o consumo e o consumismo, e

c) apesar das novidades de cada texto particular, para o público tudo acontece com uma mesma retórica, uma mesma estrutura, onde é sempre possível reconhecer algo já falado. (Eco, 1987)



O discurso publicitário embute, dessa maneira, uma ideologia que perpassa todos os textos particulares que produz, independentemente do grau de criatividade e das eventuais "transgressões" aos códigos tradicionais que algum deles possa apresentar como "diferencial". Mas não podemos pensar o discurso como " idealização" "paradigma" ou "acervo" de onde o produtor vai retirar material para sua obra. O discurso não se estabelece por possuir uma gramática interna ou formas ideais, muito embora as possua, uma vez que é, em todas as suas características, um grande texto.



As intenções e os argumentos do discurso publicitário, apresentados em textos singulares, articulados sintática e semanticamente para induzir a produção de sentido em determinadas direções, dificilmente poderão "dizer" algo diferente da promoção do consumismo, da recordação e alimentação do hedonismo, elementos fundantes que guiam as prática persuasivas. O arranjo sígnico das peças publicitárias procurará, assim, privilegiar interpretantes que correspondam, em certo grau e medida, ao previsto nas intenções do emissor, aquele que pretende vender seu produto.



Por esse motivo, todos os elementos sígnicos que compõem uma peça publicitária, seja ela impressa, sonora, audiovisual - e principalmente as de feições interativas - devem ser selecionados e trabalhados de forma a possibilitarem maior densidade de leitura nas relações que promovem entre si do que em cada um de seus componentes tomados isoladamente. Vejamos como isso ocorre, num exemplo hipotético. Suponhamos uma peça publicitária comum, daquelas da indústria automobilística: um automóvel vermelho e conversível, fotografado em estúdio, tendo ao lado ,estacionada, uma mulher atraente. Numa peça como essa, podemos destacar como textos discursivos integrantes, as seguintes unidades de sentido:



1) a cor do automóvel;

2) o design de suas linhas;

3) a estratégia de luminosidade escolhida;

4) os ângulos de apresentação dos motivos;

5) o grau de tecnologia sugerido para o carro;

6) o aspecto físico da modelo e seu vestuário;

7) a marca-símbolo do fabricante;

8) a gramática dos planos fotográficos;

9) o enquadramento da fotografia;

10) a diagramação (disposição) do texto verbal escrito;

11) a diretividade ou sugestão do slogan ou chamada;

12) a diagramação da página;

13) a posição da página na revista ou no jornal;

14) a qualidade do papel;

15) o impacto provocado pelo apelo estético;

16) a quantidade e a qualidade dos elementos dos componentes;

17) a quantidade de argumentos do texto escrito;

18) a direção do olhar da modelo;

19) o "ponto de fuga" dos elementos da composição;

20) o brilho do automóvel;

21) as características da mídia que veicula o anúncio



Dentre tantos outros, os "textos" listáveis poderiam estender-se por muitas e muitas páginas e, ao final, teríamos sempre a impressão de que algum elemento significativo teria ficado de fora.



O elenco dos textos (acima), propositalmente tomado sem compromisso com alguma ordenação hierárquica, pretende demonstrar que desde o mais ínfimo aspecto (como o olhar da modelo, por exemplo) até aqueles que possamos considerar, ingenuamente, os mais significativos (o tipo do automóvel, sua beleza, sua cor, etc.), todos eles, individualmente, são relativizados e drasticamente alterados em função do mosaico que compõe o conjunto. São diversos textos compondo uma peça publicitária que, por sua vez, mantém coerência com o grande discurso publicitário de fomento ao consumo e ao hedonismo. Nesse conjunto, qualquer transgressão, por menor que seja (o olhar indiferente da modelo ou uma desordem no plano de fundo, por exemplo), comprometeria as intenções do discurso, ensejando o aparecimento de novos e indesejáveis interpretantes.



