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Cronicas-->Pegadinha do apagão -- 31/10/2001 - 13:14 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Casei. E você pode dizer que, devido a isso, não posso culpar o governo ou qualquer órgão ligado à energia neste país amalucado. Há trinta anos tomei essa decisão. Resisti a algumas crises. À do petróleo. À do cruzado. À das bolsas asiáticas (sem mesmo entender o significado do que é uma bolsa asiática). E até à crise da Argentina. Nunca entendi ao certo o que nos liga à Argentina, exceto o fato de sermos vizinhos. Vizinhos têm dessas coisas. Convivem por uma questão de necessidade, mas não se toleram. Por acaso já viu um vizinho chamar o outro para batizar o filho? Impossível. Dos males, o melhor. Pelo menos construímos Itaipu com o Paraguai. Ainda bem!

Em se tratando de casamento, os especialistas dizem que há a crise dos sete anos. Mas acho que eles não mediram direito. Antes mesmo dos sete anos - pode ser até no primeiro mês - surge a primeira delas. "Você não me ama mais". Só porque você quer assistir a um jogo de futebol e a mulher acha que o Vampeta é mais importante na sua vida do que ela (o que não deixa de ser verdade, a certa altura do campeonato). Em seguida, vem a crise da gravidez. "Por que você não me procura mais na cama?" - ela quer saber. E fica difícil você falar que, ao fazer amor com a patroa, dá-nos a impressão de estar roubando o leite das crianças. Isso tudo é fichinha, a gente vai tocando o barco.

Mas meu casamento não resistiu à crise energética. Deputados, senadores, ministros e presidentes deviam ser mais cautelosos antes de impor algumas regras no cotidiano das famílias. Confesso! Assustei-me com a possibilidade de haver um black out. Tudo escuro. Ruas, casas, casas de massagem, botecos. Um breu insuportável. Só de pensar me dá calafrios. Larguei meu espírito democrata e, de uma hora para outra, transformei-me num déspota pouco esclarecido. Tive um papo sério com a patroa. "Nada de gastar!" - afirmei, categórico. Recebi uma mensagem do além: um antigo sacerdote egípcio me ditou as leis do apagão, e tentei aplicá-las no meu lar doce lar.

Comprei quinze làmpadas económicas. Quase duzentos reais. Tornei-me um francês: banho semanal e desodorante Rastro a dar com pau. Cortei a TV das crianças. Fiz com que Dirce lavasse roupa no tanque. "Esfrega, Dirce!" Paguei uma fortuna num chuveiro que prometia economizar 30% do gasto com energia. Nunca tinha sido um entusiasta das reuniões de condomínio. Passei a frequentá-las, na esperança de convencer os condóminos a abrirem mão da iluminação do estacionamento. Perdi uns cinco quilos de peixe, que apodreceram por eu ter desligado o freezer. Fora a carne e os congelados. Tornei-me um vigilante das làmpadas acesas. Por conta disso, consegui uma fratura no joelho, ao trombar com o batente da porta da cozinha, numa dessas madrugadas. Mas sempre achei que valeria a pena. Até o dia em que Dirce me deu um ultimato: "ou você pára com essa mania de querer economizar tudo ou vou embora!". Eu disse: "vá com Deus". Ela foi.

Desse momento em diante minha vida se tornou um inferno. Passo horas em frente à TV e não consigo bater ovos na base do garfo. A diarista que consegui só trabalha movida a eletrónicos. Microondas, lava-louças elétrica, lavadora de roupas. Fora as novelas do dia. Todas elas. Das duas da tarde às dez da noite. Dia desses Dirce me ligou para saber como eu estava.

- Estou bem, Dirce!

- Os meninos estão com saudades de você...

- Sério? Então traz eles aqui!

- Só que querem levar o videogame...

Pedi para minha ex-mulher trazer os moleques, o videogame e o sogro - que adora mexer nos meus eletrónicos. Já tinha mesmo estourado minha quota e, além do mais, os reais que economizei no primeiro mês do racionamento só serviram para eu pagar o aumento de tarifa no mês seguinte. Pegadinha do governo. E o pior de tudo é que a gente cai.
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