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Contos-->Maldito preto fujão! -- 21/01/2002 - 11:22 (MIGUEL ANGEL FERNANDEZ) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(...) Nervosa, sentada na cadeira, imobilizada pela prudência segurando a raiva, jogou sobre a mesa um monte de feijão, foi contando um a um até chegar a duzentos. Noite fechada encontrou-a chegando a quinhentos e o brutal silêncio a acordou da pasmaceira numérica. Deu um grito repentino e a prudência voou longe junto com os feijões. Mais de duas horas escondendo o temido: ele a abandonara! Como o outro maldito preto fujão! Só podia tratar-se disso! O que afastava seu homem? Onde mais encontraria o que ela lhe dava? Ultraje traí-la assim. Imperdoável tratá-la desse jeito, depois de... Depois de quê? Magda, reflete. Você deu umas boas trepadas, fechando os olhos ao dinheiro deixado no criado-mudo “para pagar as despesas”, e que mais? Não sabe da existência de pessoas que, de tanto serem compradas, sentem raiva do pagador que as humilha? Jardineiro tem orgulho? Preto, inclusive? Magda, você é ridícula. Acreditou que um homem daqueles, mesmo fazendo parte dessa patuléia pobre, se contentaria em ser teu escravo sexual? Cansou da mulher “branca, gostosa, rica e puta!” Sufocante amar e ficar perto de você, Magda. Lembra Jandira. A vida dela se transformou, começou a dizer após conhecer-te, viver em função do próximo encontro. Isso te deixou toda cheia. Acabaste com a vidinha simplória dela. Tinha culpa de gostar que as pessoas ficassem satisfeitas? Usando-as a teu bel-prazer, parece mais sincero. Amava Jandira! Amava Tonho? Amor? Que amor? Só entusiasmo e tesão! Ele te deixou, Magda. Deve andar zanzando por aí, provavelmente atrás do sítio que sempre quis. Já entendeu o novo vazio? Bom se acostumar porque é isso que te espera. Os pênis só preenchem vagina, bocas e ânus, divertem; entretanto, a solidão é exigente. Ninguém está pensando em você, Magda. Ninguém sabe o limite do ódio de uma mulher!
Levantou brusca, derrubando a cadeira, e foi ao quarto. A cama vazia parecia mais cheia do que nunca. Por que esse desmando? Por que não aparecia nesse minuto, todo agitado, dizendo, encabulado: “Sinhá! Fui comprar uns teréns. Inda bem que está aqui. Senti sua falta, mulher! Nunca mais vai encontrar esta casa vazia. Nunca mais!”
(...)
Magda acendeu todas as velas que encontrou, distribuiu-as por todos os cantos. Nada de Light!, a luz mais primitiva possível, como as senzalas deviam ter, ou o lugar onde o pariram em meio à sujeira que a pobreza dá, em meio a cerimoniais religiosos e cânticos primitivos a deuses estranhos vindos da África... Ficaria o mais perto possível dele, enfeitiçaria sua ausência, desentranharia o silêncio da casa; e o atrairia. Tirou as roupas, deitou nua na cama, acariciou-se, botou a língua de fora, fez “uis” e “ais” tentando exorcizar o vazio. Nada.
A solidão rondava pelo quarto, ignorando-a olimpicamente. Ficou com medo, lembrou-se da morte e da culpa, irmãs inseparáveis. Seria a solidão cúmplice delas? O poço lá fora! Estava da mesma forma sozinho, e nele os cadáveres, os mesmos dela: um odiado e um amado. Mas o poço não teve escolha.
Levantou da cama de um pulo, abriu a porta do guarda-roupa, tirou tudo até esvaziá-lo: nenhuma pista.
Derrubou o criado-mudo e jogou para o ar o que havia dentro dele: nada.
Pulou e puxou até cair no chão a mala em cima do teto do guarda-roupa, abriu-a: além de trapos esquecidos: nada.
Puxou e arrancou o colchão da cama, deixando o esqueleto do estrado exposto: nada.
O baú no canto, sempre sob chave: imaginou-o cheio de segredinhos de ex-escravos ingênuos, aglomerados de santos e macumbas, cartas ininteligíveis de mães semi-alfabetizadas, alguma namoradinha de infância, medalhas, fotos dele aos dez anos, aos quinze, com colegas de farda na praça da República, no vale do Anhangabaú, bandeira de time de futebol, de algum pelotão. Baú velho e frágil, mais para esconder coisas de bisbilhoteiro que de ladrão.
(...) - Que mais encontraria nesse baú? Mais intimidades de uma vida desconhecida? O caderno que acreditara perdido... alguns poemas delirantes de cocaína!
Escravo fendedorde minha concha!Êmuloébanoautor, cúmplice/escravo do meu zênite egaço sólido que sacia quenteminha doce febre.Pêlo e pelesolidez incautaalanço e aconchegode meus peitos. Amor perpassadode senzala e fome.
(...) Boca aberta. Pernas cruzadas, sentada no chão, olhos também abertos. Lentamente. Lentamente, Magda. Raciocina. Quem foge? Quem abandona alguém deixando todo esse dinheiro escondido? Considera, Magda. Ele escondeu esse dinheiro. Aconteceu alguma coisa com ele! Onde está? Medita, Magda. Percebes o lado medonho do premonitório rondando a casa? É, Magda. Há perigo nestas sombras.
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