É importante salientar que alguns componentes do texto, a princípio estranhos ao conjunto, podem quebrar a linearidade da leitura, proporcionando relações ambígüas e multiplaneares. Quando isso acontece nas obras de arte ou em alguma criação publicitária, o produto final instiga o leitor a decifrá-lo, tornando-se, assim, atraente e polarizador de atenções. Esse é um dos fenômenos que evocam "criatividade". Como conseqüência, o fruidor ou leitor é levado a construir novos textos, multiplando as metáforas, ampliando sentidos, tornando mais totalizante e densa a mensagem.



Administrar todo esse discurso é saber, de forma criativa, aproximar ou distanciar diversos textos de um texto maior que corresponda às intenções do anunciante e às necessidades do público. Antes, porém, de constituir ação concreta sobre diversos textos, o ato de administrar o discurso supõe conhecimento amplo e disposição interior de conhecer o máximo de realidade possível. Evidentemente, estamos nos referindo àquelas realidades que, via signo, geram reação no ambiente que se pretende administrar. Não se trata, como muitos pensam, de uma pasteurização das diferenças em torno de uma ou algumas possibilidades; antes é um exercício de formação de novas relações que exacerbem diferenças em torno de algum motivo central ou periférico. Esse talvez seja um aspecto importante para determinar o maior ou menor grau de riqueza criativa numa produção artística qualquer e numa peça ou campanha publicitária em particular.



Por isso, administrar o discurso publicitário é ter presente a complexidade dos elementos que o compõem e, ainda mais, promover as diferenças que nele insistem em aparecer.

A distinção entre texto e discurso, principalmente no estudo da publicidade, antes de constituir mera veleidade acadêmica é, como vemos, de importância primordial para que possamos entendê-la além do meramente constatável pelos efeitos que produz. E também para que possamos compreender um outro conceito que, no meio publicitário, é comumente pasteurizado e confundido com as características do discurso: a imagem.



2) Imagem: Reflexão e Refração



Imagem é o termo que comumente utilizamos para designar representações visuais ou mentais, gráficas ou verbais de algo que existe ou que poderia existir. Ele se presta tanto para objetos e seres reais como para ficções, funcionando, nesse casos, como expressão de existência real ou provável. Interessa-nos, porém, revelar a "imagem" como "impressão", algo que, à semelhança de um espelho, reflete e refrata a luz. Se o discurso, como vimos, se dá na expressividade de elementos informativos agrupados em textos, a imagem, seu contraponto, seria o local da impressão provocada pela ação do discurso.



Assim entendido, o discurso não contém a imagem, mas seus ingredientes arranjados de tal forma a sugerir a representação icônica dos textos (expressão). O ícone é, segundo Peirce, um tipo de signo apreendido pelos órgãos dos sentidos e produtor de diversas qualidades de sensações. O caráter subjetivo e altamente variável que permeia a formação das imagens leva-nos a considerar ingênuas quaisquer pretensões discursivas de objetividade sobre elas: como traduzir de forma inequívoca uma sensação que, apreendida em outro domínio ou em outra rede interpretante, resultaria noutras possibilidades discursivas?



Lúcia Santaella (1992) vai mais longe no entendimento das imagens e diz que



"existe um sentido muito vasto, que vem da antigüidade clássica, segundo o qual a imagem não é simplesmente um tipo de signo, mas um princípio fundamental que mantém a unidade do mundo".



Como noção geral, a imagem se ramifica em várias similitudes específicas (conveniência, emulação, analogia, simpatia) que funcionam como figuras do conhecimento. A amplitude dessa conceituação alarga nosso entendimento do que venha a ser imagem e torna ainda mais complexo nosso estudo.



W.J.T. Mitchell, em sua pesquisa sobre a iconologia (Iconology - Image, text, Ideology, 1986), propõe um entendimento igualmente amplo do que venha a ser imagem, mas torna operacionalizável a análise das imagens, dividindo-as em cinco famílias:



a) as imagens gráficas, como as pinturas, as estátuas, os desenhos, a diagramação;

b) as imagens óticas, aquelas geradas pelo espelhamento, pela projeção;

c) as imagens perceptuais, que nos chegam pelos sentidos ou perceptos e pelo reconhecimento de sua aparência;

d) as imagens mentais, aquelas dos sonhos, da memória, das idéias, da lembrança e,

e) as imagens verbais, descritas pelas palavras e sugeridas pelas metáforas.



