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Contos-->Joana, a filha de Herculano -- 23/01/2002 - 12:32 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O lavrador Herculano tinha uma filha das mais formosas. E tanto era que despertava nos rudes homens de Monte Negro, um pequenino lugar perto de Bragança, sentimentos e paixões exacerbados - ainda que velados por causa da pouca idade da menina.

Nas redondezas de Monte Negro outros lavradores ouviam falar e se assanhavam, mas nenhum tinha coragem suficiente pra enfrentar a fúria daquele pai-coruja, ou melhor, pai-japiin, pássaro mais adequado à fauna da região, conhecido por “adotar” filhotes de outros pássaros.

Assim foi a menina crescendo, crescendo, cada vez mais bonita e vistosa. Os cabelos escuros, longos e encaracolados a emoldurar o rosto angelical, ainda livre das marcas que o trabalho rural cedo oferece, porque seu pai exigia apenas que ela mantivesse a casa arrumadinha e lavasse as louças para a velha mãe, Raimunda.

Passaram-se os anos e Joana fez os seus dezoito. Diferentemente da lógica social do vilarejo, que cedo empurra as meninas a arranjar marido, enquanto quase todas as suas conhecidas da mesma idade já contavam com pelo menos um filho, por causa do ciúme do pai ela permanecia casta. Seus pretendentes não acreditavam que o pai a preservasse intacta apenas pelos ciúmes típicos da paternidade, tanto que eles maldosamente alimentavam outros pensamentos e outras hipóteses.

Nada no comportamento da menina, contudo, indicava que o pai lhe faltasse com respeito; pelo menos não até às últimas conseqüências, porque se isso tivesse ocorrido logo apareceria a barriga e o suposto falso amor de pai/filha viria à tona.

E tanto mais essa hipótese não se confirmou quando Joana criou coragem e começou a se comportar como qualquer moça de sua idade, alimentando pensamentos e desejos comuns a todas as fêmeas, sem o mínimo traço dos traumas que os abusos sexuais deixam na vida de uma mulher.

Foi assim que numa das lindas tardes de Monte Negro, quando os raios do sol ainda tocavam as copas, afirmando que iria prosear com a tia Maria, moradora da beira do rio Genipau-açu, a moça, possuída por um incontrolável desejo, queria mesmo era ver seu primo Antônio, um jovem bem aparentado e tímido, que nunca atentara para os olhares denunciativos que Joana lhe dirigia desde os quinze anos.

Tudo permaneceria igual como antes se Joana não tivesse, num ímpeto típico dos apaixonados, tascado um beijo em Antônio, que nada pôde fazer senão responder com outros, passando às ações mais ousadas, que, ao final daquele dia, recolhidos às sombras tímidas da noite e ao canto de pássaros curiosos e cúmplices, levou-os à experiência que lá naquelas bandas é conhecida, no caso dos homens, como “mexer” com a moça. E mexer com a moça levaria a dois acontecimentos invariáveis: casamento ou morte.

De volta quando a noite avançada já deixava preocupados pai e mãe, Joana não pôde ocultar pelo olhar perdido e respostas evasivas a experiência que tinha vivido havia poucas horas. O pai, sempre atento a qualquer movimento da filha, quis saber insistentemente o que ocorrera. A moça silenciou às primeiras perguntas; porém, como sempre obedecera ao pai, mais por medo do que por respeito, resolveu falar a verdade. Mesmo porque, resolvendo mentir, a possibilidade de aparecer barriga iria denunciá-la, e a vergonha e a decepção causadas jamais seriam esquecidas pelo pai, além do que ambos se tornariam objeto de galhofa aos olhos dos conhecidos.

Nenhuma opção restou a Herculano senão, no dia seguinte, ainda sob o impacto da decepção, procurar o sobrinho para lhe obrigar casar com a filha. Outros casos como aquele já haviam acontecido em Monte Negro e o casamento sempre fora a solução. Nenhum homem morrera naquelas bandas por se recusar a casar com uma mulher “mexida” por ele. Não seria justamente com a filha, pensava Herculano, a linda e protegida Joana, que a morte se constituiria no preço a ser pago em resgate da honra.

Antônio estava à margem do Genipau-açu limpando uns peixes que havia pescado. Não percebeu quando Herculano chegou. Antes de ir roçar o local onde plantaria novos pés de mandioca, o pai de Joana, magoado, mas esperançoso de que o casamento desse fim à sua angústia, tocou levemente no ombro do sobrinho.
- Antônio, responde-me: vais casar com minha filha?
Assustado diante do olhar enfurecido do tio, Antônio, num arroubo incomum a um tímido, disse-lhe:
- Casar, eu? O quê, meu tio...? tenho apenas dezenove anos, como o senhor quer que eu case com Joana? Nem sei como aquilo aconteceu...
Antônio se virou e continua a limpeza dos peixes.

Breves instantes de silêncio fizeram seu coração curtir um pavor repentino, ao tempo em que se lembrava de como Herculano protegia a filha. Um barulho quebrou o gélido instante e as águas do Abaeté foram manchadas com o líquido vermelho. Pela segunda, e agora definita vez, Antônio perdeu a cabeça.

Joana, na noite anterior, por não suportar o fogo que lhe queimava o seio, perdeu o controle e a virgindade. Seu pai, considerou ter perdido a honra. E Antônio acabara de perder a vida. O único golpe que atravessou o ar separou do corpo a cabeça de Antônio, levada pelas águas escuras do Genipau-Açu.

Como naqueles dias a honra tinha que ser defendida a qualquer preço, ninguém ousou condenar a morte de Antônio, como também nenhum homem jamais se aproximou da filha de Herculano.

Comenta-se que ela ficou grávida anos depois, e dizem os antigos que ouviram do triste fato que o filho não poderia ser de Herculano, já sem o vigor masculino. De quem seria, então?
Soube-se depois que o irmão mais novo de Antônio, Sebastião, à época com dezessete anos, fugiu para a capital. Ninguém da família tem até hoje notícia dele. O curioso é que, João, o filho de Joana, tem os mesmos traços do fugitivo...
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