Reflectindo profundamente sobre o baralho de cartas, sobre o quadriculado tabuleiro que permite jogar xadrez ou damas, sobre o conjunto de peças do dominó, cujos inventores ninguém conhece, acho que estou perante o laborioso raciocínio de alguém que suplantou em inteligência o famigerado produto das endeusadas tábuas da lei, que Moisés em circunstância azada concebeu, mas teve a astúcia de atribuir a sua feitura a Deus.
Em qualquer um dos jogos citados, a diversidade de cambiantes tem, em pormenor, um justificado e exclusivo lugar. Nos dez mandamentos, uma só e curta frase seria bastante para dominar todo o imbróglio que do conteúdo emana: não faças a outrem o que a ti mesmo não queres que façam.
Quem, um a um, medite sobre a inaplicabilidade prática do decálogo - trata-se em grande parte de um cerceio à existência tranquíla, porque o ser humano é o mais terrível dos predadores - desde logo se solicita interrogar: que Deus é este que instituiu como directiva fulcral uma lei tão medíocre? Mais: o comportamento da natureza demonstra sem equívoco que, segundo o racionalmente estabelecido, os dez mandamentos são um autêntico paradoxo.
Eu, raciocinando sobre a origem de os dez mandamentos serem dez e não nove, ou doze, por exemplo, se deve exclusivamente ao facto de a pessoa ter dez dedos nas mãos.
A terminar esta rápida equação ao persistente erro temporal em que a humanidade milita, em nome de uma segunda outra vida, questiono: então não é tremendamente lesante que se evoque "em nome do pai, do filho e do espirito santo" e não "em nome do pai, da mãe e do filho"?
António Torre da Guia |