Tal classificação tem o mérito de estender também às imagens verbais os critérios de análise aplicados às imagens gráficas ou óticas enquanto representações, mas diferenciadas enquanto de naturezas diversas.



Sabemos que o registro visual possui a competência de merecer prioridade na leitura. Um slogan em destaque num anúncio, desenhado em tipos gráficos de grosso calibre pode, pelo destaque, trazer para si a prioridade da leitura de uma peça publicitária, antes mesmo de a ilustração ser percebida. Nesses casos, é possível que a mensagem ali contida, por ser a primeira a ser recebida, venha a condicionar o entendimento de toda a peça, guiando a interpretação. Mas independente dessa prioridade de percepção linear, a imagem escrita, também como a gráfica, pode ser polissêmica, pode conotar e despertar relações simbólicas.



Tais considerações nos remetem –novamente - à noção de texto, de que tratamos no item anterior. As imagens, sejam quais forem, nos chegam através de feixes perceptivos, de signos articulados em contigüidade e similaridade, de tal modo que formam sintagmas capazes de serem lidos e interpretados.



Porém, a interpretação não se dá simplesmente a partir do que se recebe, mas do conflito que os textos recebidos estabelecem no ambiente da recepção. É nesse momento que o discurso sofre interferências e multiplica-se por inferências analógicas. O leitor dos textos (ou dos estímulos expressivos) possui seu próprio repertório, lembranças, sensações, familiaridades e competências associativas, provavelmente bastante diversas do ambiente semântico ou das intenções daquele que produziu a mensagem.



Se tais condições não são levadas em conta na produção do discurso, muito provavelmente as intenções persuasivas do emissor poderão sofrer desvios indesejáveis, deixando de alcançar seus objetivos ou atingindo lugares inusitados. Por isso, a "administração da imagem" não pode ser considerada segura ou eficaz quando exercida apenas no domínio dos textos discursivos, ou seja, no domínio do emissor/produtor.



Como a imagem é construída com colaboração intensa do receptor, podemos dizer que o público do discurso publicitário é co-autor do discurso. Pode inferir metáforas, elaborar ambigüidades, reverter a direcionalidade dos mecanismos da retórica persuasiva, selecionar –alijando ou acolhendo - aqueles textos que melhor se identifiquem com suas expectativas, contingenciamentos, desejos e necessidades. Nesse ambiente, dificilmente um texto será recebido tal como emitido. A imagem resulta, portanto, de uma reelaboração, de um retrabalho do sentido no domínio da recepção.



As pesquisas que buscam saber como uma determinada peça foi recebida escoram-se – na maioria das vezes - nos resultados de venda do produto ou no grau de adesão à causa do anúncio. É uma forma lateral de obter feedback, e, por isso mesmo, sujeita a interferências de outros aspectos mercadológicos que não estão diretamente relacionados com a qualidade do apelo publicitário. Normalmente apresentados em forma estatística, os resultados das pesquisas tornam-se frágeis e vulneráveis para medir a qualidade da imagem.



Não é objetivo desse trabalho propor instrumentos eficazes de aferição da imagem. O que nos interessa é alertar para o fato de que, ao contrário do que se acredita, "precisar" uma imagem é algo muito difícil para quem está contaminado pelas intenções do discurso. Para atenuar os problemas decorrentes desse impasse, o produtor do discurso publicitário necessitaria dispor de instrumentos de pesquisa com metodologia capaz de reduzir aos menores índices possíveis as naturais interferências de intenção (emissão), em todas as fases do processo avaliativo: desde a elaboração dos instrumentos de pesquisa até a análise final dos dados coletados. Ainda assim, teríamos de reconhecer que a informação é irrecuperável, a não ser por fragmentos de sentido já alterados pela subjetividade da recepção.



