FUNÇÃO TROPICAL
Vieram baratas de todas as babilônias,
moscas em negras formações,
cães depois de cem anos de confinamento,
sem dentes, cirurgiões sedentos de sangue,
vieram bandos de mal-amados,
escotilhas repletas de olhos amedrontados
como zepelins pressentindo as chamas.
Vieram trabalhadores com cetros de trigo nas mãos,
chaveiros abrir portas com fios brancos de cabelo,
monstros encharcados para a Amazônia,
vieram homens e mulheres asfixiados por jóias,
monges, ventres, temperos e espadas do Oriente,
as suplicantes e os pedintes,
vieram traficantes de tempo e espaço.
Vieram semitas e nordestinos lutar
pela reforma agrária no planeta,
maltas de sonâmbulos e andarilhos
provenientes de séculos anteriores,
lúmpens e anões com suas mágicas pagãs.
Vieram crianças portando certezas
e estrelas do meio-dia, à meia-noite.
Vieram Tupis, Tapuias, Guaranis e Caetés
comendo tapioca em cima
de continentes flutuantes,
os gregos com seus bandos de deuses,
os romanos construir arenas, idiomas,
móveis e templos para banhos.
Vieram os ostrogodos, os visigodos
e os mais bárbaros engodos rumo ao Sul.
Veio a armada espanhola,
com mouros entalados na garganta,
doar crucifixos e fabricar almas.
Vieram as naus portuguesas com homens
que devoravam ratos e negras nos porões,
os holandeses sonhando uma vida açucarada,
as comitivas francesas com poetas sujos,
corsários e experts em culinária.
Vieram as esquadras inglesas,
com saqueadores uniformizados,
os africanos com tambores
que ensurdeciam os brancos,
os germânicos, com seus naturalistas,
conhecer o natural,
vieram os norte-americanos
com seus automóveis, filmes,
hambúrgueres e raios lasers.
Vieram Shakespeare e Sófocles
para discutir o aumento do custo de vida.
Padre Vieira com receitas de amor,
Machado de Assis brindar a decadência humana,
Fernando Pessoa com mensageiros mascarados,
veio Graciliano Ramos com gravetos iluminados,
Guimarães Rosa com caderninhos no bolso,
Clarice Lispector com seus faróis enigmáticos.
Veio Jorge de Lima ressuscitar Camões e Jesus Cristo,
Drummond com seus lírios ilegais,
João Cabral com armas brancas anti-explosivos,
Ferreira Gullar com seus poemas sujos,
os irmãos Campos para criogenizar versos,
Torquato Neto anunciando sua morte num poema,
vieram fundadores de todos os lugares.
Vieram pessoas que não se sabe bem quem eram.
Vieram com as pernas do Abandono,
do Grito, da Loucura, da Fuga e do Medo.
Com as foices da Vingança, da Inveja,
do Ódio, da Ambição e da Traição Indômitos.
Vieram com os escudos da Esperança, da Glória,
do Trabalho, do Sonho e da Justiça.
Vieram de um canto ignoto da Liberdade,
ejetados por uma faísca de Amor.
Vieram morrer por uma Perpetuação qualquer.
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