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Artigos-->Em nome do bem contra o mal -- 27/09/2001 - 21:25 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Obs. preliminar: acabo de receber, do meu amigo tradutor Newton Ramos (São Carlos), do grupo de Teoria Crítica de que participo, o texto "El bien y el mal", de Eduardo Galeano, que traduzo abaixo.



_______________________



por Eduardo Galeano

trad.: zé pedro antunes



_______________________





Os terroristas mataram trabalhadores de cinqüenta países, em Nova York e em Washington, em nome do Bem contra o Mal. E, em nome do Bem contra o Mal, o presidente Bush jura vingança: "Vamos eliminar o Mal deste mundo", ele anuncia.



Eliminar o Mal? Que seria do Bem sem o Mal? Não só os fanáticos religiosos necessitam de inimigos para justificar sua locura. Também necessitam de inimigos para justificar sua existência a indústria de armamentos e o gigantesco aparato militar dos Estados Unidos. Bons e maus, maus e bons: os atores trocam de máscaras, os heróis passam a ser monstros e os monstros passam a ser hérois, de acordo com as exigências dos roteiristas.



Isso não tem nada de novo. O cientista alemão Werner von Braun foi mau quando inventou os foguetes V-2 que Hitler descarregou sobre Londres, mas converteu-se em bom no dia em que colocou o seu talento a serviço dos Estados Unidos. Stalin foi bom durante a 2a, Guerra Mundial, e mau, depois, quando passou a dirigir o Império do Mal. Nos anos da guerra fria, John Steinbeck escreveu: "Talvez o mundo inteiro precise de russos. Aposto que mesmo na Rússia se precisa de russos. Pode ser que eles os chamem de americanos."

Depois os russos acabaram ficando bons. Agora, Putin também diz: "O Mal deve ser castigado."



Saddam Hussein era bom, e boas eram as armas químicas que empregou contra iranianos e curdos. Depois, malignizou-se. Já era chamado de Satã Hussein, quando os Estados Unidos, que acabavam de invadir o Panamá, invadiram o Iraque porque o Iraque tinha invadido o Kuwait. Bush Pai teve por encargo esta guerra contra o Mal. Com o espírito humanitário e compassivo que caracteriza sua família, matou mais de cem mil iraquianos, civis em sua grande maioria.



Satã Hussein segue onde estava, mas, de inimigo número um da humanidade, caiu para a categoria de inimigo número dois. O flagelo do mundo se chama agora Osama Bin Laden. A Agência Central de Inteligencia (CIA) havia lhe ensinado tudo o que sabe em matéria de terrorismo: Bin Laden, amado e armado pelo governo dos Estados Unidos, era um dos principais "guerreiros da liberdade" contra o comunismo no Afganistão.



Bush Pai ocupava a vice-presidência quando o presidente Reagan disse que estes heróis eram “o equivalente moral dos Pais Fundadores da América”. Hollywood estava de acordo com a Casa Branca. Por essa época, filmou-se “Rambo 3”: os afganes muçulmanos eram os bons. Agora são maus, malíssimos, em tempos de Bush Filho, treze anos depois.



Henry Kissinger foi um dos primeiros a expressar reação ante a recente tragédia. "Tão culpdos quanto os terroristas são os que os apoiam, financiam e inspiram", sentenciou, com palavras que o presidente Bush repetiria horas depois.



Se assim é, necessário seria começar bombardeando o próprio Kissinger. Ele seria culpado de muito mais crimes do que os cometidos por Bin Laden e por todos os terroristas que há no mundo. E em muitos outros países: atuando a serviço de vários governos estadunidenses, ofereceu "apoio, financiamento e inspiração" ao terror de Estado na Indonésia, Camboja, Chipre, Irã, África do Sul, Bangladesh e países sulamericanos que sofreram a guerra suja da Operação Condor.



No dia 11 de setembro de 1973, exatamente 28 anos antes dos fogos de agora, ardia em chamas o palácio presidencial no Chile. Kissinger antecipara o epitáfio de Salvador Allende e da democracia chilena, ao comentar o resultado das eleições: "Não temos por que aceitar que um país se torne marxista pela irresponsabilidade de seu povo."



O desprezo pela vontade popular é uma das muitas coincidências entre o terrorismo de Estado e o terrorismo privado. Para citar um exemplo, a ETA, que mata gente em nome da independência do País Basco, diz através de um de seus porta-vozes: "Os direitos não têm nada a ver com maiorias e minorias."



Muito se parecem entre si o terrorismo artesanal e o de alto nivel tecnológico, o dos fundamentalistas religiosos e o dos fundamentalistas do mercado, o dos desesperados e o ds poderosos, o dos loucos soltos e o dos profissionais de uniforme.



Todos compartilham o mesmo desprezo pela vida humana: os assassinos dos cinco mil e quinhentos cidadãos triturados sob os escombros das Torres Gêmeas, que desmoronaram como castelos de areia seca, e os assassinos dos duzentos mil guatemaltecos, em sua maioria indígenas, que foram exterminados sem ter jamais merecido qualquer atenção por parte da televisão ou dos jornais do mundo. Eles, os guatemaltecos, não foram sacrificados por nenhum fanático muçulmano, mas pelos militares terroristas que receberam "apoio, financiamento e inspiração" dos sucessivos governos dos Estados Unidos.



Todos os apaixonados pela morte coincidem também em sua obsessão por reduzir a termos militares as contradições sociais, culturais e nacionais. Em nome do Bem contra o Mal, em nome da Verdade Única, todos resolvem tudo matando primeiro e perguntando depois. E, por esse caminho, acabam alimentando o inimigo que combatem. Foram as atrocidades do Sendero Luminoso que, em grande medida, serviram de incubadora para o presidente Fujimori, que, com considerável apoio popular implantou um regime de terror e vendeu o Peru a preço de banana. Foram, em grande medida, as atrocidades dos Estados Unidos no Oriente Médio que serviram de incubadeira para a guerra santa do terrorismo de Alá.



Ainda que agora o lider da civilização exorte a uma nova Cruzada, Alá é inocente dos crimes que se cometem em seu nome. Ao fim e ao cabo, Deus não ordenou o holocausto nazista contra os fiéis de Jeová, e não foi Jeová quem ordenou a matança de Sabra e Chatila, e nem quem mandou expulsar os palestinos de sua terra. Acaso Jeová, Alá e Deus, no fundo, não são três nomes de uma mesma divindade?



Uma tragédia de equivocos: já não se sabe quem é quem. A fumaça das explosões forma parte de um cortina de fumaça muito mais enorme, que nos impede de ver. De vingança em vingança, os terrorismos nos obrigan a caminhar aos tombos. Vejo uma foto, publicada recentemente: em uma parede de Nova York algum punho deixou escrito: "Olho por olho deixa o mundo cego".



A espiral da violência engendra violência e também confusão: dor, medo, intolerância, ódio, loucura. Em Porto Alegre, no início deste ano, o argelino Ahmed Ben Bella advertiu: "Este sistema, que já enlouqueceu as vacas, está enlouquecendo as pessoas." E os loucos, loucos de ódio, atuam da mesma forma como atua o poder que os gerou.



Um menino de três anos, chamado Luca, comentou um dia destes: "O mundo não sabe onde está sua casa." Estava olhando para um mapa. Podia estar olhando para um noticiário.









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