A precariedade da imagem aferida pelas pesquisas deve ser levada em conta quando da sistematização desses dados com vistas à reelaboração estratégica do discurso. Acréscimos ou supressões, deslocamentos para novas associações, a condensação em áreas inicialmente não previstas são fatores que devem ser levados em conta na percepção da recepção. Só assim podemos ter algum grau de segurança para estabelecer entre discurso e imagem os limites e os graus de identidade.





3) Identidade - Um Conceito Relacional



O terceiro e talvez mais importante flanco da questão a que nos remetemos é a identidade. Comumente relacionada aos traços que individualizam a existência de objetos animados e inanimados, a identidade é, muitas vezes, confundida com as características do discurso e da imagem.



Identidade é, porém, um conceito eminentemente relacional, nunca absoluto. Não há como existir o "idêntico" (de onde vem a palavra "identidade") sem que, pelo menos, dois elementos sejam colocados em comparação. Algumas confusões conceituais acontecem - e não raras vezes - porque nos acostumamos a animar certos conceitos, antropomorfizando-os. E já se tornou costume associar identidade aos traços diferenciais de uma pessoa, conforme está registrado no dicionário Aurélio.



Cada pessoa, cada objeto são íntegros e únicos em suas diferenças. Mas o que os torna diferentes entre si e diferentes dos não é tanto suas peculiaridades intrínsecas mas a existência de um outro que não é ele.



Aqui inserimos o conceito peirceano de "alteridade", condição única de afirmação de existências singulares. O sujeito A não é o sujeito B e isso só pode ser afirmado porque o sujeito B existe como elemento de provação; caso só existisse A e nada mais, ele não teria identidade pois não teria com o que ser comparado.



Assim, é a diferença que possibilita o ordenamento e a hierarquia, ao mesmo tempo em que inviabiliza a possibilidade lógica da identidade absoluta. Se a existência de um segundo elemento determina a existência de um primeiro, podemos também concluir que ambos jamais poderão ser idênticos, sob pena de perderem suas diferenças. Dessa meneira, para que algo se afirme é necessário que exista um outro que o negue ou que lhe faça contraponto.



Foi esse tipo de preocupação que acompanhou Parmênides, Platão, Aristóteles, passando mais tarde por Heidegger, Hegel, Kant, Marx e tantos outros filósofos. A questão do ser e do não-ser tem ocupado, no decorrer dos séculos, as mais diversas vertentes do pensamento ocidental. No mundo oriental ela aparece de forma menos conflituosa, integrada em "complementariedades".



A teoria da comunicação, desde quando esboçada na configuração tricotômica de Aristóteles (emissor-mensagem-receptor), nos dá conta da relatividade do conceito de identidade. Localizemos para efeito de exemplificação, no lugar do emissor uma empresa vendedora de automóveis e, no lugar do receptor, coloquemos o potencial cmprador do veículo que ela oferece. Esses potenciais compradores possuem uma "imagem" do emissor, uma configuração qualquer segundo seu repertório particular; o emissor possui suas intenções (lucratividade, rentabilidade), necessidades (metas de vendas), seus textos (lojas, identidade visual, cores institucionais, etc.) e também uma imagem do receptor. Se o discurso fosse recebido tal como o emissor o pretende, em sua integridade (o que seria impossível, pois um não é absolutamente igual ao outro), ambos – emissor e receptores – teriam de ser idênticos.



Como não pode ser total, a identidade situa-se no meio do caminho, entre discurso e imagem. Ela se dá no espaço da mensagem (aqui entendida, de maneira ampla, como uma mistura destemperada de forma, conteúdo e contextualização) e só pode ser mensurada ou avaliada por graus de aproximação ou afastamento. Identidade pode ser, pois, comparada a um fiel de balança, o termo de comparação, o ponto de afirmação entre dois pólos.



Teríamos assim o seguinte diagrama:



Discurso...................* Identidade *....................Imagem



onde identidade, elemento abstraído da fricção entre emissão e recepção, é também o espaço do entendimento (ou do desentendimento). Essa conclusão, ainda que parcial, nos ajuda a compreender outras, tais como:



- a identidade total e absoluta é a negação das diferenças e, portanto, a negação da existência da informação;



- a identidade ótima deve situar-se numa faixa mais aproximada possível do ponto de indiferenciação entre discurso e imagem;

- quando o discurso contempla mais as expectativas do receptor do que suas conhecidas intenções, o critério de identidade fica comprometido, gerando, para o emissor, uma certa "crise de identidade";



- quando a imagem se apóia mais nos dados do discurso do que nas necessidades e veleidades do receptor, instaura-se também a crise de identidade;



e, finalmente, somos levados à conclusão que nos remete aos propósitos dessa investigação:



uma possível administração da identidade só pode dar-se pelo monitoramente constante da imagem, de onde são extraídos subsídios para a reformulçao estratégica do discurso.





4) Administrando a Identidade



Uma vez distingüidos, ainda que didaticamente, os conceitos de discurso, identidade e imagem, já se nos afigura possível o estabelecimento de alguns parâmetros capazes de balizar um trabalho conjunto de "administração da identidade", trabalho de grande importância para se obter eficácia nas produções publicitárias.



Um produto, um serviço ou uma idéia, quaisquer que sejam, geram múltiplos textos discursivos no seu núcleo imediato de atuação e nas séries que lhes são próximas. Por outro lado, e como conseqüência disso, produzem uma gama multifacetada de imagens, em muitos casos paradoxais e contraditórias. Definir o nível de identidade a ser alcançado fatiando cada texto e segmentando as diversas características do público-alvo, não nos parece tarefa facilmente operacionalizável numa loja ou agência publicitária.



Porém, pode-se ter uma idéia do grau de identidade mantido pelo anunciante com o seu público pela posição em que atualmente se situam os indicadores de aproximação e distanciamento da díade "discurso – imagem". Para tanto, algumas perguntas devem ser feitas:



* como vão as vendas do anunciante?

* existe ou não tradição do anunciante no mercado?

* como essa tradição e seus produtos são recebidos hoje?

* como eram recebidos num passado recente e remoto?

* quais foram as mudanças substanciais ocorridas no âmbito da empresa e nas especificidades do produto que anuncia?

* como o discurso acompanhou essas mudanças, ou como conseguiu camuflá-las para manter vendas?

* existe ou não necessidade de mudança e, caso positivo, em que direção elas devem seguir?

* quais são os indicadores dessa direção?

* como um novo discurso poderia afetar o anunciante e seu público?

* o que mudou nos hábitos dos consumidores desse produto?

* quais são as ligações mais evidentes e mais sutis entre os hábitos de consumo do público-alvo e a situação sócio-econômica e política do País e de sua região?

* como público tem recebido, de forma afetiva, os textos discursivos do anunciante?

* o discurso tem acomodado inquietações ou tem criado incômodos suportáveis?

* o discurso tem sido redundante em demasia, perdendo a novidade e o impacto?

* o consumo necessita ser provocado por impacto ou por acomodação gradativa? O produto se presta a tais estratégias?

* como a concorrência age e como é percebida pelo público-alvo?

* quais são os pontos fortes e fracos da concorrência?



Certamente muitas dessas perguntas não são novas aos profissionais de marketing, mas podem parecer estranhas àqueles publicitários que se ocupam apenas em seguir as orientações de um briefing . E ainda, não podemos afirmar que elas sejam feitas regularmente ou tenham suas respostas apuradas com a consciência de que, nessa área do saber e do fazer humanos, muitos problemas só se resolvem com outros problemas.



Em outras palavras, odemos dizer que os dificultadores de uma imagem favorável ao anunciante só serão resolvidos com a instauração de novos problemas, capazes de regular e redirecionar o discurso.



Um trabalho mais aprofundado de administração da identidade envolveria necessariamente o estudo minucioso dos ambientes do discurso e da recepção. Ainda que resumidamente, propomos que um trabalho de afinação da identidade ocorra através de quatro ações básicas e interligadas, a saber:



1) Ações de aferição da imagem

As imagens ou a grande imagem do cliente pode ser verificada através de instrumentos de pesquisa que contemplem metodologia pertinente aos propósitos de redução da interferência das intenções do discurso. Mais importante que a análise dos resultados obtidos será a elaboração da metodologia, uma vez que, nesse caso, o instrumento de aferição é que vai determinar o grau de confiabilidade das informações.

Uma inovação nessa área pode ser extraída da teoria peirceana que nomeia as possibilidades interpretantes, classificando-as segundo o caráter da apreensão, o lugar lógico da construção da imagem subjetiva e o nível de generalização possível a qualquer analogia.



2) Ações estratégicas de atuação direta sobre a imagem

Consistem em detectar os pontos críticos apontados pela pesquisa, analisá-los em confronto com os dados conjunturais e separar, para estudos mais aprofundados, aquelas informações que mais sensibilizam os parâmetros de mensuração. A partir desse trabalho, pode-se avançar no sentido de localizar em que pontos e em que direção o discurso pode ser alterado.



3) Ações de aferição do discurso

Detecção dos elementos determinantes do discurso e sua análise crítica, confrontados com os dados de cultura envolvidos. É de grande importância para se promover o direcionamento básico das intenções e o grau de afinidade que elas mantêm com os desejos e necessidades do público. Aqui, o anunciante deve promover o seu exame de consciência para evitar que os argumentos textuais de sua comunicação incorram em resistências e defesas retóricas, comprometendo a credibilidade e, com isso, o poder de persuasão do discurso.



4) Ações de regulação do discurso

É importante não confundir regulação com regulamentação, mesmo que a necessidade do um enseje a oportunidade do outro. Trata-se de estabelecer, ainda que provisoriamente, metas e paradigmas de atuação que contribuam para modificar - na direção apontada pelas ações de atuação na imagem - aquelas situações que não contribuam diretamente para a clareza e a coerência interna da comunicação.







Considerações Finais:

A Teoria na Prática e a Prática da Teoria



Assim como o artesão nem sempre tem consciência de que em sua produção estão inscritos os signos de uma comunidade, de uma cultura e uma identidade social, nem sempre o publicitário é capaz de se dar conta da dimensão sócio-cultural das concepções criativas presentes nos anúncios que elabora.



O homem de propaganda está constantemente sintonizado com as necessidades prementes e imediatas que devem ser satisfeitas para agradar o cliente e motivar o consumidor, de forma a propiciar o tão esperado retorno comercial.



Afogado nos afazeres do dia-a-dia, o publicitário brasileiro tem-se mostrado avesso às incursões teóricas e às reflexões sobre a linguagem, priorizando o modus operandi, cujo sucesso ou fracasso é medido exclusivamente em função de resultados de vendas e de índices de pesquisas. Na maioria das vezes acredita que a simples fidelidade ao briefing recebido é suficiente para bem exercer sua função.



Entretanto, esse quadro está sendo aos poucos alterado. Talvez pelo fato de as universidades brasileiras estarem, aos poucos, assumindo a importância do discurso publicitário como saber cultural.



Assim entendida, a publicidade ganha maior responsabilidade e corpo epistemológico próprio no território das mídias, ampliando o espectro de sua atuação, assumindo papel transformador e catalisador dos desejos coletivos que, em última análise, fomentam a cultura e reciclam os costumes.



As contribuições teóricas ao aperfeiçoamento das técnicas de produção cultural e a pesquisa empírica nas universidades complementam-se mutuamente e não podem continuar dissociadas, sob pena de o desenvolvimento tecnológico tornar obsoletas as pesquisas na área.



É nesse sentido que localizamos nossa investigação sobre os conceitos de discurso, identidade e imagem. Situando a identidade como critério relacional entre expressão e impressão, reposicionamos alguns conteúdos tradicionais do estudo da publicidade e algumas crenças que balizam o fazer publicitário.



Esperamos que a crise eventualmente ensaiada por nossas propostas possa abrir o conhecimento à complexidade, sugerindo novos rumos à pesquisa na área da comunicação publicitária.



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